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Férias escolares e o direito de brincar: Direito de todas as crianças?

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Atualizado em 20 de janeiro de 2025 08:42

Janeiro, para muitos, em especial para as crianças e adolescentes, é sinônimo de férias escolares. Como parte do desenvolvimento humano, é de suma importância que esses sujeitos possam usufruir desses momentos de lazer, cabendo à sociedade, famílias e às autoridades públicas garantirem a elas o exercício pleno deste direito.

O direito ao brincar é um direito fundamental de crianças e adolescentes garantido por nossa legislação, mas também pela ONU.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 16, define, dentre alguns aspectos do direito à liberdade, ".o direito de praticar esportes, brincar e divertir-se.".

Nesta mesma seara, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabelece que ".toda pessoa tem direito ao lazer." (Art. 24) e a Convenção sobre os direitos da criança, em seu Art. 31, 1, indica que "Os Estados Partes reconhecem o direito da criança ao descanso e ao lazer, ao divertimento e às atividades recreativas próprias da idade.".

Especialistas ponderam ser o "brincar" uma atividade essencial ao desenvolvimento integral, pleno e saudável das crianças e, uma das premissas contidas no Marco da Primeira Infância, que também indica em seu art. 17 que "A União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios deverão organizar e estimular a criação de espaços lúdicos que propiciem o bem-estar, o brincar e o exercício da criatividade em locais públicos e privados onde haja circulação de crianças, bem como a fruição de ambientes livres e seguros em suas comunidades".

A fim de reforçar este direito, em 20/3/24, foi sancionada a lei 14.826, que instituiu a parentalidade positiva e o direito ao brincar como estratégias intersetoriais de prevenção à violência contra crianças.

Em seu art. 3º da referida lei, é pautado "É dever do Estado, da família e da sociedade proteger, preservar e garantir o direito ao brincar a todas as crianças". A referida legislação, em seu art. 7º, pautou a base principiológica desta lei, reforçando como direito o "brincar livre de intimidação ou discriminação; relacionar-se com a natureza; viver em seus territórios originários; e receber estímulos parentais lúdicos adequados à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento".

Mas será que de fato esses direitos são assegurados a todas as crianças?

Numa tentativa de responder a tal questionamento, justo pontuar que férias escolares para muitas crianças, Brasil afora, representa muito mais do que o gozo ao direito de brincar, representa risco, exposição e exploração. É sobre a realidade destas crianças que falaremos, a priori, mas cujas situações podem abranger as crianças de modo em geral.

No tocante aos riscos, podemos suscitar a precária zeladoria e conservação dos espaços e equipamentos públicos. Não raro, encontramos praças e parques com jardins mal conservados (mato alto), brinquedos quebrados, calçamentos irregulares que expõem ao risco de acidentes ou falta de segurança que possibilitem à criança brincar, quando não, nos deparamos com a ausência destes espaços, em especial nas periferias das cidades. A questão da acessibilidade também é uma mazela presente e que requer atenção das autoridades competentes nos espaços públicos, pois nem todos os locais são adaptados às crianças com deficiência e isso causa ainda mais exclusão.

Em relação à exposição, o principal fator é sem dúvidas a questão da violência urbana. Segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2023, 263 crianças e 2.036 adolescentes foram vítimas por mortes violentas intencionais (MVI), totalizando 2.299 vidas interrompidas precoce e de forma violenta. A maioria das vítimas estavam na faixa etária entre 12 a 17 anos, com aproximadamente 1.670 casos. A maioria das mortes ocorreram nas comunidades onde essas crianças residiam. Local de moradia, onde crianças e adolescentes deveriam se sentir seguros, se tornaram espaços hostis e de insegurança (às vezes, até mesmo dentro de suas casas, quando da ocasião de balas perdidas).

Concernente à exploração, basta sairmos de casa para nos depararmos com mães, pais ou responsáveis legais (ou não), em cruzamentos, ruas ou esquinas, acompanhados de seus filhos, sobrinhos, netos, vendendo balas nos semáforos, água e outros bens materiais, expondo-os a todos e quaisquer riscos. E, muito se engana aquele que acredita ser essa a realidade de locais mais vulneráveis. Esta é a situação da maioria das cidades de nosso país.

Muito embora a taxa de desemprego tenha apresentado queda no último trimestre de 2024, como aponta os dados da PNAD Contínua (a menor taxa de desemprego da série histórica), o período de férias escolares coincide com aquele em que pais, mães, avós, se veem sem ter com quem deixar as crianças para sair para suas atividades laborais (sejam elas formais ou informais), haja vista algumas cidades não ofertarem atividades extracurriculares nas escolas neste período ou as Organizações da Sociedade Civil não conseguirem atender toda demanda local, e não raramente, é a rua o local onde essas crianças se encontram e são expostas ao trabalho, de forma irregular, precária e prejudicial ao seu desenvolvimento.

É importante mencionar que a exploração abarca não somente o trabalho, aquele proibido aos menores de 14 anos, mas também a de cunho sexual ou como via de cooptação para outras práticas ilícitas, colocando estas crianças e adolescentes em situações ainda mais vulneráveis.

Não obstante, para além destas ponderações, nas férias escolares, mas também em outras épocas do ano, o direito de brincar ou o brincar livre também se vê "ameaçado" pelo uso excessivo das telas, da exposição contínua e sem fiscalização nas redes sociais (o que pode suscitar outras violações, como pornografia infantil, cyberbulling, abusos) e aos jogos de videogame ou de conteúdo online.

São trocas (o brincar livre pelas tecnologias), que pelas constantes notícias que acompanhamos, são perigosas e que prejudicam o desenvolvimento físico e mental das crianças e dos adolescentes, merecendo, portanto, a atenção dos adultos, como responsáveis pelos cuidados a eles devidos.

Muito embora o direito de brincar tenha sido instituído por lei há menos de um ano, ele como citado acima, já estava garantido tanto em nossa legislação, como indicado na legislação internacional, mas ainda, tal como tantas outras legislações existentes em termos de proteção aos direitos de crianças e adolescentes, necessita ser implementado.

Por fim, pelas elocubrações aqui trazidas, é notória a importância de tratarmos das questões apontadas, fomentar as políticas públicas locais, para que estas caminhem de encontro ao efetivo cumprimento das legislações nacionais e internacionais (das quais o Brasil é signatário), mas também, reforçar junto às famílias e sociedade, a importância da responsabilidade coletiva no trato devido às crianças e adolescentes no país, evitando deste modo, a perpetuação das situações de risco, exposição e exploração não somente em períodos de férias escolares, mas todos os dias, tal como preconiza o art. 227 da CF/88.

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1 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível aqui.

2 Brasil. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: Senado, 1990. Disponível aqui.

3 Brasil. Lei 13.257, de 08 de março de 2016. Marco legal da Primeira Infância. Brasília, DF: Senado, 2016. Disponível aqui.

4 Brasil. Lei 14.826, de 20 de março de 2024.Brasília, DF: Senado, 2024. Disponível aqui.

5 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. 2024

6 ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível aqui.

7 ONU. Convenção sobre os Direitos da Criança. 1989. Disponível aqui.