O direito à educação de crianças e adolescentes e sua exigibilidade no ordenamento jurídico brasileiro
terça-feira, 4 de fevereiro de 2025
Atualizado em 3 de fevereiro de 2025 08:44
O direito à educação está dentre os direitos sociais de segunda geração, possui caráter público subjetivo, ou seja, compete ao cidadão a sua exigibilidade (no caso de crianças e adolescentes, compete ao seus pais e/ou responsáveis o direito e o dever de exigi-lo). Ele deve ser materializado através de políticas públicas básicas, competindo ao Estado supri-lo a todos, sem qualquer distinção.
A educação está correlacionada à dignidade humana quando a partir desta é dada ao cidadão a possibilidade de desenvolver-se criticamente e a ter uma vida digna.
Trata-se de um direito humano e está assegurado no art. 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz "1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, está baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos".
A Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), em seu art. 28, reitera tal garantia, assegurando "1. Os Estados partes reconhecem o direito da criança à educação e, para que ela possa exercer esse direito progressivamente e em igualdade de condições, devem: tornar o ensino primário obrigatório e disponível gratuitamente para todos; estimular o desenvolvimento dos vários tipos de ensino secundário, inclusive o geral e o profissional, tornando-os disponíveis e acessíveis a todas as crianças; e adotar medidas apropriadas, como a oferta de ensino gratuito e assistência financeira se necessário; tornar informações e orientação educacionais e profissionais disponíveis e acessíveis a todas as crianças; adotar medidas para estimular a frequência regular à escola e a redução do índice de evasão escolar; 2. Os Estados partes devem adotar todas as medidas necessárias para assegurar que a disciplina escolar seja ministrada de maneira compatível com a dignidade humana da criança e em conformidade com a presente Convenção; 3. Os Estados Partes devem promover e estimular a cooperação internacional em questões relativas à educação, visando especialmente contribuir para a eliminação da ignorância e do analfabetismo no mundo e facilitar o acesso aos conhecimentos científicos e técnicos e aos métodos modernos de ensino. Nesse sentido, devem ser consideradas de maneira especial as necessidades dos países em desenvolvimento".
No Brasil, a primeira ideia de direito à educação surgiu na Constituição de 1824, que introduzia a normatização do direito à educação primária, inclusive aos adultos, através de seu art. 1791. Entretanto, não foi assim que se procedeu, haja vista a tomada escravocrata e a contínua exclusão das classes menos favorecidas à educação e inserção como membros da sociedade. Cabe destacar que escravos e negros alforriados não se enquadravam ao status de cidadãos, assim como crianças e mulheres.
Apenas após 30 anos do estabelecimento do status republicano do Brasil que se iniciou um processo de reforma às bases educacionais no país. A partir da Carta Magna de 1934, inicia-se um processo de discussão sobre as bases do direito à educação, onde, de fato, passou a ter a educação como direito comum a todos os cidadãos.
O direito à educação na Constituição de 1937 passa a ser vinculado a valores cívicos e econômicos, ao passo de dividir a responsabilização dos estudos não somente ao Estado, mas à família e à sociedade, bem como à indústria, atrelando a educação à formação profissional.
A Carta Magna de 1946 traz pela primeira vez a competência da União em legislar sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e determina a obrigatoriedade do ensino primário a todos os cidadãos.
A primeira LDB - lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 4.024/61, atendia especificamente aos ditames da Constituição de 1946, estabelecendo que o ensino era de obrigação do Poder Público e livre à iniciativa privada, competindo às famílias o poder de escolha sobre a educação a ser provida a seus filhos e não ao Estado direcioná-las a esta escolha.
Após o processo de redemocratização do país e a promulgação da Constituição de 1988, o direito à educação passou a ter caráter universal, com capítulo exclusivo para os seus ditames legais. O art. 205 explicitou este direito: "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".
Os mesmos parâmetros foram dois anos depois sacramentados através do art. 53 e seguintes, do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), que traduz o dever do Estado quanto à garantia do direito à educação.
Nesta seara, importante pontuar que o art. 53 aduz que "A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, sendo-lhes assegurado: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV - direito de organização e participação em entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência".
O direito à educação é absoluto, intangível e de obrigação do Estado, seja através da norma constitucional, ou de normas infraconstitucionais, como demonstrado acima através da exemplificação dada pelo ECA, que se complementa com outras normas presentes em nosso ordenamento.
Desta feita, importante mencionar que a LDB 4.024/61 foi substituída pela lei 9.394, de 20/12/96, todavia, a segunda manteve em sua base ditames similares aos da primeira, principalmente no que diz respeito ao dever e obrigação do Estado em relação à educação de todos os cidadãos. Esta lei foi alterada pela lei 12.796/13, que, por sua vez, acrescentou itens indispensáveis à ideia da universalização da educação como direito.
Não podemos deixar de mencionar a BNCC - Base Nacional Comum Curricular, o PNE - Plano Nacional de Educação, o Novo Ensino Médio e a criação do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, iniciativas que visam promover não só o acesso, mas a permanência dos alunos desde o ensino infantil até o ensino médio.
Muito embora as políticas voltadas à educação estejam sendo implantadas ou implementadas pela União, Estados, Distrito Federal e municípios, dados atuais demonstram que o acesso a este direito e sua permanência seguem sendo um desafio à política nacional de educação. Dados do IBGE, de 2023, apontam que mesmo a taxa de escolarização no Brasil tendo atingido o patamar de 92,9%, cerca de 54,5% dos brasileiros possuem apenas a educação básica e muitos também se encontram em distorção série-idade. A mesma pesquisa do IBGE denuncia a desigualdade no acesso à educação, principalmente entre pessoas pretas e pardas.
Não obstante, os eventos climáticos têm contribuído ainda mais para o afastamento de crianças e adolescentes do ambiente escolar. Só no ano de 2024, cerca de 1,17 milhão de crianças foram afastadas das escolas. Exemplificando, as chuvas de maio, no Rio Grande do Sul, deixaram cerca de 740 mil estudantes sem aula; a seca da Amazônia fechou mais de 1.700 escolas, incluindo 100 em áreas indígenas, deixando 436 mil estudantes sem aula (UNICEF, 20252).
Assim, analisando os dizeres legais, sendo o direito à educação fundamental ao desenvolvimento pleno do cidadão, bem como inerente à personalidade humana, se o Estado não o assegura, ou prepara adequadamente seus profissionais a fim de incluir aqueles que buscam por melhor qualificação educacional e/ou mesmo profissional, perde-se o real sentido da universalização trazido pela Declaração Universal do Homem e pelas leis que a sucederam.
A prestação de uma educação plena e acessível a todos deve estar para além de uma norma constitucional ou infraconstitucional, deve estar para além de todo arcabouço jurídico, deve ser uma prática exequível e necessária para o desenvolvimento a todo e qualquer indivíduo que o buscar.
O direito à educação é um importante instrumento de transformação social nas mais diversas fases da vida do cidadão, cabendo à sociedade, às famílias e entes públicos ou privados exigi-lo quando em situação de negação, fundamentadamente por todas as leis que o asseguram.
1 A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição, pela maneira seguinte: [...] 32. A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos.
4 Brasil. Lei 12.796, de 4/4/13. Lei de Diretrizes Básicas da Educação. Brasília, DF: Senado, 2013. Disponível aqui.
5 ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível aqui.
6 ONU. Convenção sobre os Direitos da Criança. 1989. Disponível aqui.