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Os clássicos às machadadas*

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Atualizado às 07:16

Ygor Valerio e Gabriela Muniz Pinto Valerio

Há alguns dias, veio a público a iniciativa da escritora Patrícia Engel Secco de fazer edições simplificadas de obras consagradas da literatura brasileira. O projeto "Os Clássicos e a Leitura", desenvolvido com verba pública, aprovada pelo Ministério da Cultura, terá versões de "O alienista", conto de Machado de Assis publicado pela primeira vez em Papéis avulsos em 1882, e de A pata da gazela, romance de José Alencar que saiu em primeira edição em 1870. As duas narrativas serão publicadas juntas, com tiragem de 600 mil exemplares, e serão distribuídas gratuitamente pelo Instituto Brasil Leitor. Para o projeto, Secco conseguiu captar mais de 1 milhão de reais. Ela está trabalhando ao lado de dois jornalistas nessa reescritura.

A polêmica foi imediata. Uma petição online, solicitando que o Ministério da Cultura impeça esse tipo de alteração de obras literárias, recebeu milhares de assinaturas. As críticas que Secco recebeu de especialistas em literatura e em educação foram muito duras. Mas o que está por trás de tudo isso? Um projeto como esse merece ser achincalhado ou ele pode incentivar a leitura? Reescrever uma obra literária, simplificando-a ao grande público, é digno de aplauso ou é uma excrescência? Vamos tentar discutir essas questões, tanto no âmbito literário, quando jurídico.

Machado e Alencar são dois ícones da literatura brasileira. O primeiro é habitualmente considerado nosso melhor escritor, um dos nomes mais lúcidos de toda a cultura nacional1. O segundo é o artista que, de modo programado, mais lutou pela independência artística do país, em meio a dificuldades que o autor de Iracema chama de "rota aspérrima" que ele se sentiu obrigado a "abrir, através da indiferença e do desdém, desbravando as urzes da intriga e da maledicência"2.

Dom Casmurro, Memórias póstumas de Brás Cubas, O Guarani, Iracema são obras então que fazem parte do processo de amadurecimento de qualquer um que chega ao Ensino Médio, época em que os estudantes começam a adquirir maior autonomia de leitura. A partir do segundo ciclo do Ensino Fundamental, o aluno já começa a tomar contato com obras literárias adultas e, no final da Educação Básica, ele passa a estudar a literatura de modo mais sistematizado, chegando aos nossos mais célebres escritores.

Ler Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Olavo Bilac, Gregório de Matos, Machado de Assis ou José de Alencar não é tarefa simples. Não se pode começar a formar um leitor exigindo domínio da obra desses escritores. É preciso criar uma sequência de leituras com aumento controlado do grau de dificuldade de interpretação, de modo que não haja saltos que desencorajem o leitor. Por isso, esses autores só são estudados, de fato, por jovens de 16 ou 17 anos, que já demonstram maior maturidade artística.

Patrícia Secco, explicando por que resolveu reescrever "O alienista", afirma que ela entende o motivo de os "jovens" não gostarem de Machado de Assis: "Os livros dele têm cinco ou seis palavras que não entendem por frase. As construções são muito longas. Eu simplifico isso"3.

Uma das coisas que ela faz é substituir certas palavras por outras: "sagacidade", por exemplo, torna-se "esperteza". Além disso, ela procura usar as palavras sem inversões sintáticas, privilegiando a ordem direta.

Os problemas pedagógicos do projeto

Aqui, somos levados a dar crédito aos críticos dessa iniciativa. Em primeiro lugar, por uma razão linguística. A rigor, não existem sinônimos perfeitos em um idioma. Pelo princípio da economia dos meios de expressão, se duas palavras ou construções tivessem exatamente o mesmo sentido, uma delas teria a tendência a desaparecer. Por isso, as escolhas lexicais de qualquer obra devem ser respeitadas. No caso de "sagacidade" e "esperteza", os termos não são equivalentes: o primeiro substantivo, mais específico, remete a uma capacidade de perceber sutilezas, de reconhecer raciocínios finos, de apreender algo a partir de indícios; o segundo, mais genérico, pode até mesmo ter conotação negativa, designando a "ação desonesta para conseguir algo, tentando ludibriar alguém"4. Assim, trocar um pelo outro não facilita a compreensão do sentido original do texto; na verdade, impede-a.

Em segundo lugar, deve-se pensar qual o público-alvo do projeto "Os Clássicos e a Leitura". Fosse algo dirigido a estudantes de dez anos de idade, ele poderia ter alguma validade. Mas, pelas declarações de Secco, ele se destina a jovens que devem ler Machado, mas não o entendem. Ora, isso acontece, sobretudo, no Ensino Médio. Donde questionamos: se o aluno de Ensino Médio precisa ler um Machado simplificado, em que outro momento da vida escolar ele lerá a obra original? Talvez nunca.

Secco, que é autora de vários livros voltados para o público infantojuvenil, argumenta ainda que essa simplificação não traria mudanças significativas para o sentido global do texto. Diz ela sobre Machado: "A ideia não é mudar o que ele disse, só tornar mais fácil"5. Declarações assim novamente dão força às críticas que ela tem recebido. Parece que a visão que ela tem da literatura é bastante limitada, uma vez que, para ela, alterações no modo dizer as coisas não alteram o que está sendo dito. Ora, uma das características mais importantes da obra literária é justamente a relação indissociável que ela constrói entre o plano da expressão e o plano do conteúdo; um não existe sem o outro, uma vez que o sentido é produzido por esse jogo entre o o que se diz e o como se diz6.

Surpresa com a recepção negativa de sua tentativa de descomplicar os clássicos, Secco disse:

"Fiquei tão ansiosa com o que está saindo que fui para a rua fazer entrevista. Falei com o gari, com o menino do lava-rápido, com o manobrista do restaurante. Ninguém sabe quem é Machado de Assis. É para eles que estou fazendo esse projeto. Vejo mães discutindo, mas não é para os filhos delas. É para a faxineira delas - não é nem para o filho da faxineira que está na escola; é para ela. Quero o livro na casa dos mais simples. (...) Estou horrorizada. É muito triste pensar que algumas pessoas acham que Machado de Assis, o mestre da literatura brasileira, não pode ser lido pelo sr. José, eletricista do bairro do Espinheiro, que, apesar de gostar de ler, não cursou mais que o primário, ou pelo Cristiano, faxineiro de uma farmácia de Boa Viagem, que não sabe nem mesmo o significado da palavra boticário"7.

Note-se que Secco mudou então o público-alvo de seu livro. O que antes era voltado, nas suas palavras, aos "jovens" que não entendiam Machado, agora se volta às pessoas das classes populares que estão fora da escola, mas gostam de ler. Mas será que o José ou o Cristiano não podem ser incentivados a ler obras que não foram mutiladas? Será que é preciso ler uma história remendada de Alencar e Machado? Também é possível formar leitores adultos, preparando-os para chegar aos textos literários mais sofisticados. Mas isso pode ser feito com obras já existentes, mais adequadas a essa finalidade. Não há nenhuma vantagem em oferecer-lhes um clássico pela metade.

Indignado com o projeto de Secco, o professor de literatura brasileira da USP, Alcides Villaça, afirma ser "absurdo imaginar que a função da escola seja facilitar qualquer coisa, em vez de levar a trabalhar com as dificuldades da vida, da crítica e do conhecimento"8. De fato, para que os jovens adquiram autonomia de leitura e, por extensão, de aprendizado, não se pode pensar que essa presumível facilitação do texto traz algum ganho substancial para os estudantes. Paulo Freire falava sobre a necessidade de professores e alunos serem "criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos (...) e persistentes". O docente, para Freire, deve ser menos "um repetidor cadenciado de frases e ideias inertes do que um desafiador"9. Secco parece que vai no caminho inverso dessas concepções.

A favor da iniciativa dela, pode pesar a favor o fato de haver experiências bem sucedidas de facilitação de obras literárias. É o caso das edições que "traduzem" Shakespeare para o inglês moderno ou, por exemplo, narram a Odisseia em prosa. Nesses casos, porém, é preciso reconhecer a enorme distância temporal entre as publicações originais e os dias atuais, o que cria dificuldades linguísticas muitas vezes intransponíveis para um leitor comum. Trazendo o problema para a língua portuguesa, é por causa disso que nenhum aluno de Ensino Médio é capaz de ler Os Lusíadas sozinho e integralmente. No entanto, devemos lembrar que textos antigos longos, com linguagem arcaica, escritos em versos, são de uma dificuldade de intelecção muito maior do que "O alienista" ou A pata da gazela. Estes podem e devem ser lidos no original por jovens do Ensino Médio; aqueles justificariam tentativas de simplificação antes de o aluno chegar ao texto original, que continua a ser o objetivo final do percurso de estudo literário.

Além disso, há textos literários que viram filmes, histórias em quadrinhos, peças de teatro ou que ganham versões voltadas para as crianças. Há algum problema nisso? Claro que não. Trata-se de novas obras, com outra linguagem, com outros objetivos, com outros pressupostos. Nenhuma delas tem a intenção de substituir as obras originais, como é o caso do projeto de Secco. A intenção nesses casos é dialogar com a obra original, recriá-la em outro universo artístico, sem que isso seja uma mutilação com finalidade supostamente didática.

Pode ser que a escritora, ao captar recursos para suas publicações de clássicos "descomplicados", tivesse a melhor das intenções, a de aproximar o jovem dos clássicos da literatura. Mas o caminho escolhido foi completamente equivocado do ponto de vista pedagógico, sugerindo a validade da máxima de que nada é pior para uma boa causa do que maus defensores. Secco poderia ter investido energia numa edição comentada de "O alienista" ou de A pata da gazela, com notas explicativas, glossário e uma introdução contextualizadora, o que de fato poderia trazer vantagens para os leitores que precisam de auxílio para ler obras literárias mais complexas. Mas isso requer mais do que boa vontade.

Domínio público, direitos morais e fontes da cultura nacional

As obras de Machado de Assis e de José de Alencar encontram-se em domínio público10 o que significa que a exclusividade que sobre elas recaía deixou de existir, cumprindo-se uma das finalidades do direito de autor de permitir, por derradeiro, acesso livre às criações que compõem o acervo cultural do nosso grupo social.

Apesar de não mais sob a guarda de um exclusivo autoral, o uso dessas obras não é completamente livre de qualquer regramento, porque, ao integrarem o o domínio público, seguem desfrutando de tutela do Estado quanto à preservação de sua autoria e integridade11.

O delineamento preciso desses dois conceitos abstratamente considerados seria tarefa bastante delicada e exigiria percurso cuidadoso por um volume substancial de ideias e posições doutrinárias12. Basta-nos, aqui, esclarecer que a proteção da autoria se destina a preservar o vínculo material-causal entre o autor e sua obra, e que a proteção da integridade destina-se a evitar desfiguração prejudicial da criação.

Ambos, autoria e integridade, a lei se dá a proteger durante toda a existência da criação, inicialmente como direito moral de titularidade do autor13, passando sua defesa aos herdeiros14 durante a vigência da proteção autoral e, depois de caída obra em domínio público a obra, ao Estado, em nome de um direito da coletividade15.

Interessante notar que, nessa última etapa da proteção da integridade - sobre a qual nos concentraremos - verifica-se um cunho já distante do exclusivo caracterizador do Direito Autoral, como bem observa José de Oliveira Ascensão16, e voltado à proteção do patrimônio cultural, em sentido amplo, a legitimar a intervenção estatal:

"(...) O art. 24 § 2.º, inserido no capítulo 'Dos direitos morais de autor', dispõe que 'compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída no domínio público'. Significará isto que o direito pessoal se prolonga indefinidamente, agora em benefício do Estado? Também isso foi já defendido, e também sem nenhuma verossimilhança. O Estado não age como titular de direitos autorais, mas na sua função de defesa do patrimônio cultural imaterial."(Grifos nossos)

Há muitas intervenções em obras de domínio público que fortalecem sua valorização e preservação, contribuindo para sua integridade, em associação à reputação da memória de seus autores.

Mas, para os casos em que a intervenção prejudica a obra, quais seriam os limites da ação do Estado na tutela das obras em domínio público que impediriam uma defesa da obra que inviabilizasse o acesso? O que constuiria violação à integridade de uma obra em domínio público a autorizar a movimentação estatal?

Se é indispensável reforçar a necessidade de garantir liberdade a expressões e criações que incorporam obras em domínio público17, sob pena de desnaturar-se a própria ideia de uso livre e prejudicar-se o suposto equilíbrio público-privado do sistema de propriedade intelectual, depreende-se que a proteção da integridade, garantida como é, limita-se ao que seria um escopo mínimo, que, no entanto, é difícil de ser definido em abstrato. Malgrado essa dificulade, qualquer que seja a definição desse escopo mínimo, é certo que deverá, sob uma visão constitucional do problema, assegurar o acesso às fontes da cultura nacional18, direito logicamente precedido pela necessidade de preservação dessas fontes19.

Afinal de contas, haverá benefício em ampliar-se sobremaneira o acesso a um Machado de Assis se, ao final, o que se lê será uma desnaturação de sua obra, um arremedo de Machado que não é senão uma reelaboração simplificada de sua escrita por um terceiro? É o enredo das histórias ou a escrita de Machado o que efetivamente constitui bem merecedor de um esforço divulgador? A simplificada segue abrangida na categoria de fonte da cultura nacional?

Neste tema de delinear-se o que constituirá ofensa à integridade da obra em domínio público a merecer intervenção estatal, veja-se a opinião lúcida de Eliane Y. Abrão20:

"Explique-se: os textos de Gregório de Matos podem ser trazidos ao público atual sob a forma escrita, na sua integridade e com o respectivo crédito devido em respeito ao autor e à memória nacional. Entretanto, não estará exercendo legitimamente o Estado sua função se considerar a dramatização do texto, ou qualquer outra releitura, violadora de sua integridade. Portanto, a integridade ficará restrita à forma original da publicação da obra, estando fora do alcance do Estado suas transformações e adaptações."

Para a autora, portanto, uma obra literária em domínio público comportará licitamente transformações que se materializem em formas distintas da publicação original, mas a intervenção realizada na forma original é ofensa à integridade. A transposição de gêneros e a mudança da mídia estariam fora da proteção à integridade, com o que se começa a esboçar uma proposta de delineamento da matéria.

Obra derivada e adaptação

Ao menos nos termos descritos, a pretendida "simplificação" das obras de Machado de Assis e José de Alencar não produziria obras derivadas, nos termos da LDA. A mera substituição de palavras no texto primígeno e a eventual simplificação sintática de determinados trechos não nos parecem atender suficientemente ao requisito mínimo de constituir-se criação intelectual nova resultante da transformação da obra21.

Importante essa conceituação, uma vez que o Artigo 14 da LDA garante proteção autoral às chamadas transformações criativas das obras caídas em domínio público, categorizando-as em quatro modalidades principais22: adaptação, arranjo, orquestração ou tradução, cada qual com sua definição própria, consolidadas doutrinariamente.

Não estamos, parece-nos claro, diante de nenhuma delas. Quanto à tradução, arranjo ou orquestração23 são dispensáveis maiores explicações - são modalidades muito específicas e conhecidas quanto à sua significação. Atenhamo-nos, assim, à adaptação, por ser este o termo usado nas notícias de jornal e demais comentários na mídia sobre o projeto "Os Clássicos e a Leitura"

Vejamos a definição de Houaiss:

"adaptação s.f. (1821) [...] 1.5 LIT transposição de uma obra literária para outro gênero 1.6. p.ext. M.COM. conversão de uma obra escrita em outra forma de apresentação"24

A definição dicionarizada do termo não se distancia do conceito jurídico conferido pelo Direito Autoral a esta modalidade de obra derivada. Veja-se a lição de Pontes de Miranda25:

"Adaptações, pois, são transformações da obra anteriormente publicada pertencente a um determinado gênero, em obra de outro gênero, exceção feita aos arranjos musicais, que se situam dentro de um mesmo gênero, mas que o legislador considera uma transformação." (grifos nossos)

Aliando-se essa definição de adaptação ao limite que se tentou traçar, no tópico anterior, quanto a o quê constituiria ofensa à integridade da obra, ter-se-ia que a adaptação, no seu conceito doutrinário, é, potanto lícita. Mas conclui-se, também, que o projeto de simplificação que comentamos não é uma adaptação, e invade a fronteira da integridade.

Não nos resta outra conclusão possível senão a de corroborar o legítimo coro contra a concepção do projeto, que em nome de uma pseudodemocratização de acesso à cultura ajuda, na verdade, a disseminar versões desvalorizadas na sua essência, empobrecidas em significado e estilo, do que temos de mais relevante na cultura literária do país.

*Artigo escrito pelos colunistas em coautoria com Eduardo Calbucci - formado em Jornalismo pela ECA/USP, com mestrado e doutorado em Linguística pela FFLCH-USP. É coautor do material de Português e Sociologia do Sistema Anglo de Ensino, professor do Anglo Vestibulares em São Paulo desde 1994. Ministrou aulas na USP em 2010, como professor convidado no Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA, na cadeira de "Cultura e literatura Brasileira". Tem também vasta experiência como professor no Ensino Médio. Publicou, em 1999, pela Ateliê Editorial, Saramago: Um Roteiro para os Romances, obra que está em segunda edição, e, em 2010, pela Nankin e pela Edusp, A enunciação em Machado de Assis. Atualmente, tem desenvolvido projetos no Museu da Língua Portuguesa, tendo sido o curador da exposição "Menas: o certo do errado, o errado do certo", e prestado consultoria na área de educação, com destaque para o trabalho desenvolvido no portal IG, no Instituto Paramitas e na TV Cultura.

__________

1Teixeira, Ivan. Apresentação de Machado de Assis. São Paulo: Martins Fontes, 1987, p. 1.

2Alencar, José. Como e por que sou romancista? Campinas: Ponte, 1990, p. 65.

3Disponível em Folha de S.Paulo.

4Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa.

5Disponível em Folha de S.Paulo.

6Neste ponto, lembramos que o Direito Autoral protege, exatamente (e tão somente), a forma de exteriorização da criação, e não a ideia que a originou, reforçando o claro valor da forma de escrita das obras ora em discussão.

7Disponível em O Estado de S. Paulo.

8Disponível em Folha de S.Paulo.

9Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997, p. 29.

10Machado deixou-nos em 1908; Alencar em 1877. De acordo com a lei atual, de 1998, as obras caem em domínio público setenta anos contados a partir de primeiro de janeiro do ano subsequente ao de sua morte, mas a questão sobre qual lei é aplicável a essas obras é pouco óbvia, já que publicadas antes da nossa primeira lei autoral geral, que é de 1898 (lei Medeiros de Albuquerque), e antes mesmo de haver, no mundo, uma Convenção de Berna. Bem verdade que, como ressalta Denis Borges Barbosa, a primeira menção ao privilégio autoral encontra-se na lei de Criação das Faculdades de Direito de Olinda e São Paulo, de 11 de agosto de 1827, mas o privilégio aplicava-se exclusivamente aos compêndios elaborados pelos lentes. Estariam essas obras em domínio público já quando de sua publicação? De qualquer forma, não há dúvida sobre o fato de que encontram-se, hoje, em domínio público, qualquer que seja solução relacionada à lei aplicável.

11LDA (lei 9.610/98), Art. 24. São direitos morais do autor: I -o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra; IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; § 2o Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público.

12Sobre autoria, recomendamos, exemplificativamente, SANTOS, Manoel Joaquim Pereira dos. A questão da autoria e da originalidade em direito de autor. In: SANTOS, M.J.P; JABUR, W.P. (Org). Direito Autoral. São Paulo: Editora Saraiva, 2014.

13LDA, Artigo 24, IV. Ver nota número 11.

14LDA, Artigo 24, §1º. Ver nota número 11.

15De acordo com a Lei 7.347/85, cabe ao Ministério Público, à União, aos Estados aos Municípios ajuizar ação de responsabilidade por danos morais e patrimoniais or danos a bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

16Ascensão, José de Oliveira . Digitalização, preservação e acesso ao património cultural imaterial. Direito da Sociedade da Informação, vol. IX, APDI, Coimbra Editora, 2011, p. 9-30.

17Neste sentido, também Denis Borges Barbosa: "A proteção da integridade pelo Estado não pode, contudo, abranger qualquer vedação à transformação criativa, sob pena de atentado à liberdade essencial de acesso à informação e à cultura. Nem pode importar em desapossamento de uma obra em domínio comum, mesmo para uso público dominial." BARBOSA, Denis Borges. Direito de Autor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 558.

18Constituição Federal, art. 215.

19Em um contexto distinto, de patrimônio cultural em sentido estrito, Allan Rocha de Souza: "...um patrimônio cultural pálido esvazia os direitos culturais, pois lhes retira a substância que intermedeia as relações culturais. Sua fragilidade contamina todo o conjunto de direitos culturais". SOUZA, Allan Rocha. Direitos Culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Azougue, 2012.

20ABRÃO, Eliane Y. Direitos de Autor e Direitos Conexos. 2ª. Edição revista e ampliada. São Paulo: Editora Migalhas, 2014, p. 323.

21LDA, Art. 5º, VIII, g) derivada - a que, constituindo criação intelectual nova, resulta da transformação de obra originária; art. 14. É titular de direitos de autor quem adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída no domínio público, não podendo opor-se a outra adaptação, arranjo, orquestração ou tradução, salvo se for cópia da sua.

22Note-se que a lista de modalidades de transformações de obra em domínio público listadas no Artigo 14 da lei 9610/98 não esgota as possibilidades de obras derivadas de outras naturezas. O que protege o Direito Autoral neste dispositivo são quaisquer transformações criativas, merecedoras do direito de exclusivo na forma derivada da obra originária. Observe-se neste ponto o texto da Convenção de Berna, Artigo 2º, alínea 3: "São protegidas como obras originais, sem prejuízo dos direitos do autor da obra original, as traduções, adaptações, arranjos de música e outras transformações de uma obra literária ou artística".

23Esclarece-nos Eduardo S. Pimenta em seu "Código de Direitos Autorais e acordos internacionais", Editora Lejus, 1998, p. 65, ao comentar o Artigo 14 da Lei 9610/98: "(...) Lembramos a definição de tradução: é uma reprodução da obra intelectual em outro idioma. Quanto ao direito do tradutor: O Tradutor de uma obra caída em domínio público tem sobre seu produto intelectual os direitos autorais. Entretanto, não pode o tradutor opor-se à nova tradução, exceto se esta for reprodução da sua. O tradutor autorizado pelo escritor da obra original, tem também, sobre seu produto intelectual os direitos autorais. Adaptação é a troca de gênero da obra, isto é, criar uma obra que pertence a diferente gênero da originária. Arranjo é troca da forma externa da obra teatral, musical ou literária para um fim distnto do que tenha a obra original".

24HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

25PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. Tomo XVI. Rio de Janeiro: Borsoi, 1956, p. 108, apud ABRÃO, op. cit.