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O conteúdo de teses, dissertações e trabalhos de conclusão de cursos

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Atualizado em 10 de fevereiro de 2017 09:30

Luciano Andrade Pinheiro

No dia 27 de janeiro de 2017, o juiz do Trabalho Fabio Augusto Dadalt da 3ª vara do Trabalho de São José - Santa Catarina proferiu sentença1 em lide estabelecida entre uma empregada e seu empregador. Dentre os pedidos julgados, há um relacionado ao Direito de Autor que se traduz em uma dúvida bastante comum, não só entre os alunos de Direito, mas também entre muitos pesquisadores.

A dúvida pode ser sintetizada nas seguintes perguntas: o conteúdo daquilo que eu escrevo me pertence? Os planos que desenvolvo na minha pesquisa são de minha propriedade? O direito de autor daquilo que escrevo se estende ao conteúdo?

No caso julgado, a reclamante pretendia indenização de sua empregadora, porque, no seu entender, o conteúdo do seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi utilizado por sua empregadora para melhoria de processos internos, o que gerou uma economia expressiva de dinheiro. Alegou a reclamante que a empresa se utilizou daquilo que ela própria desenvolvera, sem autorização e, consequentemente, sem pagamento. A sentença julgou improcedente o pedido destacando o seguinte:

Na Inicial está dito que o réu reestruturou seu departamento de compras com base no TCC apresentado pela autora para concluir o curso de Gestão de Comércio Exterior, apropriando-se de invenção/propriedade intelectual dela, e assim requer o pagamento de uma justa indenização.

O réu nega que tenha usado o TCC da autora para reestruturar seu departamento de compras.

Posta a controvérsia, vejo que a autora não teria razão nem se sua tese fosse verdadeira. Com efeito, vejam o que dispõem o caput do artigo 8º da Lei 9.610/98 e seus Incisos I e VIII:

"Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:

I - as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;

(...)

VII - o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras."

Assim, as ideias postas pela autora no seu TCC não são protegidas como direitos autorais. Quem usa as ideias da autora para fins industriais ou comerciais não viola direitos autorais dela.

Essa situação é mais comum que se imagina. Um pesquisador desenvolve, dentro de uma faculdade pública ou privada, uma tese, uma dissertação ou até mesmo um simples trabalho de conclusão de curso de graduação e o conteúdo de seu texto tem aplicação comercial ou industrial. Alguém lê aquele trabalho e utiliza as diretrizes da pesquisa na melhoria de algum processo ou método dentro de sua atividade.

A lei é bastante clara, como ressaltou o magistrado em sua sentença. O art. 8º, inciso VII exclui da proteção pelo direito de autor o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras. Trata-se, na verdade, de um preciosismo do legislador, já que o inciso primeiro desse mesmo dispositivo exclui as ideias - genericamente falando - da proteção autoral.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não deixa dúvidas sobre a amplitude da proteção autoral:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REPARATÓRIA. LEI DE DIREITOS AUTORAIS INAPLICÁVEL À LIDE. ART. 8º DA LEI N. 9.610/1998. IDÉIAS, MÉTODOS E PROJETOS NÃO SÃO PASSÍVEIS DE PROTEÇÃO AUTORAL.

1. Ação de reparação distribuída em 08.03.2002, da qual foi extraída o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 16.01.2014.

2. Cinge-se a controvérsia em saber se o projeto desenvolvido pela recorrente fora plágio daquele idealizado pelo recorrido.

3. O art. 8º da Lei n. 9.610/1998 veda, de forma taxativa, a proteção como direitos autorais de ideias, métodos, planos ou regras para realizar negócios. Nessa linha, o fato de uma idéia ser materializada não a torna automaticamente passível de proteção autoral. Um plano, estratégia, método de negócio, ainda que posto em prática, não é o que o direito do autor visa proteger. Assim, não merece proteção autoral ideias/métodos/planos para otimização de comercialização de títulos de capitalização destinados à aquisição de motos.

4. Admitir que a Lei ponha métodos, estilos ou técnicas dentre os bens protegidos seria tolher, em absoluto, a criatividade. (REsp 906.269/BA, 3ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 29/10/2007) 5. Recurso especial provido.

(REsp 1418524/BA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 8/5/2014, DJe 15/5/2014)

Já tivemos oportunidade de alertar nessa coluna que a autoralista Delia Lypsic fez uma ressalva sobre essa questão. Diz a especialista que, a despeito de não ser protegida pelo direito autoral, a ideia pode receber guarida em outros ramos do direito, como o direito civil, da concorrência desleal ou em norma contratual de sigilo. As ideias podem ter grande valor comercial ou artístico, e, por essa razão, não podem ser consideradas res nullius. Nas palavras da própria autora:

"Sin embargo, las ideias pueden tener gran valor comercial y también artístico. La apropriación de una idea ajena puede provocar um daño que, de no ser reparado, daría lugar a uma situación injusta. Em escos casos se debe tener presente que la desprotección de las ideas em el derecho de autor, que obedece a razones pecisas, no significa que dicha situación deba, necessariamente, quedar sin reparación. La obligación de reparar puede encontrarse em otras instituiciones del derecho privado como son el enriquecimento sin causa y la competencia desleal. Incluso puede entrar em el área penal si llegara a tipificarse el delito de violación de secretos"2.

Assim, a despeito de não haver proteção especificamente pelo direito de autor, isso não significa que as ideias, os métodos e os modelos sejam coisa de ninguém. As normas de Direito Civil, de concorrência ou mesmo contratuais podem, de alguma forma, transformá-las em bens.

__________

1 0000987-48.2014.5.12.0014

2 Lipszyc, Delia. Derecho de autor e derechos conexos. Buenos Aires: Unesco, Cerlalc, Zavalía. 1993. P. 64.