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A CPI dos secos e molhados

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Atualizado às 07:56

A melhor perspectiva é de que as coisas fiquem como estão. 

Ao que parece, as correntes políticas que não estão casadas com o bolsonarismo parecem empenhadas em transformar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) relativa às políticas de combate à pandemia num tablado de perturbação e, eventualmente, de impedimento ao atual presidente da República. Por meio desta construção política e parlamentar, se poderia alcançar uma porta de saída para a infindável crise originada desde a posse do capitão reformado do Exército. Será?

Para que se possa analisar a possibilidade de que a CPI alcance os seus objetivos políticos é preciso entender, prima facie, que as variáveis de um processo como este são muito complexas e cada político pode se tornar vassalo do descontrole dos fatos e do posicionamento da opinião pública. De toda a forma, vale investigar o problema, sem qualquer pretensão profética.

A CPI e a classe política não têm nada a colocar, em termos políticos, no lugar do atual presidente da República. Afora ser um completo mistério o que realmente pensa o atual vice-presidente Hamilton Mourão, sabe-se que não foram poucos os seus arroubos autoritários nos últimos anos. Na cadeira de presidente, por que mudaria?

Há de se considerar que Mourão não tem nem traquejo e nem suporte político junto ao Congresso Nacional. É mais fácil o Palácio Jaburu, onde mora o vice, ouvir cantilenas de conspiradores contra a democracia do que alguém realmente articular para dar destinos ao país. Se Hamilton exalar chances de poder, Mourão imediatamente será cercado de acólitos quando, enfim, se saberá qual é a personalidade política do vice. Ora, este é um jogo com esperança matemática duvidosa no qual os políticos não costumam embarcar.

Não sendo razoável pensar sobre uma saída viável por meio do vice-presidente, restará para a oposição incrustada na CPI empurrar o ex-capitão na direção do escrutínio eleitoral de 2022. Aqui as coisas são ainda mais complicadas.

A ascensão de Lula nas pesquisas eleitorais é resultado direto do retumbante fracasso da Lava Jato em agir institucionalmente como um Judiciário realmente sério. A turma de Curitiba se embananou completamente quanto tornou os processos judiciais em projeto político de destruição do "sapo barbudo", como Leonel Brizola batizou o ex-metalúrgico. Do Código de Processo Penal os procuradores lavajatistas esqueceram os verbetes e partiram para a luta política. A verdade é que o STF nada mais fez que restituir tardia e politicamente o devido processo legal. Isto tudo, antes de que se pudesse saber se o país poderia alcançar inédito e positivo padrão em termos de corrupção. O fracasso da Lava Jato deve ser inteiramente debitado ao projeto político do grupo populista do MPF.

Lula, sobrevivente desde o seu nascimento em Garanhuns, sempre soube se sair bem de situações difíceis. A sua prisão tornou-o martirizado perante a opinião pública e, inocente ou não, as bençãos da popularidade de um injustiçado sobre ele recaíram. Sergio Moro não foi apenas rebaixado na empresa de consultoria na qual trabalha: foi ultrapassado e vítima de sua própria vaidade.

Nas condições atuais de pressão da atmosfera política do país, Lula é o grande candidato de oposição, aparentemente com o mesmo e envelhecido projeto político de antes. Nenhum outro político foi capaz de preencher o vácuo que o presidente honorário do PT deixou quando preso. Não há projeto em ação que seja capaz de mudar a política brasileira e Lula foi lá e tomou o que já foi sua: a cadeira de líder antibolsonaro.

Este cenário é o desejado por Jair Messias, não resta dúvida. Suas chances em cenários alternativos à Lula devem ser menores, muito embora este seja um exercício teórico.

Ao que parece não apenas o presidente tem características bipolares: o povo também tem.

Neste contexto a CPI apenas evidenciará se Lula estará mais forte ou mais fraco para enfrentar o atual presidente e seus pimpolhos frequentadores das redes sociais. Os políticos que estão instalados na Comissão assim avaliam o cenário e ainda não sabem direito se farão um jogo de curto fôlego ou de largo passo.

No primeiro caso, o foco da Comissão pode ser o de extrair o máximo proveito, para si mesmos, da fragilização do presidente. O Centrão não mora apenas na casa de Waldemar da Costa Neto. Mora também no coração e no bolso de muita gente. Logo, Bolsonaro fraco é Bolsonaro mais amolecido para ceder cargos e rendimentos. Paulo Guedes, para tanto, já está a postos, pronto para a "rachadinha orçamentária", se me entendem...

No caso do "cenário largo passo", o qual pode ser combinado com o de "curto fôlego", os políticos frequentarão a CPI com um olho no presidente e outro em Lula. Ao invés de poder no curto prazo, venderão poder a termo. A taxa de juros desta operação política dependerá ao andar da opinião pública.

Assim, chegamos ao distinto povo: depois da barbárie que é o combate da pandemia e suas sequelas da miséria social e econômica, não se vê indignação equivalente o que foi arremessado contra o povo desde o Palácio do Planalto. Há anomia generalizada, fato este que pode tornar o voto muito volátil. (Aqui devemos lembrar que todo o raciocínio eleitoral feito sobre o então candidato Bolsonaro ruiu completamente em 2018. Bolsonaro fez a festa nas eleições, sem partido, sem TV, sem apoio crítico da mídia. O populismo é fenômeno de países atrasados, partidos fracos e falta de resistência política do eleitorado).

Se há, de um lado, anomia social em relação ao quadro geral da economia brasileira, de outro, vê-se o presidente concretamente empoderado. A crise com os militares não passou de uma troca de cartas e cargos sem maiores efeitos. O presidente tomou posse e poder das estatais, controla a Polícia Federal e os órgãos de inteligência e tem ao seu lado suficiente frescor verde oliva para que possa ser identificado com as Forças Armadas perante os eleitores. Tem também cerca de 30% da opinião pública a seu favor em meio à recessão. E há, no mercado internacional, a onda do bônus da commodities que favorecem o Brasil no único setor no qual é competitivo.

Neste cenário de CPI e de desgraça nacional, a melhor perspectiva é de que as coisas fiquem como estão. Diante do cenário bipolar Lula-Bolsonaro, da passividade do povo e das elites e do escanteio no qual o país está no cenário mundial não há força-motriz a caminho para que se acredite em mudanças. Estas apenas virão quando a sociedade formar consenso de que não se resolve mais os problemas em CPIs, mas a partir da própria sociedade. Teremos mais crise pela frente. De resto, os debates são secos e molhados, como dizia o saudoso Millôr Fernandes.