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2022: entre a ideologia e a realidade

sexta-feira, 21 de maio de 2021

Atualizado às 08:43

O atual presidente engendrou este discurso ideológico e o povo aderiu em parcela significativa.

A liberdade de Lula, do ponto de vista físico e processual e a liderança do atual presidente na ponta extrema da direita brasileira põem em evidência a perspectiva de que em 2022 possamos ter dois candidatos realmente viáveis na corrida presidencial. Vale dizer que ambos são os que interagem com o distinto povo, a imensa maioria de pessoas pobres e desprovidas de educação formal e percepção funcional sobre a complexidade da vida e da política brasileira.

Como já afirmamos em outros momentos nesta coluna, na política os fatos e as ações presentes originam as expectativas, enquanto no mercado financeiro e nos negócios são as perspectivas e expectativas que fornecem a ação presente em relação aos fatos.

Creio que as pesquisas de opinião pública dão fartas evidências sobre a atual realidade polar: Lula, aos 75 anos, domina um dos papéis da cena a partir da percepção de que foi injustiçado e isso o legitima à luta pelo poder (de novo). Já o capitão reformado permanece firme junto à opinião pública com 1/4 a 2/3 do eleitorado, o que é muito. Também me parece claro que o distinto eleitor repousa os seus votos conforme os atores principais da política brasileira lhes proporcionam "fatos novos" a estimular a formação da opinião pública em relação ao tabuleiro de duas peças em 2022. Aqui, nota-se que a débâcle da economia (a tragédia econômica) e a pandemia (a tragédia social e psicossocial) têm no conjunto e separadamente efeitos limitados sobre o eleitor. Este voto com os olhos para o futuro com base na notícia do dia e não no passado. O trágico número de 430 mil mortos nesta pandemia da covid-19 produziu um efeito limitado no processo eleitoral, sobretudo se levarmos em conta que o Brasil é um país rico cercado de pobres e analfabetos.

O atual presidente da República sabe se projetar muito bem neste triste pântano. Ele é aquele guia verborrágico que informa diariamente ao eleitor de que ele é a voz do povo oprimido, o messias que as elites (econômica e intelectual) e as instituições querem fazer calar. Notável que esta peleja presidencial é interna ao próprio governo (e.g. "os preços dos combustíveis"), ao Estado (e.g. "o STF atrapalha") e à sociedade (e.g. "os propagadores de valores contra a família"). Neste sentido, o plano de ação é ideológico, para não dizer surreal. Ao capitão apenas basta a imaginação fértil do eleitorado de que há uma conspirata contra ele e o povo. Um evangelho próprio é cumprido.

No sentido do imaginário bolsonarista, o PT e seu candidato Lula ocupam o mesmo sentido da grande conspiração contra o guia do povo: o antipetismo e o ex-metalúrgico são aqueles que podem parar o projeto de uma nova sociedade que o presidente encarna. Quando o messias deste projeto informa, a título de ilustração, que "Lula pode entrar e nunca mais sair", o trato ao tema não condiz com a verdade: não há nenhuma evidência de que Lula tenha pretensões ditatoriais.

Já Lula tem feito incursões nos bastidores empresariais, na política de Brasília, junto à sua rede de contatos no exterior para, segundo a sua própria intuição, se credenciar como aquele que dará estabilidade ao país. Vaza, aqui e ali, que o ex-presidente busca um vice-presidente em meio aos empresários, a reprodução do pacto entre o capital e o trabalho de seus dois mandados anteriores. Também se especula de que haverá uma nova "Carta aos Brasileiros", uma espécie de atestado de bom comportamento, sobretudo em relação aos fundamentos econômicos, notadamente a estabilidade fiscal.

O caminho de Lula parece estar marcado pelas construções do passado. Afinal de contas, as elites bem-informadas sabem que Lula é politicamente um centrista com arpejos eventuais à esquerda e ao populismo. Uma eventual "Carta" de bom comportamento chega a ser risível. Sobretudo, quando se verifica que pessoas como Paulo Guedes, que teria nascido da célula mais profunda do capitalismo original, não passa de um capacho do presidente e, diga-se, de utilidade duvidosa para o enfaixado do Planalto. Qual seria o valor de uma "carta" para Lula e para as elites? Sejamos práticos!

Para Lula esta "carta" tem pouca utilidade vez que, se o eleitor olha para frente, por que ele insistiria em proceder como no passado?

Neste sentido, um programa eleitoral (não necessariamente de governo) que seja baseado na racionalidade econômica não faz sentido na busca pelo voto. É o que se vê. Aparentemente, Lula e os demais candidatos permanecem seduzidos pela ideia de que são os pilares da política econômica a espinha dorsal do raciocínio político. Se assim fosse, Bolsonaro não teria chegado lá, mesmo ladeado por Paulo Guedes, sobre quem já sabemos que não é um "posto Ipiranga".

O campo de luta da eleição de 2022 é ideológico, voltado para o futuro, discutido sobre variáveis fluidas e etéreas. Uma temática de esperança e de busca pela inserção de um povo analfabeto em uma sociedade imaginária. O atual presidente engendrou este discurso ideológico e o povo aderiu em parcela significativa. Se há polarização de candidatos, neste momento, não há alternativas à natureza da formulação do discurso, digamos, vazio. Por óbvio, o conteúdo de cada tema será muito diferente entre Lula e Bolsonaro. Afinal de contas, não parece razoável imaginar que Lula concorde com teses esdrúxulas sobre cloroquina, sobre minorias, sobre a existência de conspirações comunistas, sobre milenarismo, salvacionismo, etc. Resta saber, se Lula aderirá ou não a esta forma ideológica de debater e qual a temática que trará.

Finalmente, temos de reconhecer que, de um lado, se a economia não terá a pauta pragmática que alguns esperam em vão em relação aos temas clássicos das políticas fiscal, monetária, de investimentos públicos, câmbio, etc., de outro lado, os problemas econômicos e sociais do país e dos brasileiros são gravíssimos. Neste campo, a ideologia pode estar a serviço do processo eleitoral, mas não tem serventia à necessária consecução de um projeto de desenvolvimento integral (econômico, social, político e com sustentabilidade ambiental), cujas variáveis estão adstritas às formas concretas de como vamos mudar a realidade a partir de sonhos que não caiam em trágicos devaneios que levam aos colapsos econômicos que a nossa história comprova que não são fantasmas.