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O cenário externo e o Brasil

terça-feira, 4 de maio de 2004

Atualizado às 08:17

Francisco Petros*


O cenário externo e o Brasil


"Até antes da campanha eu dizia, eu não tenho o direito de errar. E agora quero compartilhar isso com vocês dizendo: nós não temos o direito de errar". (Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva - 6/11/02)


Na semana passada o mercado financeiro internacional apresentou um desempenho que merece atenção por parte daqueles que se preocupam com o andamento da política em geral e da política econômica, em particular, no Brasil.

As bolsas de valores dos EUA apresentaram desempenhos negativos (o índice S&P 500 caiu 2,9% e o NASDAQ 6,2%) e consistentes (com elevados volumes negociados) e as principais bolsas européias caíram ao redor de 2,5% (em euro). Na Ásia, as quedas dos mercados acionários foram mais acentuadas (o índice Nikkei japonês -3%, o Índice de Hong Kong -3,6%, a Coréia do Sul -7,8%, Tailândia -4,9%, Taiwan -9,3%). Na América Latina os índices de ações (também em moedas locais) recuaram (México -9,4%, Chile -2,1%, Argentina -5,8% e Brasil -9,4%).

Além das quedas dos mercados acionários, as moedas de países que têm resultados da balança comercial fortemente correlacionados com os preços das commodities sofreram fortes desvalorizações na semana. O peso chileno caiu 1,9%, o dólar canadense -1%, o rand sul-africano -3,1%, a lira turca -2,6% e o won coreano -1,3%.

Existem três riscos no mercado internacional que estão deixando os investidores preocupados. O primeiro diz respeito à política monetária dos EUA. O segundo diz respeito à administração da política econômica do Governo Chinês e o terceiro refere-se aos efeitos que os dois primeiros podem causar sobre a liquidez internacional e os preços dos ativos e das commodities.

No que se refere aos EUA, a situação é particularmente intrigante. As evidências de que a atividade econômica está aquecida aumentaram após a divulgação de diversos indicadores de produção e consumo. Também é mais transparente que a inflação começa a dar sinais de alta, seja pelo o aumento do consumo, seja pelo aumento dos custos em função da alta das commodities nos últimos meses. Nesta terça-feira, o Comitê Federal de Mercado Aberto (a sigla em inglês é FOMC) do Federal Reserve se reunirá para decidir sobre a taxa básica de juros (atualmente em 1% ao ano). É muito provável que a taxa permaneça no mesmo nível. Todavia, os títulos com prazo de vencimento mais longo (cinco e dez anos) subiram para os níveis mais altos dos últimos meses, 3,7% e 4,5% ao ano respectivamente. Também há dúvidas crescentes sobre as futuras ações do Banco Central dos EUA que pode elevar a taxa primária de juros com mais intensidade e velocidade que o previsto pelos analistas e investidores. Este processo provocou a desvalorização dos ativos e um progressivo aumento do custo dos empréstimos e dos títulos de renda fixa. Vale observar que as famílias norte-americanas estão com níveis de endividamento jamais vistos (ou seja, com baixa poupança) e os investimentos são muito sensíveis às oscilações da taxa de juros dos títulos do Tesouro norte-americano que repercutem de forma sistemática sobre o crédito privado. Além disso, o déficit fiscal é alto (ao redor de 5% do PIB - Produto Interno Bruto) e o déficit externo cerca de 4,6% do PIB. Em palavras simples, os EUA para manterem o atual nível de consumo e investimento necessitam do dinheiro do resto do mundo e os custos (juros e variação cambial) têm de ser compatíveis com o crescimento esperado (4% em 2004 e 3,5% em 2005). As respostas dos candidatos à Presidência dos EUA para os problemas econômicos dos EUA são incompletas - fruto do ambiente de proselitismo eleitoral.

No que se refere à China a situação é ainda mais confusa. Em primeiro lugar, não devemos esquecer que o modelo econômico chinês está baseado em uma ditadura duradoura e sustentado por uma burocracia que combina excelentes qualidades técnicas, mas está estruturada na forma clássica dos sistemas comunistas o que possibilita a corrupção, o favorecimento a interesses de grupo, etc. A economia passa por um momento de superaquecimento. Não se trata propriamente de uma "bolha" de ativos. Trata-se de uma incapacidade de continuar crescendo a um ritmo anual de 8% (média dos últimos dez anos) sem investimentos pesados em infra-estrutura e com um sistema de crédito absolutamente caótico. Os bancos estatais são deficitários e têm uma estrutura de capital (relação entre capital próprio e de terceiros) extremamente frágil. A burocracia chinesa começou a agir para reduzir o ritmo de crescimento e aumentou as exigências de capital de bancos e também das empresas. A taxa de juros básica deve subir com o objetivo de equilibrar melhor a oferta e demanda tanto no setor real quanto no sistema financeiro. A agricultura passa por um momento difícil com quebras de safras e aumento do desemprego no campo. Os níveis de urbanização da população estão aumentando. Imaginem as dificuldades deste processo num país de mais de um bilhão de pessoas...

A reunião das inquietações dos investidores com as perspectivas da política monetária dos EUA e da economia chinesa contribuíram para a queda no valor dos ativos e dos preços das commodities na semana passada. É muito provável que estas inquietações não sejam tão passageiras e a repercussão destas sobre os fluxos de capital são imprevisíveis a despeito dos exercícios teóricos de economistas do FMI, da OCDE, do Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, etc.

Infelizmente, este cenário confuso e imprevisível não é bom para o Brasil. O risco-país que em janeiro gravitava ao redor de 400 pontos (ou 4% acima da taxa de juros dos títulos do Tesouro norte-americano), atualmente está em 670 pontos. O mais preocupante a meu ver é que o governo, os políticos e líderes sociais continuam tratando os problemas nacionais com políticas sob uma fachada conservadora. O que parece estar faltando é um projeto nacional consistente e responsável. O Governo e a equipe econômica parecem acreditar que o crescimento econômico virá como decorrência "natural" de uma política econômica "financista", cujo único objetivo, provisoriamente atingido, é o de manter o crédito externo do país relativamente estável. A melhora dos indicadores econômicos é muito tênue, os indicadores sociais se deterioram e continuamos a agir como no último ano quando a alta liquidez externa escondeu as fragilidades do Brasil.
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* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro.

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