COLUNAS

Como vai agir o Fed?

terça-feira, 11 de maio de 2004

Atualizado em 10 de maio de 2004 10:40

Francisco Petros*

Como vai agir o Fed?


No mês de abril consolidou-se a idéia de que o imenso esforço de acomodação monetária promovida pelo Federal Reserve, o Banco Central dos EUA, nos últimos três anos resultou na recuperação da demanda agregada da maior economia mundial. Somou-se a este esforço monetário a prática de uma política fiscal expansionista, promovida pelo Presidente George W. Bush que elevou o déficit das contas públicas a patamares recordes.

A recuperação da capacidade de geração de empregos, de aumento de consumo e investimento dos EUA apenas foi acompanhada pelo extraordinário e continuado crescimento da economia chinesa. As outras principais economias mundiais ainda carecem de ajustes para ganhar dinâmica em termos de crescimento. Os fluxos de capitais foram fartos e financiaram com custos muito reduzidos a recuperação de economias debilitadas como as do Brasil, da Argentina e da Turquia. O maior consumo interno dos EUA e, principalmente, da China contribuíram para a elevação recorde dos preços das commodities.

Diante da conjuntura atual, o Federal Reserve começa a revisar a sua política de acomodação monetária. Trata-se de um processo delicado e que exigirá racionalidade econômica, sabedoria em relação aos mercados financeiros e arte. A questão fundamental a ser respondida é: qual é a taxa de juros básica de equilíbrio? Por "equilíbrio" entenda-se o adequado balanceamento entre inflação baixa (entre 1% e 2% em termos anuais) e crescimento robusto (ao redor de 3%). A delicadeza deste processo se deve, sobretudo, às expectativas que serão engendradas no mercado financeiro e de capital. Sabe-se que, depois de períodos de forte expansão monetária e enorme desequilíbrio fiscal, é possível e, na maioria das vezes provável, ajustes abruptos nos preços dos ativos. Tais ajustes podem deteriorar expectativas de consumidores e investidores e reduzir o crescimento econômico. Eventualmente, pode gerar recessão.

Em última instância, o que se deseja saber é se teremos uma "aterrissagem suave" (soft landing) na política de maior aperto monetário por parte do Fed. A resposta a esta questão não é possível ser dada. É importante observar o histórico do Maestro Alan Greenspan, o lendário presidente do Banco Central norte-americano, e da "doutrina" construída dentro da instituição. Ambas indicam que a tarefa de elevar os juros será inexoravelmente executada para que não surja uma indesejada inflação. De outro lado, a administração desta política deve ser gradual e transparente. A "surpresa" deste processo é que a inflação pode surgir antes do esperado e o mercado financeiro internacional pode reagir de forma irracional a este processo.

Para o Brasil, este processo tornará os seus fundamentos econômicos, políticos e sociais mais evidentes. A fartura de recursos externos permitiu tempo e oportunidade para que os ajustes necessários para que o país pudesse crescer de forma consistente pudessem ser feitos. A partir de agora, poderemos verificar o quão vulnerável ainda é o nosso país. Será um teste, sem dúvida alguma.

A Conjuntura Brasileira

A política fiscal conservadora e a prática de taxas de juros internas elevadas garantiram ao governo e ao país, uma maior credibilidade na solvência do elevado endividamento interno e externo do país. Não resta a menor dúvida de que esta foi a maior vitória governamental desde o início do mandato do Presidente Lula. De outro lado, os sinais que o governo emite no que tange ao desenvolvimento de sua política econômica futura são muito contraditórios e opacos.

No âmbito macroeconômico, a administração da economia parece se resumir na garantia de suficientes resultados fiscais para pagar os elevados juros da dívida pública. A política monetária é conservadora e o sistema de metas de inflação tornou-se inquestionável como se fosse o "estado da arte" da ciência econômica. As reformas estão relegadas a um plano inferior. Não há nada de substancial que se possa comentar no que se refere à tributação, ao sistema de crédito, à reforma trabalhista, ao relacionamento entre as entidades federativas e assim por diante. A reforma da previdência é emblemática neste sentido: está claro que esta foi realizada pelo governo atual a grande distância das necessidades das contas públicas e dos interesses das gerações futuras.

No âmbito microeconômico, o governo tenta estruturar "marcos de regulação" que garantam a confiança dos investidores nos setores de infra-estrutura. Não é o que parece estar acontecendo. Basta examinarmos os decrescentes níveis de investimentos domésticos e estrangeiros nos setores básicos da economia brasileira. Além disso, as dúvidas sobre as questões macroeconômicas tornam ainda mais difíceis que se acredite em "marcos" quando a economia está atolada em problemas mais importantes, tais como o tratamento das vulnerabilidades externa e fiscal.

Os resultados destas inquietações já estão postas e o governo precisará reagir se desejar levar o país ao caminho do crescimento. Neste primeiro trimestre, a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) deve ser de apenas 1% e no ano o crescimento previsto em 3,5% não deve ser atingido. Mesmo que o fosse, o Brasil cresceria na média 50% menos que os países emergentes (previsão de crescimento de 6,6% em 2004) e, até mesmo, em relação aos países ricos o crescimento seria inferior.

Também nos preocupa que o Governo começa a perder com rapidez apoio popular, apesar de manter uma maioria parlamentar ainda que desorganizada e pouco eficiente. Ou seja, estamos assistindo à execução de um projeto econômico duvidoso do ponto de vista de seus resultados e com uma aferição cada vez pior por parte da opinião pública.

A soma dos aspectos acima mencionados com um cenário externo mais inquieto não é algo que possa passar desapercebido pelos analistas da economia e do mercado financeiro brasileiro. Muito menos pode deixar o governo paralisado. Os diversos segmentos da sociedade brasileira estão inquietos em relação ao futuro. A hora é de agir.
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* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro.

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