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Crescimento estatístico e crescimento sustentado

terça-feira, 8 de junho de 2004

Atualizado em 7 de junho de 2004 16:13

Francisco Petros*

Crescimento estatístico e crescimento sustentado

Nos últimos dias, tem prevalecido um cenário mais positivo entre os investidores e os empresários. A divulgação do PIB (Produto Interno Bruto) do 1º trimestre do ano que mostrou um crescimento de 1,6% em relação ao trimestre anterior e 2,7% em relação ao 1º trimestre do ano anterior e renovou as esperanças daqueles que acreditam num processo de crescimento sustentado na economia brasileira. Além disso, o governo conseguiu com relativa tranqüilidade ganhar a batalha legislativa na Câmara dos Deputados que manteve a proposta governamental de um aumento do salário-mínimo para R$ 260. Há dados adicionais, como, por exemplo, os da Associação Comercial de São Paulo e da ANFAVEA - Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores que mostram que a demanda interna está aumentando. São fatos e contra fatos não há argumentos.

Mesmo assim não devemos esquecer que as estatísticas merecem qualificações e que estas são extremamente importantes para que possamos entender os fatos e os fenômenos econômicos. No caso do PIB a dois aspectos muito importantes a serem avaliados.

O primeiro aspecto diz respeito ao fato de que estamos num processo de recuperação que é beneficiado pela existência de capacidade ociosa na economia. Ou seja, o crescimento do PIB está se aproximando da capacidade de produção num ambiente econômico mais tranqüilo na economia brasileira, bem como favorecido por uma conjuntura externa excelente. As exportações puxaram o crescimento industrial, o que tem sido muito positivo do ponto de vista do crédito externo, e a agricultura mostra-se o setor mais dinâmico da economia brasileira. Tanto na indústria quanto na agricultura o "fator China", com sua economia excepcionalmente forte e uma demanda por importações imprevista pesaram favoravelmente. Como já mencionamos em um artigo específico sobre a China há uma enorme probabilidade da economia chinesa apresentar uma desaceleração importante (de um crescimento de 10% ao ano para algo em torno de 6%), mesmo que estas taxas de crescimento continuem muito altas em comparação à média mundial.

A questão fundamental para que o crescimento brasileiro seja sustentado é que a taxa de investimentos suba, especialmente nos setores de infra-estrutura (rodovias, ferrovias, energia, etc). Atualmente ela gravita em torno de 18% do PIB. Para que o crescimento permaneça acima de 5% ao ano esta taxa tem de subir para um patamar de 21% a 22% do PIB. Para isso, depende de confiança que atrai poupança interna e externa. A poupança interna depende da taxa de juros doméstica. A poupança externa depende da taxa de juros internacional. A taxa de juros doméstica está amarrada por um sistema de metas de inflação duvidoso do ponto de vista técnico e a taxa de juros externa depende do andamento da política monetária dos EUA, cujos sinais são de aperto, mas não se sabe a velocidade e intensidade da alta da taxa primária a ser promovida pelo Federal Reserve. Há ainda, no âmbito doméstico, aspectos relacionados à regulação, a chamada "agenda microeconômica". Ou seja, leis e regulamentações que dêem confiança aos investidores.

O segundo aspecto está relacionado à recuperação do consumo. Para tanto, é preciso que o emprego aumente e/ou os salários e/ou haja uma expansão do crédito. Bem, os últimos números de emprego são claros mesmo que o governo - com a sua capacidade inequívoca de influenciar a opinião pública - tenha conseguido minimizar a tragédia na qual o país está metido. O desemprego, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), atingiu o seu recorde histórico. Há 2,8 milhões de pessoas desempregadas, 13,1% da mão-de-obra. Na região metropolitana de São Paulo, o desemprego está acima de 20%. O próprio IBGE informa que a recuperação do emprego apenas virá se o crescimento do PIB for de 5% e de forma sustentada. Ora, acreditar que os salários podem subir num contexto como esse é o mesmo que acreditar que existem armas de destruição em massa no Iraque. Mesmo assim, ambas as teses ainda têm ardorosos defensores com eco na imprensa.

No que se refere ao crédito, os últimos dados disponibilizados pelo Banco Central (BC) mostram que há mais de cinco anos, o volume de crédito está estagnado. O volume de crédito dividido pelo PIB oscila entre 24% e 27% do PIB (o último dado de abril é 26%). Quanto às taxas de juros, estas falam por si mesmas: 44,7% ao ano para pessoas físicas e 29,9% ao ano para pessoas jurídicas. No caso do crédito, as medidas governamentais para reduzir as taxas de juros estão relacionadas com a melhoria da legislação que facilita a recuperação de créditos (como a Lei das Falências) que, segundo os especialistas, expande a taxa de risco (spread) do sistema financeiro. Os problemas relacionados com a tributação da intermediação financeira não são atacados. Há ainda, uma eventual concentração bancária que impede uma maior concorrência no sistema. De qualquer maneira a conclusão no que tange ao crédito é simples: a sua reativação depende da queda da taxa de desemprego e taxas de juros acessíveis. A observação e a análise dos aspectos relacionados ao crédito não são promissores, pois não há evidências de que as variáveis neste segmento estão melhorando.

Em suma: o crescimento do PIB neste ano pode ser entre 3% e 4%. Os dados do primeiro trimestre comprovam esta possibilidade. Trata-se de uma inquestionável estatística. Contudo, o ponto fundamental é saber se este crescimento é sustentável. As evidências observadas no que se refere ao investimento, ao consumo e ao crédito colocam severas dúvidas sobre as possibilidades de crescimento. Além dos riscos externos conhecidos.
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* Francisco Petros é economista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em finanças (MBA) pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (1ª Turma-1987). Em 1988, ingressou na Brasilpar onde atuou por dez anos nas áreas de corporate finance e administração de recursos (esta foi a primeira empresa independente de gestão de recursos). Em seguida, foi diretor-executivo do Grupo Sul América na área de investimentos. Em 1998, fundou a NIX ASSET MANAGEMENT da qual é sócio-diretor. É membro do Conselho Consultivo do Ethical Fund, fundo de investimento administrado pelo ABN-AMRO. Foi diretor (1992), Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) e membro do Conselho Consultivo e do Comitê de Ética (atual) da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - São Paulo). É Certified Financial Planner (CFP®) pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e Analista de Investimento com CNPI (Certificação Nacional de Profissional de Investimento). É colunista da Revista Carta Capital, do Jornal Valor Econômico e consultor da Rede Bandeirantes de Rádio (BAND), além de contribuir esporadicamente para diversas publicações especializadas em mercado de capitais, economia e finanças. Em 2004 foi escolhido o "Profissional de Investimentos do Ano" pelo voto direto dos associados da APIMEC em função da sua contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro.

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