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Política & Economia NA REAL n° 23

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Atualizado às 10:04

O pior aconteceu

Na semana passada, fizemos nesta coluna a pergunta-chave sobre o momento econômico : "o pior já passou ?". Num tom pessimista respondemos que "não", infelizmente. Naquele momento, presenciávamos a pior semana do mercado financeiro em todos os tempos. Não apenas pelas seguidas quedas das bolsas, das commodities, dos títulos de renda fixa, mas também por ter sido uma crise aguda em quase todos os países e em função da desconfiança profunda no sistema financeiro. Pouquíssimos que já viveram crises semelhantes estão entre nós. Trata-se de uma crise sem precedentes, desde 1929. Para se ter uma idéia do tamanho, todos os setores e sub-setores que compõem o principal índice de ações dos EUA, o S&P500, caíram entre 8% (setor de empresas industriais) e 27% (setor de consumo). Isso em apenas cinco sessões da bolsa !

Sinais promissores

Caberia perguntar de novo : "o pior já passou ?" Há que se qualificar qualquer resposta que se dê a uma pergunta destas. Sobretudo, sobre o que significa "o pior". Para fins desta resposta, aqui, o pior quer dizer "este processo de destruição de valor de forma acentuada e irracional". A crise bancária é a causa deste processo. Pois bem : a nosso ver, no sentido acima qualificado, o pior já passou. Há sinais claros de que há exaustão na venda de ativos de uma maneira geral. Os volumes negociados nos menores preços dos ativos mais importantes das bolsas americanas e brasileira (para citar dois exemplos) são bem menores. O que quer dizer ? Diante de uma queda tão violenta como a que ocorreu os investidores começam a se perguntar se ainda cabe vender a preços tão baixos. Trata-se de uma visão geral sobre a situação, digamos, "técnica" do mercado. De outro lado, há fundamentos importantes que mudaram em pouquíssimo tempo : todas as principais autoridades das principais economias estão agindo com muito mais precisão para controlar a crise financeira. A injeção direta de capital nos bancos é um destes mais importantes sinais.

Além disso...

Em apenas uma semana, os bancos centrais da Europa, dos EUA, Japão, Canadá, Austrália e China, numa ação coordenada, reduziram a taxa de juros. Também a reunião do G-7 demonstrou uma união politicamente significativa para a gravidade do curto prazo, e o mesmo pode ser dito do que ocorre na reunião conjunta e anual do FMI e Banco Mundial. A Europa da zona do euro resolveu seguir a Inglaterra e vai apoiar seus bancos em dificuldades com o que for necessário. Ou seja : há muito mais consenso e coordenação em relação às práticas financeiras e econômicas necessárias à superação da crise. Isto tudo é muito bom ! Mesmo que tudo esteja tão difícil...

No médio prazo...

Superar a crise aguda é fundamental tanto quanto é para um paciente que sofre um ataque cardíaco. É necessário evitar a morte do paciente para depois tratá-lo. O "ataque" no momento do mercado financeiro é a crise de desconfiança. Como dissemos, estamos bem mais otimistas de que isso possa ser superado nas próximas semanas. O maior problema será tratar do médio prazo em função dos monumentais estragos causados pela atual crise. Os riscos de uma recessão persistem imensos, o desemprego já está subindo em todos os países centrais e as empresas estão inseguras em relação aos seus projetos de investimento. Há muito trabalho a ser feito pelas autoridades econômicas nos próximos anos. Fazer um prognóstico sobre o grau da recessão é tarefa, a nosso ver, impossível neste momento. Alertamos, até mesmo, para o fato de que já há "bolas de cristais" por aí soltando o verbo sobre o futuro. Muitos dos mesmos que pregavam a idéia de que a crise não era séria. O cinismo está à solta...

Governo brasileiro age muito bem

Depois de um período marcado por excessos retóricos, o Governo Lula acertou em todas as medidas que adotou para superar os efeitos da crise mundial sobre o Brasil : cuidou adequadamente da possibilidade de uma crise bancária, alimentou a liquidez em moeda forte, propôs alterações na regulação das empresas de capital aberto, mapeou possíveis áreas críticas e assim por diante. Não foi à toa que o presidente do BC Henrique Meirelles ganhou ainda mais poder. De uma forma geral, é o BC que tem as ferramentas para fazer as correções neste momento. Todavia, não tenhamos ilusões : caberá ao governo reestruturar as suas políticas econômicas para um novo momento possivelmente marcado pela concreta possibilidade de estagflação, a mistura perigosa de estagnação com inflação.

Preocupação primordial

O BC poderá jogar muito mais do que jogou até agora - fala-se em até US$ 20 bilhões - para conter em determinado limite a desvalorização do real. Se um "acerto de contas" é bem vindo, para ajudar nas exportações e conter as importações nessa fase de recursos externos escassos, o dólar alto aqui pode trazer problemas para o controle da inflação. Calculam os especialistas que cada 10% de desvalorização do real significa um ponto de percentagem a mais na inflação. Portanto, um dólar na faixa dos R$ 2,30 traria cerca de mais quatro para a inflação de 2009 - algo em torno de 8,5%. O que forçaria o BC a pesar na taxa de juros, na contramão do que se espera que a autoridade monetária faça a partir de agora. Seria o pior dos mundos : inflação em ascensão e queda na atividade econômica.

Os parâmetros presidenciais

Lula já estabeleceu : não quer ver o PIB crescendo menos de 4% em 2009 e 2010. Não quer também que os investimentos do PAC e os recursos para os programas sociais sejam atingidos por eventuais necessidades de ajustes no Orçamento. Estes são os limites que o BC terá de observar na calibração dos juros daqui para frente e que o ministério da Fazenda e o do Planejamento deverão se pautar. A imposição presidencial tem muito a ver com o desejo do governo de não jogar nas costas dos mais pobres os custos dos ajustes, assim como cobra dos países desenvolvidos não "socializarem" os prejuízos do que eles aprontaram. Mas também tem muito do jogo político-eleitoral de 2010. Avalia-se, corretamente, que o grande eleitor de 2010 chama-se "situação econômica" e não propriamente "Lula da Silva".

Congresso e oposição percebem o momento

Também não merece reparos o papel da oposição neste momento em relação às políticas governamentais e às medidas que irão transitar pelo Congresso. As discussões estão corretas e há sentido de urgência em tudo que está sendo feito.

Na prática, porém...

O Congresso começa a votar amanhã o parecer do senador Delcídio Amaral sobre os grandes números do Orçamento de 2009. Depois virão os relatórios setoriais, com a distribuição dos recursos entre os vários ministérios e seus programas e projetos. Como estão mantidos intocados os principais índices com os quais trabalhou o governo ao elaborar o texto, pelo visto teremos mais uma obra de ficção, com riscos para as finanças públicas pelas pressões dos aliados para liberação de verbas a qualquer custo.

Fundo soberano neste momento ?

Não parece correto que se possa ainda pensar no fundo soberano. Chega a ser infantil a proposta... Até porque não haverá dinheiro para o "cofrinho do Mantega".

Direto da UTI

A possível queda na atividade econômica reduzirá inevitavelmente a arrecadação tributária. E justo num ano em que as despesas com pessoal crescerão fortemente. Será que alguém no governo ou no Congresso possui alguma varinha de condão orçamentária ? Não é por outra razão que desde a semana passada nos corredores do Congresso voltou-se a falar no imposto para a saúde, que os governistas imaginam ainda criar para substituir a extinta CPMF. Com efeito, Lula pediu a seus líderes e aos partidos da base no Congresso um esforço para aprovar rapidamente a reforma tributária como uma da vacinas do Brasil contra a crise internacional. E conversa vai, conversa vem, despretensiosamente surge a Contribuição Social para a Saúde...

Mudança de rumo

O pré-sal era assunto de todo dia do presidente no período pré-crise. Será que teremos a versão pós-sal no período pós-crise ? A verificar.

Literatura do momento

Em matéria econômica, deixem de lado no momento Adam Smith, David Ricardo, Alfred Marshall, John Stuart Mill e Milton Friedman. Retornem aos velhos livros de Karl Marx, John Maynard Keynes, John Kenneth Galbraith, Paul Krugman (último ganhador do Nobel) e Joseph Stiglitz. A crise capitalista enseja mente aberta para aqueles que desejam superá-la e ainda lucrar.

Governança corporativa

Tarefa urgente para os analistas de empresas, tanto de crédito como de investimento, é revisitar os verdadeiros conceitos de governança corporativa e a sua efetiva utilização por parte das empresas de capital aberto nestes tempos duros. Um rol de empresas andou especulando de maneira irresponsável com o dinheiro dos acionistas. As empresas que abriram capital recentemente, os famosos IPOs, merecem atenção especial.

E esta agora ?

Lula andou vociferando contra estas empresas que perderam dinheiro no mercado futuro, acusando-as de estarem apostando contra o Brasil. (Aliás, um equívoco, pois elas apostaram na valorização do real, ou seja, a favor e em confiança na política governamental.) Na sexta-feira correram em Brasília boatos de que a Petrobras também se encalacrara nos derivativos, com fantásticos US$ 18 bilhões de prejuízo. Não era isso tudo, mas a direção da Petrobras teve de soltar uma nota reconhecendo que uma de suas subsidiárias tinha feito essas aplicações, com perdas poucos superiores de US$ 50 milhões. A pergunta ao presidente é : a Petrobras também especulou contra o Brasil ?

Sábias palavras

Em entrevista ao alemão "Der Spiegel", respondendo a uma pergunta sobre os curtos circuitos que às vezes surgem nas relações entre os países latino-americanos, Lula (com propriedade) sapecou :

"A língua é a nossa arma mais mortífera. Falamos demais."

Com quem será ?

As negociações/conversações iniciais de fusão entre a Ford e/ou Chrysler e/ou GM mostram que nada mais é impossível neste momento de crise aguda. Assim, os investidores têm de mudar de raciocínio e buscar observar de forma muito mais atenciosa as possibilidades mercadológicas das fusões.

Cuidado com as estratégias de longo prazo

São muito comuns neste momento de crise frases do seguinte tipo : "Vou comprar ações de empresas sólidas e ficar com elas por cinco anos". Em princípio, este tipo de estratégia faz todo o sentido, mas há um ponto nevrálgico a ser observado : a possibilidade de diluição de capital. Muitas das empresas "baratas" na bolsa podem emitir capital (ações e/ou títulos conversíveis) e diluir substancialmente os acionistas atuais. Assim sendo, as empresas sólidas podem dar retornos crescentes, mas seus acionistas podem tomar prejuízos enormes. Basta ver o exemplo dos bancos norte-americanos. Há ainda o risco de que as ações emitidas pelos bancos e adquiridas pelos governos, como no caso da Inglaterra e, possivelmente, dos EUA, possam causar uma perigosa diluição para os acionistas. Inclusive o Secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson, tratou desta possibilidade na reunião do G-7. Portanto, muito cuidado : as empresas podem ser muito boas, mas o retorno para os acionistas pode ser horrível.

As cartas estão com o PMDB

Como já dissemos, uma análise mais profunda sobre o ambiente político-partidário brasileiro depois das eleições municipais e a influência dessa votação na sucessão de Lula somente será possível depois do segundo turno. Principalmente depois das definições sobre as prefeituras de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre e Florianópolis, capitais de Estados que reúnem quase 60% do eleitorado brasileiro. No entanto, já se pode ter certeza de que o grande ator da política brasileira nos próximos dois anos será mesmo o PMDB que poderá crescer ainda mais depois de 26 de outubro. Disputa, com chance, direta ou indiretamente, a prefeitura dessas cinco capitais. Reforçado com os votos conseguidos no dia 5, com bancadas majoritárias na Câmara e no Senado, e pela primeira vez em muitos anos demonstrando certa unidade interna, o PMDB tomou consciência de sua força e está decidido a se prevalecer dela.

E Lula ?

Lula percebeu isso claramente. Tanto que imediatamente após a votação de domingo passado chamou a cúpula peemedebista para uma conversa (não fez isso com o PT nem com os outros aliados, em conjunto ou individualmente). E se dispôs a fazer tudo o que os peemedebistas pediram. Vai agir para afastar os obstáculos à eleição de Michel Temer para a presidência da Câmara no biênio 2009-2010. Não vai se imiscuir no segundo turno onde o PMDB tem candidato preferencial, deixando na mão os companheiros petistas de Salvador e Porto Alegre e até aceitou gravar uma mensagem de apoio ao odiado Eduardo Paes no Rio de Janeiro. Além do mais, o PMDB deve consolidar e até ampliar sua participação no condomínio do poder, para ciúmes do PT e outros aliados. Acompanhe o Diário Oficial nos meses posteriores às eleições municipais.

Na sucessão também

Lula já reservou para o PMDB a vaga de vice na chapa que ele sonha para a sua sucessão, encabeçada pela ministra Dilma Roussef. O PMDB tem um punhado de candidatos, porém o preferido de Lula, no momento, é o governador Sérgio Cabral. Apesar do entusiasmo do presidente, há gente no entorno dele que não joga todas as fichas no PMDB. Eles acham que, se o prestígio de Lula se reduzir por causa da crise ou a candidatura Dilma não decolar, o PMDB pode mudar outra vez de galho.

Se cuide, ministra

Por falar em sucessão presidencial e Dilma Roussef, o ministro Tarso Genro e o ex-ministro José Dirceu na semana passada entraram no jogo dela. Tarso disse publicamente que ela já foi escolhida por Lula e defendeu a opção. E Dirceu em seu blog defendeu entusiasticamente a candidatura de sua sucessora na Casa Civil. Conhecendo-se a posição dos dois e o "apreço" que eles têm pela preferida de Lula, seria o caso de aconselhar Dilma a botar as melenas de molho.

O preço está alto

O ministro político do governo, José Múcio, desembarca de vez em Brasília nesta terça-feira com a missão de acabar com as fissuras abertas na base governistas pelas disputas municipais. Há aliados muito magoados - e a mágoa pode crescer por causa de alguns embates no segundo turno. Pelos sinais emitidos por Múcio, a paz vai bater no Tesouro Nacional : o preço será a liberação de R$ 600 milhões para as emendas orçamentárias dos deputados e senadores amigos até dezembro. A turma da economia contava segurar boa parte desse dinheiro para fazer superávit.