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Política & Economia NA REAL n° 29

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Atualizado às 08:19


A crise é devastadora

Depois da crise aguda do mercado financeiro durante os meses de setembro e outubro, é evidente que os efeitos colaterais são gravíssimos. A recessão está a se espalhar numa velocidade imensa nas principais economias mundiais. A reunião dos 20 países mais importantes, em termos econômicos, deixou evidente que uma articulação mais estruturada para superação da desaceleração econômica e da deterioração das expectativas parece distante. Os EUA desejam medidas fortes e reparadoras, mas que não mudem a "arquitetura do sistema". A Europa deseja avançar e forjar uma nova ordem que lhe seja mais favorável, mas o faz de maneira desarticulada. E os países emergentes, a despeito do melhor desempenho de suas economias, parecem incapazes de dar mais potência à demanda. Enquanto isso, o mundo está à espera de Barak Obama, como se ele fosse o Messias.

Números desastrosos

Os números da economia norte-americana são temerários. A deflação de cerca de 1% no mês de outubro e os pedidos de auxílio-desemprego - este indicador é o pior desde 1992 - indicam que a recessão nos EUA é feroz. Poucos se atrevem a ser enfáticos, mas o fato é que estamos a caminhar para um cenário de depressão. O próprio Obama emitiu sinais que suscitam o tremendo incômodo em relação ao desenvolvimento dos fatos econômicos. Obama pediu um plano de geração de emprego e parece intentar influir nos destinos econômicos desde já. Diante de um Bush apático e desacreditado, os agentes econômicos podem deteriorar as expectativas a ponto de inviabilizar as políticas de Obama no início de seu governo. Melhor agir agora, concluiu ele.

Enquanto isso, no Brasil...

...Lula, a despeito de tudo, mantém a aposta de que a economia nacional, em 2009, emplacará um crescimento de 4% (no mercado, os tidos como mais pessimistas, falam em 2,5%). Para cumprir os desígnios presidenciais, o BC vai ter se virar com a taxa de juros. Crescer é mais vital do que se aferrar à meta inflacionária, avisam os seguidores de Lula. A meta central de 4,5% para os preços em 2009 está, digamos, "sub judice". Do ponto de vista essencialmente conceitual, não há razão para criticar o governo na sua tentativa de ativar a economia num momento de fraqueza. Ocorre que a lição de casa não foi feita. Este é o fato. Do ponto de vista fiscal, o Brasil apresenta um orçamento com excesso de despesas correntes e pouco investimento. Ao longo dos seus seis anos de administração Lula não fez absolutamente nenhum esforço considerável para aumentar o espaço de investimentos no orçamento. Portanto, ao disponibilizar recursos adicionais na tentativa de reativar o crédito, o consumo e o investimento, o governo está a gastar o que não tem. Na medida em que gasta muito com despesas, tem pouco o que investir.

A contribuição da Petrobras

O governo tem um trunfo para não deixar a inflação fugir muito do controle caso o câmbio pressione demais os preços e se decida mesmo não usar mais os juros para isso : os preços dos combustíveis. Os preços do petróleo despencaram mundialmente, mas a Petrobras continua com os valores antigos em sua planilha de custos, não ajustou os derivados à nova realidade. Tem, portanto, uma gordura a consumir para colaborar no combate à inflação. O problema é que isso pode descapitalizar a empresa, num momento em que ela está sendo obrigada a rever seus planos de investimentos e o último balanço, apesar do lucro, despertou desconfianças no mercado. Como diria o folclórico ex-presidente do Corinthians, Vicente Mateus, "é uma faca de dois legumes".

Assim sendo....

Sem fatos substantivos novos tudo está a indicar que o cenário pode se deteriorar muito mais. O Brasil não será exceção neste processo. Será afetado. Ponto. Pode ser que seja impactado em menor grau, mas uma recessão mais aguda cabe perfeitamente como um cenário alternativo e bastante possível. Negar esta possibilidade dentro da conjuntura mundial é um erro estratégico. É preciso que o governo e a sociedade se movimentem para evitar uma deterioração substancial das expectativas. O resto é papo furado.

Devagar com o andor da reforma

Antes de comemorar os "avanços" contidos na proposta de reforma tributária aprovada semana passada na Comissão Especial da Câmara, aconselha-se aos mais apressados uma leitura mais atenta do relatório modificado no deputado Sandro Mabel. Para quem entende do riscado, há mais coisas para chorar do que para rir no documento. Sem contar que as questões mais polêmicas ficaram para serem decididas no plenário. É nesse momento que as pressões dos "cobradores" vão crescer. A reforma está sendo feita mais no interesses dos "arrecadadores" do que dos "pagantes". Há somente um consolo : o Senado só tratará do assunto no ano que vem. Quem sabe se até lá, premido pela crise, o mundo político resolva discutir uma reforma para valer, começando pela revisão dos gastos públicos, do custo do Estado.

Gabinete de guerra ?

Barak Obama vai formando o seu gabinete na tentativa de conciliar duas variáveis : a primeira diz respeito à unidade do Partido Democrata em torno do presidente eleito. Hillary Clinton para a Secretaria de Estado é apenas uma das iniciativas no intuito de obter consenso em prol da unidade. A outra variável diz respeito à necessidade de formar um time para sanear a economia norte-americana. A escolha de Timothy Geithner, atual presidente do Fed de Nova York e um dos articuladores do plano de resgate das instituições financeiras do país, como Secretário do Tesouro, e de Larry Summers, ex- Secretário do Tesouro, como chefe da assessoria econômica da Casa Branca, é uma tentativa de tranqüilizar o mercado. De fato, o mercado gostou e subiu velozmente na última sexta-feira quando do anúncio dos nomes do time econômico. Mas será suficiente ?

Change can happen ?

A julgar pelos arranjos políticos de Barak Obama para formar o seu gabinete com velhos falcões da política americana, o presidente eleito pode mudar de slogan. Forget what I told you ficaria melhor. O velho Maquiavel continua sendo o grande marqueteiro das eleições.

Resgate do Citi não acaba com o medo

Na semana passada, as ações do Citibank caíram mais de 60%. Os investidores estão descrentes na recuperação do banco e certos de que a melhor alternativa é a venda daquele ícone norte-americano ou o "fatiamento" de seus ativos. A atual cúpula do banco, liderada por Vikam Pandit, o atual CEO, tenta convencer a todos de que a situação é sustentável e que tudo está "OK". O resgate da instituição com o dinheiro da viúva (US$ 306 bilhões de garantias aos ativos de baixa qualidade mais US$ 20 bilhões em capital adicional) pode retirar os temores imediatos sobre o sistema financeiro. Todavia, não tenhamos dúvidas de que novos esqueletos podem sair do armário e provocar novas ondas de pânico. A verdade é que o Citi vale 30% do valor de seu grande concorrente o JP Morgan Chase e 50% do valor do Bank of America. Ou seja, é um alvo para aquisições. O Itaú-Unibanco está valendo US$ 27 bilhões, enquanto o Citibank vale US$ 34 bilhões. O primeiro tem suas operações concentradas no Brasil. O segundo atua em 106 países, uma franquia mundial. O caso do Citi representa com fidelidade o tamanho da crise dos EUA. Um ícone como ele está num momento tristemente simbólico. Nessa confusão, as operações do Citi no Brasil podem mudar de mãos, em mais um lance da acirrada disputa pela liderança do setor no Brasil.

BNDES : é para se prestar atenção.

Seria muito interessante analisarmos as demonstrações financeiras do banco oficial orientado para o desenvolvimento econômico e social (?). A instituição captou significativo volume de recursos em moeda estrangeira e os aplicou em projetos com diferentes perfis de rentabilidade. Como ficou o balanço do BNDES com os possíveis "descasamentos" entre os seus passivos e ativos ? Quais os efeitos da desvalorização do real frente às principais moedas internacionais para o banco ? Além disso, há a inadimplência a qual pode estar aumentando, inclusive vindo do exterior, como é o caso do Equador, país que acabou de informar pelos jornais que não pagará ao BNDES o empréstimo que financiou uma hidrelétrica.

O BB, a Nossa Caixa e a sucessão

Como desejava, o governador José Serra terá, em dinheiro vivo, antes de encerrar o seu mandato, todos os cerca de R$ 5,4 bilhões que caberão a São Paulo pela venda da Nossa Caixa ao Banco do Brasil. Parte do PT não gostou de ver engordado o caixa de um potencial presidenciável. Um caixa para investimentos em 2009 e em 2010 que já está bastante recheado. Lula, porém, preferiu perseguir o seu propósito - ideológico e pragmático - de retomar para o governo a liderança do sistema financeiro nacional. O confronto "gerencial" com Serra virá do PAC, cuja "mãe", a ministra Dilma Roussef, é cada vez mais a preferida de Lula para a sua sucessão.

Os aliados e a cadeira de Lula

A crise econômica - e também a insegurança em relação ao real potencial de angariar votos da ministra Dilma - está despertando dúvidas "cruéis" nos parceiros eleitorais de Lula. O PMDB, ao seu estilo, está cada vez mais reticente quanto a 2010, com um olho em cada direção. O PSB já voltou a falar em Ciro Gomes - por falar nisso, por onde anda ele? - e até no governador Eduardo Campos. O próprio PT não está ainda totalmente convencido da viabilidade de Dilma. Lula terá de fazer a sua vontade de fora para dentro. Antes de ir aos partidos, dever torná-la apetecível para o eleitor.

No caso BrOi, faltou a atenção ao público

A assinatura do presidente Lula no meio do feriado de quinta-feira (São Paulo e Rio estavam parados) à proposta de alterações no PGO das telecomunicações abriu caminho para uma dos maiores e menos transparentes parcerias público-privadas brasileiras : a compra da Brasil Telecom pela Oi. A concretização do negócio dependerá ainda de uma anuência da Anatel e do Cade, mas não se prevê nenhum obstáculo maior. A alteração no PGO já se fazia necessária há algum tempo, para adaptá-lo aos novos tempos tecnológicos. Estranha-se apenas a pressa com que foi elaborada e a motivação : validar uma negociação que, quando fechada em abril e até a semana passada era irregular. Inovamos também no campo do Direito. Do ponto de vista empresarial também pode fazer sentido o nascimento de um gigante nacional das teles, para conquistar ganhos de escala e poder competir com outros gigantes aqui e lá fora. Porém, toda transação, levou em consideração apenas os interesses dos "negociantes" - os controladores da BrT e da Oi, entre eles grandes fundos de pensão de empresas estatais, Sérgio Andrade e Carlos Jereissatti, que ficarão com o controle da futura BrOi, e alguns vendedores como o banqueiro Daniel Dantas e o grupo Citi, que sairão do jogo com uma boa bolada de dinheiro, entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões cada.

E os consumidores ?

Apenas de passagem se levou em conta o interesse de quem está do outro lado do balcão - os cidadãos e empresas que consomem este tipo de serviço. A concentração econômica pode não ser má, no entanto, precisa ser controlada. Nos EUA, permitiu-se a fusão de empresas nesta área, não sem antes aumentar a proteção dos consumidores. A FCC (a Anatel de lá) exigiu que as empresas cumprissem uma série de requisitos para melhorar a vida do distinto público. A Anatel pode redimir-se de sua submissão aos interesses dos compradores quando for, agora, analisar o pedido da anuência para a concretização, impondo contrapartidas reais à BrOi. Vai agir ?

A real natureza da BrOi

É exagero dizer que está nascendo uma supertele privada brasileira. O que teremos, na realidade, para usar um neologismo, é uma privatal. Um bom negócio privado, com recursos públicos em profusão. Na BrOi estão os fundos de pensão de estatais, dos funcionários do Banco do Brasil e dos trabalhadores da Petrobras, fortemente influenciados pelo governo e que envolveu essa força para forçar a solução que saiu. Depois o BNDES, com R$ 2,6 bilhões, e o Banco do Brasil, com R$ 4,3 bilhões, com juros abaixo dos bancos no mercado, emprestaram dinheiro aos negociantes para eles fecharem parte da compra. Num negócio privado calculado em R$ 13 bilhões, mais da metade (R$ 6,9 bilhões) sai indiretamente das burras da viúva federal. E, segundo alguns analistas, ainda poderá sair porque o mercado privado de crédito não está para brincadeira. Outras privatais passam pela cabeça dos estrategistas de negócios oficiais : uma superfarmacêutica, uma superbélica...

Pergunta inocente

Com a fusão, a nova tele terá alentados ganhos de escala. Transferirá parte deles, com serviços mais baratos para o consumidor, ou deixará tudo para os acionistas ?

Por uma Anatel pública

A autonomia e a imagem da Anatel, em que pesem os discursos de seu presidente, embaixador Ronaldo Sardenberg, saíram profundamente arranhadas do episódio BrOi. A influência do Palácio do Planalto e do Ministério das Comunicações em todo processo foi visível e nada sutil. Viu-se, como já aconteceu em outras ocasiões na Aneel, na ANP, na Anac que elas não são verdadeiramente agências públicas, mas em boa dose apêndices estatais. Olham mais para o interesse do governo do que os da sociedade. Por essas e outras (e outras, piores, certamente virão), o advogado Pedro Dutra, um dos nossos maiores especialistas em sistema regulatório, sugere alguns pontos a serem adotados. O objetivo é que a Anatel (e outras agências) torne suas ações mais transparentes e cumpra a parte de sua função que é proteger também o interesse público :

1. Abrir, tornar públicas, franquear as ações ordinárias da agência, a agenda de seus principais dirigentes e os processos administrativos em curso no órgão. A imprensa assiste às sessões decisórias do Cade. Por que não nas das agências reguladoras ?

2. Divulgar os dados de mercado das empresas do setor aos quais ela tem acesso, e são essenciais à defesa do interesse público e do interesse privado. A exceção ficaria para os dados cuja divulgação possa causar dano à empresa.

3. A Anatel deve prestar publicamente contas detalhadas de sua atuação uma vez por ano, num minucioso relatório de atividades.

4. Aperfeiçoar os mecanismos de participação social nos debates da agência, principalmente nas consultas públicas, com prazos de manifestação adequados ao tema em foco e com respostas detalhadas às sugestões recebidas.

"A Anatel precisa caminhar com a sociedade. Mais do que nunca a sociedade reclama a regulação ativa e aberta do mercado" - diz Pedro Dutra.