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Porandubas nº 432

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Atualizado às 07:57

Água, água

Nesses tempos de falta d'água, uma deliciosa historinha sobre o "precioso líquido", que vem dos confins da gloriosa PB :

Brejo das Freiras é uma Estância Termal nas lonjuras da PB, lá perto de Uiraúna e Souza. Trata-se de um lugar para relaxamento e repouso. O governo da PB tinha (não sei se ainda tem) um hotel, com uma infraestrutura para banhos nas águas quentes. Década de 70. Apolônio, o garçom, velho conhecido dos fregueses da região, recebe, um dia, um hóspede de outras plagas. Pessoa desconhecida. Lá pelas tantas, quase terminando a refeição, o senhor levanta a mão, chama Apolônio e pede :

- Meu caro, quero H2O.

Susto e surpresa. Anos e anos de serviços ali no restaurante e ninguém, até aquele momento, havia pedido aquilo. Que diabo seria H2O ? Apolônio, solícito :

- Pois não, um instante !

Aflito, correu na direção da única pessoa que, no hotel, poderia adivinhar o pedido do hóspede. Tratava-se de Luiz Edilson Estrela, apelidado de Boréu (por causa dos olhos grandes de caboré), boêmio e galanteador, acostumado aos salamaleques da vida.

- Boréu, tem um senhor ali pedindo H2O. O que é isso ?

Desconfiado, pego sem jeito, Boréu coça o queixo, olha pro alto, tenta se lembrar de algo parecido com a fonética e, desanimado, avisa :

- Apolônio, sei não. Consulte o Freitas.

Freitas era o diretor do grupo escolar, o intelectual da região. Localizado, o professor tirou a dúvida no ato :

- H2O é água, seus imbecis. Quer dizer água. Água. Ignorantes.

Apressado, Apolônio socorreu o freguês com uma jarra do líquido. Depois, no corredor, glosando o feito, gritou em direção a Boréu :

- Ah, ah, ah, esse sujeito lascou-se. Achava que nós não sabia ingrês.

As crises e a índole

As crises se integram para formar as nuvens de uma tempestade perfeita : crise econômica, com recessão e retração do PIB em 1% este ano ; aumento de impostos ; juros altos ; poder de compra reduzido, etc. Crise política, com rebuliço no Congresso, a partir da relação de nomes envolvidos no petrolão ; nova legislatura, com presidente da Câmara eleito contra a vontade do Palácio do Planalto. Crise hídrica, com a falta de chuva secando o poço da imagem dos governantes e mexendo com o ânimo dos consumidores. Crise energética, com grandes riscos de apagões no segundo semestre deste ano. Crise social, com as ruas infladas de movimentos indignados. Crise de confiança. Crise de credibilidade. Que isso tem a ver com a índole dos governantes ? A índole contribui para apertar os cinturões das crises ? Resposta : sim !

A índole de Dilma

Dilma, a mandatária-mor, tem ojeriza à política nos moldes como nossa cultura ordena : balcão de recompensas, troca-troca, benefícios, votos sob influência do orçamento, cargos nas estruturas do governo, etc. O corpo político sabe disso. E aproveita para jogar mais lenha na fogueira. Se a presidente não tem disposição para cozer o feijão com o arroz da política, que arrume bons cozinheiros para sua cozinha. Ora, ela escolheu três gourmets gulosos : Aloizio Mercadante, Pepe Vargas e Miguel Rossetto. Que não são craques na articulação política. Falta-lhes o jogo de cintura. Por isso mesmo, a imagem do governo vai mal. E a presidente, com sua índole, contribui para expandir os atritos e conflitos.

A imagem dos governos

A imagem dos governos é a projeção de sua identidade. E a identidade é a soma dos conteúdos - ações, programas, promessas, rotinas, processos, sistemas, projetos, etc. Se os conteúdos não estão se desenvolvendo a contento, não há milagreiro que possa melhorar a imagem dos governos. Não há comunicação capaz de provar que o Brasil está vivendo momentos de fartura : água, energia, bons transportes, alimentos baratos, felicidade geral. O engodo não resiste à realidade. Não se tapa o sol com peneira. Os buracos não deixam. A imagem é, portanto, resultado do que se faz, do que se opera, do que se percebe. E a cognição social sobre o governo Federal não é boa.

Limpando a imagem

O que se pode fazer é uma limpeza periódica no painel da imagem. Nesse caso, os comunicadores dos governos devem trabalhar com as cinco pernas do marketing institucional : a pesquisa, o discurso, a comunicação, a articulação e a mobilização. Pela pesquisa, identificam-se os pontos positivos e negativos da imagem. O discurso precisa ser composto a partir dos inputs da pesquisa. Nesse ponto, cabe lembrar que o discurso comporta programas e projetos mais adequados para responder às demandas sociais. A comunicação abre as pontes do governo com a sociedade, levando suas ideias e intenções. A articulação complementa o esforço de ajustamento com os exércitos da política e dos movimentos sociais. E, por último, a mobilização é o motor que gira a agenda dos governantes : visitas às regiões, contatos com as massas, encontros com grupos organizados, etc.

Quem pensa assim ?

Perguntinha do momento : há alguém no governo que pense dessa forma ? Há alguém que entenda de comunicação e marketing como ferramentas estratégicas ? Quem faz a ligação entre os elos - pesquisa, discurso, comunicação, articulação e mobilização ? Thomas Traumann, o ótimo jornalista da grande mídia ? Mercadante, um ex-senador com fama de auto-suficiente ? Rossetto, um quadro da militância preocupado em abrir diálogo com os movimentos sociais ? Ou João Santana, o perito na arte publicitária, produtor de firulas nas campanhas de propaganda ? Comunicação governamental é algo mais complexo que campanha publicitária ou briefings jornalísticos para orientação da presidente.

O périplo de Lula

Lula está montando sua estratégia para tentar resgatar o vetor de peso da presidente Dilma. Como se viu pela pesquisa Datafolha, ela perdeu 40 pontos na boa avaliação. Lula vai viajar Brasil afora, mas em vez de rápidas passagens, deverá permanecer nas regiões alguns dias e mesmo semanas. Tentativa de correr o interior dos Estados, falando com prefeitos, vereadores e lideranças políticas e institucionais, a par de movimentos sociais. É claro que nessa nova caravana do lulismo, ele estará jogando seu nome nas ruas. Se essa for realmente a ideia, há um lado perverso na estratégia : antecipa o final do governo Dilma. O Volta, Lula assumirá maior visibilidade que o governo Dilma.

A estética

À guisa de provocação : Você imaginaria Jesus Cristo sem barba ? E Abraham Lincoln, seria o mesmo sem a barba ? Que tal um Ghandi cabeludo ? Elvis Presley sem o topete teria o mesmo charme ? O código estético é o primeiro a se infiltrar na mente.

Geraldo cai

Geraldo Alckmin também caiu na lorota de afirmar, por vezes seguidas, que não haveria falta d'água em SP. Teve queda de 10 pontos na imagem positiva. Pois bem, o racionamento já começou, apesar da tentativa do governo de disfarçar a decisão. No melhor cenário, se chover muito, a água vai faltar lá para os meados do segundo semestre. O que exigirá forte racionamento, algo como cinco dias de racionamento por dois dias de água na torneira.

PMDB e PT

Não interessa ao PMDB discutir coisas como impeachment, etc., como muitos pensam. O que há é muita especulação em torno do tema. Interessa mais que o PT deixe a arrogância de lado e seja mais parceiro dos partidos de base.

Levy segura a peteca ?

Gente de estofo na economia garante que o esforço de Joaquim Levy dará com os burros n'água. A retração puxará o PIB para a banda negativa. Sem crescimento, o país ficará patinando. Sem sair do lugar. Desemprego, nesse cenário, expandiria o Produto Nacional Bruto da Infelicidade.

Três historinhas

1. Condenado à morte por corromper a juventude, Sócrates, o filósofo, recusou a oferta para fugir de Atenas sob o argumento de que seu compromisso com a polis não lhe permitia transgredir as regras. Os gregos cultivavam o respeito à lei.

2. Lúcio Júnio Bruto, fundador da República Romana, libertou seu povo da tirania de Tarquínio, derrubando a monarquia. Mais tarde, executou os próprios filhos por conspirarem contra o novo regime. Pregava o poeta Horácio : "Doce e digno é morrer pela Pátria".

3. Outro romano, rico e matreiro, conta Maquiavel no Livro III sobre os discursos de Tito Lívio, deu comida aos pobres por ocasião de uma epidemia de fome e, por esse ato, foi executado por seus concidadãos. O argumento : pretendia tornar-se um tirano. Os romanos prezavam mais a liberdade do que o bem-estar social.

O melhor enredo ?

Os relatos sugerem a seguinte pergunta : qual dos três personagens se sairia melhor caso o enredo ocorresse dentro do cenário da política contemporânea ? O terceiro, sem dúvida. Não seria executado por alimentar a plebe, mas glorificado, mesmo que por trás da distribuição de alimentos escondesse a intenção de alongar um projeto de poder. Essa é a hipótese mais provável em países, como o Brasil, de forte tradição patrimonialista e com imensas parcelas marginalizadas e carentes.

FHC no Lava Jato ?

O ministro José Eduardo Cardozo, da Justiça, afirma que a era FHC também entra na Operação Lava Jato. É o caso de conferir. Cada ciclo deve ter suas contas abertas.

Em Cuba

A propósito, Fernando Henrique e sua mulher passarão o carnaval em Varadero, em Cuba, a charmosa praia cheia de hotéis cinco estrelas, que os cubanos não podem frequentar. Terá encontro com Fidel ? Não pensem nisso. A imagem seria um estraga-prazer no carnaval dos tucanos.

Justiça do Trabalho

A Justiça do Trabalho é o fulcro dos gargalos no Judiciário. Acusada de expandir a burocracia e de legislar. Esforça-se para segurar velhos processos e métodos com o objetivo de evitar perda de poder. Quanto mais poder de punição, mais forte fica. Daí ter se posicionado contra novas regras para a flexibilização das relações capital/trabalho.

600 emendas

A MP com mudanças na legislação trabalhista deverá receber uma enxurrada de 600 emendas no Congresso. Vai ser difícil alcançar consenso.

PEC da Bengala

A PEC da bengala começa a andar. Já não se trata de hipótese impossível a aposentadoria dos juízes aos 75 anos.

Ativos e passivos

John Stuart Mill, um dos pensadores liberais mais influentes do século 19, classificava os cidadãos em ativos e passivos, aduzindo que os governantes preferem os segundos, mas a democracia necessita dos primeiros. A comparação do filósofo inglês, pinçada por Norberto Bobbio em seu livro "O Futuro da Democracia", expressa, ainda, a ideia de que os súditos são transformados num bando de ovelhas a pastar capim uma ao lado da outra. Ao que Bobbio acrescenta : "Ovelhas que não reclamam nem mesmo quando o capim é escasso". Pois bem, por estas bandas, apesar do capim farto, equinos, caprinos e bovinos rompem o cabresto e saem dos currais. E mais, não querem ser comparados a animais irracionais e dóceis. A notícia boa é que a imagem acima desvenda um Brasil cidadão que decidiu expurgar o passado do voto amarrado à distribuição de benesses e à opressão dos senhores feudais da política.

À guisa de conclusão

"Misia Sert dominava a arte de caçar moscas. Estudava pacientemente os modos destes animais até descobrir o ponto exato em que havia de introduzir a agulha para pregá-las sem que morressem. Exímia na arte de fazer colares de moscas vivas, entrava em frenesi com a celestial sensação do roçar das patinhas desesperadas em seu colo."

Conto de Elias Canetti. Um flagrante das esquisitices humanas.

E assim caminha a humanidade...