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Porandubas nº 505

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Atualizado às 08:32

Abro a coluna com duas historinhas

Não mudou nada

Miguel Rodrigues, velho e sábio político de Goiás, foi visitar uma escola primária. Ali, a professora ensinava os primeiros dias de Brasil :

- No começo do Brasil colônia, como a América e o Brasil ficavam muito longe, para cá vieram, primeiro, muitos ladrões, degredados, condenados.

O coronel Miguel suspirou :

- Então não mudou nada.

Escombros

O contínuo do doutor Ernane Galvêas, quando presidente do Banco Central, entrou correndo no gabinete :

- Doutor, chegue na janela que estão passando lá embaixo os escombros de Dom Pedro.

Eram os despojos de Dom Pedro I desfilando na avenida Presidente Vargas.

Cassação de Cunha

A cassação do deputado Eduardo Cunha foi mais uma surpreendente demonstração da gangorra que é o poder. Num dia, vê-se o perfil de um homem superpoderoso, detentor dos eixos mais fortes do poder. No dia seguinte, esse super-homem é visto isolado, sem forças, em vias de se transformar prisioneiro. Afastado do cargo por 450 votos a 10, o ex-deputado do Rio de Janeiro, que comandou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, vai ser lembrado como símbolo da volatilidade do poder.

E os apoios ?

O que teria mudado a direção dos votos dos apoiadores de Cunha ? A real politik, a política como ela é. Que se ancora, por sua vez, no clamor das ruas, na perspectiva de manutenção de poder, na ideia de que o representante deve agir sob a égide do pragmatismo. Os deputados mudaram de posição ouvindo a voz da turba. Nesse ano eleitoral, a possibilidade de serem associados a um perfil demonizado provocou fuga em massa dos arredores do malfadado ex-membro da cúpula do PMDB. O receio dos apoiadores era de naufragarem com ele.

A delação

E o que os deputados do grupo de Cunha pensam da possibilidade de se transformarem em objeto de delação por parte do cassado ? A hipótese esteve seguramente em análise. Pensaram : "se há mais de 100 pessoas que foram ajudadas em campanhas por Eduardo Cunha, não irei sozinho para o cadafalso. Será muito difícil enterrar uma leva imensa de deputados. Portanto, vou arriscar". A segunda hipótese abriga a demora do STF em julgar. Como é sabido, até o momento o Supremo praticamente não engatou a marcha do julgamento de políticos. "Se vai demorar, então posso arriscar", avaliaram parlamentares simpáticos a Cunha.

O golpe

O deputado Eduardo Cunha lembrou, em defesa, que a cassação era uma vingança do PT contra sua ação no impeachment de Dilma. Tem razão. Sem sua disposição, Dilma não teria sido cassada. O fato é que a cassação de Cunha fornece oxigênio para que PT, PSOL, CUT, MST, MTST e adjacências adensarem o discurso do "golpe". Tentarão argumentar que a cassação de Cunha mostra que o mal, o ilícito, o erro estavam por trás do afastamento da petista. E o que farão os deputados que, na primeira fase, admitiram o impeachment ?

A reação

Se continuarem a ouvir e não reagirem ao discurso de que o impeachment foi golpe, os deputados da atual base governista ficarão reféns do petismo e seu entorno. Terão de responder, conferindo a cada evento sua identidade e suas características. O cenário é que a crise, portanto, se arrastará com o discurso do golpismo entoado pela turma da trombeta. O PT e o PSOL, entre outros, vão se fazer de vítimas. Poderão, até, dizer que a débâcle que toma conta do país - o estouro das contas, os 12 milhões de desempregados, a inflação alta, o desinvestimento, a falta de estímulos de setores produtivos, a estagnação que abate o país - é consequência do impeachment da Dilma (rsrsrsrsrs). Ora, quem conhece o PT sabe : ele é capaz de tudo.

Cunha sob moro

O processo contra Eduardo Cunha descerá para a República de Curitiba onde pontifica o juiz Sérgio Moro. Que não terá dúvidas em convocar o deputado cassado. Poderá, até, ordenar um mandado de prisão. E aí começará uma fase de depoimentos que abrirá expectativas. Quem Cunha denunciará ? Para salvar a família de eventuais constrangimentos, não se descarta a ideia de levar uma listinha para ler na delação premiada. A crise, portanto, se arrastará.

STF vai acelerar

Sob o comando da ministra Cármen Lúcia, o STF tende a acelerar o julgamento dos políticos com processo naquela Corte. Como se sabe, o Supremo praticamente não abriu a temporada de julgamentos na esfera política. É possível se prever aceleração do processo. A nova presidente da Corte fez um grande discurso. De tom poético-literário e com críticas à lerdeza do Judiciário. Portanto, é bastante viável a hipótese de que procurará correr com os processos que se encontram no STF.

Maquiavel

Prestem atenção : "Um príncipe precisa usar bem a natureza do animal ; deve escolher a raposa e o leão, porque o leão não tem defesa contra os laços, nem a raposa contra os lobos. Precisa, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos". Conselho de Maquiavel. Que arremata : "não é necessário ter todas as qualidades, mas é indispensável parecer tê-las".

Pleito embolado em SP

O pleito em São Paulo está embolado. Como este analista já mostrara, a tendência em São Paulo aponta para a queda de Russomano. Na pesquisa Datafolha do dia 9, ele caiu de 31% para 26%, enquanto Marta subiu de 15% para 21%, João Doria saindo de 5% para 16%, um salto de 11%. Previsível. Celso Russomano tem curto tempo de mídia eleitoral. Doria ocupa o maior espaço. Haddad é o líder da rejeição. Os dois candidatos do segundo turno poderão ser Marta e Doria. Claro, se Russomano confirmar a comparação com "cavalo paraguaio" : sai na frente e chega atrás.

Morna nos grandes centros

A campanha nos grandes centros está morna. Os programas eleitorais não exercem atração. Os candidatos se esforçam para cumprir um longo e intenso roteiro de visitas aos bairros. Mais que as anteriores, esta é a campanha da "sola de sapato". O eleitor desconfiado quer analisar de perto os candidatos. Já nos rincões do interior, a animação está nas ruas. Comícios, entusiasmo, grupos promovendo mobilizações dão o toque do pleito. Campanha eleitoral no interior do Brasil é festa. Os contendores se vestem com os trajes de guerra.

O discurso político

Costumo bater nesta tecla. Muita gente se engana com a eficácia do discurso político. Pois bem, o discurso político é uma composição entre a semântica e a estética. O que muitos não sabem é que a eficácia do discurso depende 7% do conteúdo da expressão e 93% da comunicação não verbal. Esse é o resultado de pesquisas que se fazem sobre o tema desde 1960. E vejam só : das comunicações não verbais, 55% provêm de expressões faciais e 38% derivam de elementos paralinguísticos - voz, entonação, gestos, postura, etc. Ou seja, do que se diz, apenas pequena parcela é levada em consideração. O que não se diz, porém se vê, tem muito maior importância. Portanto, senhoras e senhores que encenam peças no programa eleitoral, anotem esta informação.

Economia, o amortecedor

Por todos os lados, ouve-se : o governo Temer está perdendo a batalha da comunicação. O sentimento se intensifica na esteira das mobilizações de PT, CUT, MST, etc. Ora, o fato é que o governo não chegou nem a 130 dias. A perspectiva é a de que a economia funcionará como o amortecedor da crise. À medida que ganhe fôlego, a tendência é a de menor movimentação nas ruas. Há sinais de recuperação, ainda tênues, aqui e acolá. A perda de poder, o corte de mamatas para grupos incrustados nas malhas da administração Federal e a perda de privilégios contribuem para os gritos de turbas nas ruas. São os últimos estertores de quem foi alijado do poder.

Depredação

Já começa a se consolidar o sentimento de que as mobilizações acabam sendo meio para depredações, quebra-quebra, violência. Não é a toa que os movimentos esvaziam a olhos vistos. A última manifestação em São Paulo juntou apenas três mil pessoas. A violência banalizada se impregna na estética vermelha das bandeiras e nas faces ocultas dos Black Blocs.

Reforma política

O Senado acaba de aprovar a PEC 36, cuja ementa altera os §§ 1º, 2º e 3º, do art. 17 da Constituição Federal e a ele acrescenta os §§ 5º, 6º, 7º e 8º, para autorizar distinções entre partidos políticos, para fins de funcionamento parlamentar, com base no seu desempenho eleitoral. Ou seja, somente terão funcionamento parlamentar os partidos que, a partir das eleições de 2018, obtenham um mínimo de dois por cento dos votos válidos apurados nacionalmente e a partir das eleições de 2022, um mínimo de três por cento desses votos, distribuídos em, pelo menos, 14 unidades da Federação, com um mínimo de dois por cento dos votos válidos em cada uma delas ; prevê que apenas os partidos que obtiverem o desempenho eleitoral exigido terão assegurado o direito à proposição de ações de controle de constitucionalidade, estrutura própria e funcional das casas legislativas, participação nos recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à TV.

Pequena aula de política

Diálogo entre Colbert e Mazarino, durante o reinado de Luís XIV, na peça teatral Le Diable Rouge, de Antoine Rault :

Colbert : Para arranjar dinheiro, há um momento em que enganar o contribuinte já não é possível. Eu gostaria, senhor superintendente, que me explicasse como é possível continuar a gastar quando já se está endividado até o pescoço.

Mazarino : Um simples mortal, claro, quando está coberto de dívidas, vai parar na prisão. Mas o Estado é diferente ! Não se pode mandar o Estado para a prisão. Então, ele continua a endividar-se. Todos os Estados o fazem !

Colbert : Ah, sim ? Mas como faremos isso, se já criamos todos os impostos imagináveis ?

Mazarino : Criando outros.

Colbert : Mas já não podemos lançar mais impostos sobre os pobres.

Mazarino  : Sim, é impossível.

Colbert : E sobre os ricos ?

Mazarino : Os ricos também não. Eles parariam de gastar. E um rico que gasta faz viver centenas de pobres.

Colbert : Então como faremos ?

Mazarino : Colbert, tu pensas como um queijo, um penico de doente ! Há uma quantidade enorme de pessoas entre os ricos e os pobres : as que trabalham sonhando enriquecer e temendo empobrecer. É sobre essas que devemos lançar mais impostos. Cada vez mais, sempre mais ! Quanto mais lhes tirarmos, mais elas trabalharão para compensar o que lhes tiramos. Formam um reservatório inesgotável. É a classe média !