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Porandubas nº 607

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Atualizado às 08:03

Abro a coluna com uma historinha árabe que ensina: dizer as coisas de forma convincente é uma arte.

A arte de dizer as coisas

Um sultão sonhou que havia perdido todos os dentes. Logo que despertou, mandou chamar um adivinho para que interpretasse o sonho.

- Que desgraça senhor, exclamou o adivinho. Cada dente caído representa a perda de um parente de vossa majestade.

- Mentiroso, gritou o sultão enfurecido. Como te atreves a dizer-me semelhante coisa? Fora daqui!

Chamado outro adivinho, este disse assim:

- Excelso senhor! Grande felicidade vos está reservada. O sonho significa que havereis de sobreviver a todos os vossos parentes.

Iluminou-se a fisionomia do sultão e mandou dar cem moedas de ouro ao segundo adivinho. Quando saía do palácio, um dos cortesãos lhe cochichou:

- Afinal, a interpretação que fizeste do sonho foi a mesma do teu colega...

- Lembra-te, meu amigo, tornou o adivinho, que tudo depende da maneira de dizer.

Começa o ano político

O Brasil visto de dentro das cúpulas côncava e convexa do Congresso Nacional não se apresenta, infelizmente, como o espaço das grandes mudanças tão clamadas pela sociedade. O Senado, no sábado que passou, exibiu um espetáculo canhestro. Quem viu ali um embate entre a nova e a velha política se engana. O que aconteceu na Câmara Alta foi a vitória de um senador de 41 anos, do DEM do Amapá, com estampa de novo, mas tão arraigado aos velhos costumes quanto os caciques que ali habitam.

Imagem corroída

O que aconteceu foi a derrota do senador alagoano Renan Calheiros, comandante do MDB, ex-presidente do Senado, foco de um bombardeio incessante das redes sociais, cuja imagem foi danificada e corroída pelo serrote das novas técnicas de ataque desenvolvidas no país, concentradas nas redes sociais e em artilheiros de plantão. O que aconteceu foi o descumprimento da decisão do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que teve de emitir um parecer no meio da madrugada de sábado em favor do voto fechado, como determina o regimento do Senado. O parecer transformou-se em avassalador bumerangue, voltando-se contra Renan e defensores do voto fechado. O regimento foi para o lixo.

Catarse social

O que se viu foi a derrota de uma norma até então adotada, a do voto secreto, desprezada pela maioria do corpo parlamentar, na esteira do estado de espírito da sociedade com foco na transparência, no rechaço à velha política e a todos aqueles que respiram o oxigênio acumulado nos pulmões combalidos dos guardiões da velha ordem. Assistiu-se ao extravasamento de uma expressão social nas redes, que chegou a balizar o voto dos senadores. A renúncia de Renan parecia dar vazão à catarse social. Mas o jogo foi o primeiro de uma série de partidas.

E Toffoli, como fica?

Uma dúvida persiste: como ficará a imagem do presidente do Supremo, após senadores terem jogado no lixo seu despacho determinando o voto fechado no Senado? Aliás, como ficará a imagem do STF nos próximos tempos? A Corte refluirá no ímpeto de alguns de seus ministros para ganhar fama e visibilidade midiática? Ou a judicialização da política continuará intensa? É triste para um país ver sua mais alta Corte no banco do desprestígio. É triste ler mensagens duras de juízes de primeira instância contra os ministros da Corte Suprema. Este consultor, consternado, leu palavras que maculam a imagem de Suas Excelências, os ministros do Supremo.

Alcolumbre

Davi Alcolumbre, o presidente eleito do Senado, não tem um traço sequer que represente renovação na paisagem política. A identificação com o novo aparece nas feições do político mais jovem, em uma visibilidade expandida por um perfil que sai dos fundos do salão para adentrar o centro da mesa principal. O Amapá foi o território onde o ex-senador José Sarney construiu grande parte da trajetória após deixar a presidência da República. Conserva sinais e emblemas dos currais eleitorais. O novo dirigente, de família ligada ao comércio e às telecomunicações, o terceiro da hierarquia da República, vai ter de remodelar seu figurino para desfraldar a bandeira da modernidade. Deverá ter ao redor o conselho de um grupo de "velhos senadores", que tentarão lhe mostrar o caminho do bom senso.

Rodrigo Maia

Já a vitória de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Câmara, por uma margem que bateu o recorde de apoios (334 votos) na história da Câmara Federal, confere a ele importância extraordinária na legislatura que se inicia. Rodrigo tem demonstrado ser exímio articulador. Sua capacidade de articulação mostra-se forte ao agregar o apoio de 16 partidos. Ganhou sem nenhum empurrão do governo Bolsonaro. Ao contrário, seu correligionário, ministro Onyx Lorenzoni (DEM-RS), chefe da Casa Civil, teria, no início das articulações, até estimulado outra candidatura. Rodrigo deverá usar a varinha mágica para fazer passar pelo plenário da Câmara a Reforma da Previdência. Prioridade número 1 do governo.

Senado não pacificado

A vitória de Alcolumbre não significa pacificação no Senado. Dos 21 partidos que tinham assento na Casa, agora são 16, significando menor fragmentação. Mas os grandes partidos, a partir do rachado MDB, não se aliarão automaticamente ao governo. A aliança do PSDB com o DEM pode se esgarçar mais adiante. Tasso Jereissati é o patrocinador desta aliança (frouxa). Renan ainda tem o apoio de 6 a 7 senadores do seu partido, podendo vir a canalizar o apoio de descontentes.

Pauta densa

Há importantes projetos na pauta, a partir do eixo do governo, a Previdência, a chegar ao Congresso nos meados do ano. Estão elencados ainda projetos importantes: licitações, independência do BC, Lei das Telecomunicações (PLC 79), segurança hídrica, demarcação de terras, Código Comercial, desvinculação de receitas, fim do foro privilegiado, agências reguladoras, sistema S, prisão em 2ª instância, lei de falências, combate à corrupção, Código do Processo Penal, etc. A questão é: Alcolumbre terá condições de liderar uma pauta tão densa como essa? Não será fácil.

Lorenzoni

Se o ministro Onyx Lorenzoni foi o principal artífice da candidatura de Davi Alcolumbre, tendo, por isso mesmo, diálogo estreito com o novo presidente do Congresso, não se poderá dizer o mesmo de sua relação com Rodrigo Maia, que deverá mostrar postura de certa independência em relação ao Executivo, mesmo dispondo-se a ajudar Paulo Guedes a atravessar a montanha da reforma das reformas. A começar com a complexa reforma da Previdência.

Previdência

É oportuno lembrar que o secretário da Previdência e do Trabalho, ex-deputado Rogério Marinho, mantém boa articulação com Maia, de quem recebeu pleno apoio por ocasião da reforma trabalhista, da qual foi relator. Ponto polêmico do projeto da Previdência: idade mínima de 65 anos para homem e mulher. (O vice Mourão afirma que o presidente Bolsonaro é contra igualar idade mínima de homem e mulher na Previdência. Já o ministro Onyx garante que a reforma da Previdência será muito diferente da minuta divulgada).

R$ 1,3 trilhão

A nova idade valeria depois de um período de transição que pode chegar a 19 anos. Em 10 anos, a economia a ser alcançada na Previdência seria de R$ 1,3 trilhão.

Simone Tebet

A senadora do PMDB do Mato Grosso do Sul foi vencida por 7 a 5 na bancada do MDB, deixando para Renan a candidatura à presidência do Senado. Votou e trabalhou por Alcolumbre, que deve prestigiar o corpo parlamentar que lhe deu apoio, fazendo vista grossa à tese de que as mais importantes comissões devem ser entregues aos partidos de maior bancada no Senado. O MDB deve, portanto, perder a direção da importante CCJ. E mesmo da CAE, Comissão de Assuntos Econômicos. A questão é saber se a senadora Simone, após o embate com Renan, se sente confortável em permanecer no partido. Tudo indica que sairá da sigla. Seu pai, Ramez Tebet, era o grande líder do PMDB no Mato Grosso do Sul.

DEM no alto

Chegando à direção das duas casas congressuais, o DEM sobe ao pico da montanha do poder. ACM Neto vibra. A tendência é a de o partido, se mantiver acesa a chamada da unidade, atrair novos figurantes. Rodrigo Maia, detendo fatia considerável do poder político, pode empurrar o DEM na direção do poder central. Este partido, que já foi PFL, teria condições de substituir o MDB como peso principal na balança da governabilidade. O PSL de Bolsonaro não teria estofo para cumprir essa missão. Os novatos precisam passar pelo exercício de acúmulo de experiência. Começarão atirando flechas uns nos outros. Canibalização recíproca.

MDB na ladeira

No contraponto, vemos o MDB começando a descer a ladeira. Não se afogará no poço do desprestígio, porquanto ainda é o partido com maior capilaridade no país, o que se constata pela presença em maior número de municípios e nas bancadas de vereadores e deputados estaduais, ainda entre as maiores. Mas o velho MDB monolítico é mera sombra do passado. Carecerá, como o PSDB, se refazer das cinzas das fogueiras em que se meteu. Jucá, que perdeu a eleição para senador em RR, continuará? De onde virá a nova força do partido? Renan seria o catalisador da insatisfação?

Moro em ação

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, tomou a iniciativa, preparou um amplo projeto que, entre outros pontos, propõe a criminalização do caixa 2 e a prisão após condenação em 2ª instância. Abre, ainda, a possibilidade de isentar de pena policiais que matarem em ações de confronto. Chamou governadores e fez apresentação do pacote, que é simpático aos eleitores. Mas não passará no Plenário da Câmara do jeito que está formatado. Moro deve suar a camisa para convencer a base parlamentar. Se aprovar este projeto, Moro chegará aos píncaros da glória.

Uma aberração

Leio: 6 deputados do Rio foram presos, mas continuam recebendo todos seus salários e benefícios. Como é que pode? O cara é preso e continua a ganhar sem cumprir suas tarefas. A conta chegou aos R$ 6 milhões. A Mesa Diretora da Assembleia Legislativa não pode permitir essa barbaridade. A decisão da Assembleia Legislativa de empossar ou não os presos foi adiada. Que fiquem sem salário.

O novo senador potiguar

Jean-Paul Prates, gravem esse nome, é o novo senador do PT do RN, que chega à Câmara Alta na vaga da senadora Fátima Bezerra, eleita governadora. Trata-se de um advogado e economista, com mestrado nos EUA em planejamento energético e ambiental, com mestrado na França na área de petróleo e motores, área em que aprofundou seus estudos. Consultor afamado. Trata-se de um dos quadros bem preparados do Senado. É a nova estrela na constelação potiguar.

Chico Rodrigues

Chico Rodrigues ganhou de maneira surpreendente a eleição em Roraima para o Senado. Veio a ter mais de 22% dos votos válidos, quando no início da campanha poucos apostavam em suas chances. Ele e Mecias de Jesus, o segundo eleito, acabaram desbancando o experiente senador Romero Jucá, atual presidente do PMDB. Chico, que já governou Roraima, é um político que sabe cultivar as bases. Tem um enorme círculo de amizades, principalmente junto ao segmento militar. Foi colega de turma do general Carlos Alberto Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, na escola preparatória de cadetes do Exército.

Os novatos

É engraçado vermos ou lermos as bravatas dos novatos. Alguns dizem que vão "botar pra quebrar", "passar por cima como trator", "aprovar projetos e aprová-los com urgência". Pensam que a liturgia é esta: chegando ao Congresso serão ouvidos atentamente por todos os colegas, prepararão projetos e conseguirão imediatamente sua aprovação. Cairão na real quando perceberem que, na Câmara, serão tragados pela massa de 513 parlamentares. E, no Senado, poderão até ter mais chances de serem ouvidos. Claro, se falarem coisa com coisa. E se evitarem o espalhafato, como se viu na deprimente sessão de sábado passado.