COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Porandubas Políticas >
  4. Porandubas nº 622

Porandubas nº 622

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Atualizado às 08:23

Abro a coluna com um "causo" de Minas Gerais.

Pleonasmo

Político esperto e simplório, Benedito Valadares era governador de Minas Gerais quando encontrou na ante-sala de Getúlio Vargas, no Rio, o ministro da Educação, Gustavo Capanema, que estranhou seus óculos escuros.

- É uma conjuntivite nos olhos - explicou Valadares.

- Benedito, isso é um pleonasmo! - reagiu o ministro, professoral.

Valadares ignorou a observação e entrou para falar com Vargas. O presidente também estranhou os óculos escuros. Ele reagiu:

- Presidente, o médico lá em Minas disse que era uma conjuntivite nos olhos, mas o Capanema, que quer ser mais sabido que os médicos, me disse que é um pleonasmo!

Getúlio gargalha e diz:

- Em minha modesta interpretação penso que Valadares está certo, existe outro lugar para dar conjuntivite, a não ser nos olhos?

O jogo político

As manifestações do dia 26 mostraram que o presidente Jair Bolsonaro dispõe de razoável arsenal para lutar na arena política. Foram significativas. Não do tamanho das manifestações do dia 15, em defesa de recursos para a Educação, mas na proporção adequada para inferir que o capitão dispõe de forte vetor de peso. A questão é: fica claro que Bolsonaro continua a fustigar a classe política, onde se exercem "velhas práticas". Terá condições de viabilizar suas intenções - afastar a velha política, evitar o toma lá dá cá, o fisiologismo, enfim, os costumes consolidados pelo nosso presidencialismo de coalizão?

Atenção, governantes: concentrem-se no que é importante

Quatro tipos de viabilidade

Por viabilidade, entenda-se a propriedade de existir, sobreviver, ser possível e preencher condições de se realizar uma ação, um plano, uma política ou a maneira de governar. Pergunta-se: o presidente tem condições de "construir viabilidade", tornando possível a prática de seu pensamento? A teoria política aponta quatro causas que podem inviabilizar uma operação: a) viabilidade política; b) viabilidade econômica; c) viabilidade cognitiva e d) viabilidade organizativa. Expliquemos.

Conceitos

No caso do governo Bolsonaro, a viabilidade política deve ser entendida como a capacidade de agregar uma quantidade de parlamentares que se comprometam a aceitar e decidir sobre a matéria em pauta na agenda, por exemplo, a reforma da Previdência. Por viabilidade econômica, entenda-se a possibilidade de mostrar/demonstrar a necessidade de o país fazer a reforma previdenciária por motivos econômicos - demonstração de números e contas. Por viabilidade cognitiva, entenda-se o conhecimento e a acessibilidade a todos os pontos e questões relativas à reforma. Enquanto a viabilidade organizativa diz respeito ao conjunto de meios e instrumentos - ministros, articulação política, ou seja, a força colaborativa que pode influir para fazer tramitar a ideia de maneira rápida, criativa e eficaz ou lenta e dispersa. Essas viabilidades devem ser trabalhadas de maneira ajustada, evitando dispersão de esforços.

Atenção: "Não abandonem o objetivo exceto quando o objetivo é deixar de vigorar.

O entorno militar

O presidente reúne ao seu redor apreciável conjunto de generais e outras patentes, todos com conhecimento avançado de teoria de guerra, que pode ser transportada para a política. Portanto, conceitos como estratégia, tática, metas e objetivos, meios e instrumentos, análise de viabilidades - tudo isso é do conhecimento do entorno presidencial. Mas, por que há tanta dispersão, tanta desorganização? Pela índole do capitão, que diz e desdiz, avança e recua, dá uma no cravo e outra na ferradura, desestabilizando os agentes da política e seus próprios assessores.

Atenção: "Mantenham a direcionalidade do objetivo, ainda que seja necessário adaptá-lo às circunstâncias".

Risco

O risco que ameaça o presidente Bolsonaro é o de constatar que sua decisão de governar sem o efetivo engajamento do corpo parlamentar é inviável na prática. Pagará o custo da inviabilidade, aumentando a fricção de seu governo e expandindo as taxas de polarização social. As ruas, mais cedo ou mais tarde, querem ver resultados. Sem estes, tendem a escassear apoio. O presidente precisa não apenas ter boas cartas no baralho. Precisa, sobretudo, saber jogar bem. Urge descobrir o máximo que pode ser feito para alcançar a eficácia.

Atenção: "Pensem com a cabeça e arremetam com o coração, evitando a síndrome do touro, que faz exatamente o contrário".

Até onde irá?

Outra pergunta circula insistente: até onde Jair Bolsonaro irá em sua fricção quase cotidiana com a esfera política? Lembrem-se de Jânio. Renunciou e esperou que as massas nas ruas pedissem sua volta. Dançou. Olhem para Collor. Esnobou o Congresso. Dançou. Olhem para Dilma. Desprezou os políticos. Foi mandada embora. Que Bolsonaro não pense que poderá contar, todo tempo, com os gritos entusiásticos de simpatizantes. Já se observam rachas entre eles. O prestígio presidencial será sempre elevado em início de gestão, mas se o governo não apresentar bons resultados, os bolsos dos consumidores esvaziados ditarão o afastamento gradativo das correntes governistas.

Atenção: "Escolham, entre as estratégias consistentes com o objetivo, a que implique em menor esforço".

A essencialidade de Maia

Rodrigo Maia foi um dos protagonistas atacados nas manifestações de domingo passado. Ora, Maia é essencial para que o país avance no caminho das reformas. Sem ele, a agenda da Câmara não andará. O presidente joga loas em sua direção, mas acaba tecendo críticas a ele. Hoje, tem-se a informação de que Rodrigo e Guedes estão juntos na canoa das reformas. Isso parece desgostar os Bolsonaros, pai e filhos. Ciumeira besta. A reforma da Previdência caminhará mesmo com as insanidades e observações negativas expressas pelo mandatário-mor.

Atenção: "Vejam-se com os olhos do adversário, para descobrir a trajetória de menor expectativa a partir da perspectiva situacional dele".

Polarização extremada

Todos perdem com a polarização extremada que racha a sociedade. São claras as divisões sociais, demonstrando que o apartheid social, tão impulsionado na era lulopetista, continua vivo e, mais que isso, jorrando bílis. O destempero linguístico chega ao clímax. As redes sociais se transformam em fortalezas de ataque e defesa. O presidente dá corda aos seus exércitos, recriminando posturas de grupos, alimentando a discórdia. A mídia, para ele, é mentirosa. E ao incentivar nas redes as tubas de ressonância que lhe são favoráveis, renova os arsenais com um grito de guerra permanente. Assim, o país deixa escorrer pelo ralo parcela de sua energia cívica.

Atenção: "Não superutilizem o poder, nem angariem adversários desnecessariamente, façam uso racional dos recursos econômicos, protejam todos os recursos escassos".

Mais um pacto

Pacto é algo desgastado por essas bandas. Por isso, qualquer tentativa nessa área é vista com desconfiança. Mas o Executivo decidiu firmar um pacto com o Legislativo e com o Judiciário (STF) sob o compromisso de "entendimento e metas". O argumento é o que o Pacto é uma resposta aos anseios da sociedade. Uma resposta aos protestos. Se é mais uma boa intenção de seguir com as reformas - Previdência, Tributária, Segurança Pública etc. -, tudo bem. Uma espécie de abraço amigo entre os presidentes dos Três Poderes. Mas as idas e vindas de Bolsonaro podem atrapalhar. Acarinha Rodrigo Maia, em um dia, e no outro, dá uma estocada.

P.S. Maia diz que só assinará 'pacto' com aval dos líderes da Câmara

Reformas passarão

Não há dúvida: as reformas passarão, cada uma a seu tempo. O que pode ocorrer, na esteira das provocações presidenciais, é um prazo mais alongado para sua aprovação. É provável que a Previdência chegue à decisão parlamentar em agosto. E é também razoável a hipótese de contarmos com uma reforma tributária lá para os meados do segundo semestre.

Atenção: "Cada plano de campanha deve ter vários ramos e alternativas e deve ser tão bem concebido que pelo menos um deles não deixe de ter êxito".

PIB curto

A sensação de idas e vindas, avanços e recuos tem contribuído para desanimar o empresariado. No início do ano, os sentimentos eram bem mais positivos. O governo, porém, não tem conseguido injetar ânimo. A economia não dá sinais de revitalização. O PIB estimado para este ano gira em torno de 1,23%. O desemprego já atinge 13,4 milhões de brasileiros, e os subempregados chegam a 29 milhões. Duas palavras que começam a aparecer com insistência: estagnação e depressão. É possível que a animação volte aos setores produtivos com a aprovação mais adiante de reformas?

Atenção: "Não esqueçam o óbvio, embora seja coisa simples, como Colombo fez ao pôr um ovo em posição vertical".

Eficiência e eficácia

No time da Feira do Pau, 11 jogadores pernas de pau (incluindo o goleiro). Jogadas estrambóticas, falta de entrosamento, jogadores correndo de um lado para outro, sem coordenação ou visão de campo. De repente, Batistão, de quase dois metros de altura, entra como um furacão na grande área e, de cabeça, faz gol do escanteio batido por Careca. No time adversário do vizinho Imbé, 11 craques. Jogadas bonitas, dribles sensacionais, meio de campo dando um show e armando grandes lances. Mas ninguém consegue fazer gol. A diferença entre um time e outro é a que existe entre eficácia e eficiência. Feira do Pau foi eficaz, Imbé, eficiente.

Alexandre e o nó górdio

O oráculo prognosticou: aquele que conseguisse desatar o nó que atava o jugo à lança do carro de Górdio, rei da Frígia, dominaria a Ásia. Muitos tentaram e fracassaram. Desafiaram Alexandre Magno. Que tinha duas opções: desfazer o nó, e cortá-lo com a espada. Não teve dúvidas. Optou pela via mais criativa e segura: cortá-lo. Até porque fez uma avaliação e pensou que poderia falhar se escolhesse a opção de desatar o nó. O estrategista é capaz de imaginar diversas possibilidades além da que parece obvia por ser a mais transparente. (Carlos Matus)