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Porandubas nº 660

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Atualizado às 08:31

Abro a coluna com algumas questões que estarão no ar nos próximos tempos:

1. Quais são as grandes lições trazidas pela pandemia do covid-19?

2. Como serão as relações internacionais nos tempos do amanhã?

3. A globalização tende a ceder espaços ao nacionalismo e fechamento de fronteiras?

4. Como serão tratados os refugiados?

5. Que ferramentas da democracia serão aperfeiçoadas?

6. A família, como célula mater, ganhará destaque na nova paisagem?

7. Quanto tempo o mundo terá para recuperar perdas nos PIBs das Nações?

8. O mundo do trabalho será bem diferente do que temos hoje?

9. A China tomará o lugar dos EUA como primeira potência econômica?

10. E quais as áreas das ciências e da tecnologia ganharão grandes avanços?

Diego e o mar

"Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava frente a seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:

- Me ajuda a olhar!

(Eduardo Galeano, O Livro dos Abraços)

Crise dentro da crise

Alastra-se uma crise dentro da crise da pandemia. E o presidente da República é o fator gerador. Ele defende o isolamento vertical - apenas dos idosos - e volta às atividades das pessoas abaixo de 60 anos. Seu ministro da Saúde, Luiz Mandetta, seguindo recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), defende o isolamento social, afastamento de todos das ruas, forma que tem sido adotada pelas Nações mais poderosas do mundo. Como um ministro tem visão diferente? Por usar critérios científicos e racionais. Como um presidente vai na onda contrária? Por temer, diz ele, uma convulsão social, com saques a supermercados e lojas, se houver desabastecimento do mercado.

Moro e Guedes

E o que pensam os dois ministros mais afamados (antes do Mandetta), Sergio Moro, da Justiça e Segurança, e Paulo Guedes, da Economia? Mostram-se favoráveis ao isolamento social, na linha divergente da defendida por Bolsonaro. Já o entorno militar, conforme se pode depreender da nota feita pelo assessor do GSI, general Vilas Bôas, ex-comandante do Exército, apoia a abordagem de Bolsonaro. O empresariado está dividido. As redes sociais, idem, mas o teor crítico ao presidente tem se mostrado mais forte. As bases bolsonaristas se agitam para responder à onda negativa. Uma questão levantada: se até o ídolo Donald Trump teve que recuar e estender o isolamento social até 30 de abril, porque seu pupilo, Jair, não faz o mesmo? Birra.

Encurralado

O fato é que o presidente parece um animal acuado. E como é previsível numa fera cercada por outros animais, tende a atacar. Agirá com a síndrome do touro: pensa com o coração e ataca com a cabeça. Quem levará a melhor? Ele tem a arma capaz de matar: a caneta. Pode simplesmente dizer: "quem manda sou eu. Vocês estão fora". Fácil, não? Difícil. Muito difícil. Tirar um ou dois ministros nesse momento seria jogar um tonel de pólvora na fogueira. Mesmo sem clima para impeachment, o tema agitaria a esfera congressual. O país, já tenso, veria o fogo aumentar. E não espere Bolsonaro que as massas acorrerão para salvá-lo. Movimentos pequenos, certamente.

Para onde vamos?

Eis o X do problema. Uma linha com o mínimo consenso tem de ser encontrada. Bolsonaro pode simplesmente lavar as mãos se continuar com as perdas que seu governo registra no Judiciário, onde o STF tende a dar ganho de causa a governadores e prefeitos, entendendo que cabe a essas esferas o poder de decidir sobre isolamento, a partir da área técnica federal, concentrada no Ministério da Saúde. Temos duas, no máximo, três semanas para vermos o desfecho dessa pendenga. O pano de fundo para a vitória dessas linhas de ação será o próprio cenário nacional e internacional da pandemia. Bolsonaro, a essa altura, surge na paisagem das Nações como o governante mais destrambelhado da atualidade. Não será fácil redecorar sua imagem.

E a economia?

Há uma parcela ponderável de pensadores - empresários, economistas, comerciantes - que sinalizam a necessidade de se cuidar da economia. Não deixar que o remédio se transforme em veneno. Daí a urgência em amparar os setores mais frágeis, os trabalhadores informais, o pequeno comércio, os prestadores de serviços. Sem produtos essenciais no mercado, os consumidores poderão criar uma rebelião. Uma catástrofe dentro da catástrofe. Daí a necessidade de adotar o bom senso. As duas vertentes - saúde do povo e saúde da economia - podem ser trabalhadas simultaneamente. Não são excludentes. O importante é que o STF e o Congresso já deram sinal verde para se gastar o que for necessário, saindo da Lei da Responsabilidade Fiscal.

São Paulo

O governador João Doria, de São Paulo, está praticamente voltado para administrar a pandemia no Estado. Todos os dias, em regime de mutirão permanente, faz reuniões, libera recursos, inspeciona hospitais de campanha que estão sendo instalados sob a ordem de urgência, dá entrevistas coletivas, em total transparência. Tem sido bastante elogiado por sua agilidade e conjunto de medidas adotadas. Trabalha em consonância com o prefeito Bruno Covas, que já transferiu sua cama para o próprio gabinete na prefeitura. O que provoca por parte dos adversários ataques com a sordidez das emboscadas. Cenas ocorridas há muitos, do tempo em que Doria dirigia a Embratur, mentiras e versões maldosas. A fábrica de destruição de reputações, alimentada por figuras plantadas no centro do poder, trabalha as 24 horas do dia.

Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel também lidera o exército de combate à epidemia. Inclusive, mostra-se disposto a estender a quarentena. Vê-se ali uma clara divergência entre o prefeito Marcelo Crivella e o governador. O prefeito alia-se ao presidente Bolsonaro e a seus filhos.

Minas Gerais

Uma dúvida é sobre o que pensa o governador de MG, Romeu Zema. Foi o único do Sudeste que não assinou um documento encaminhado ao governo Federal. Nos últimos dias, deu sinais de recuo e tende a concordar com o isolamento social.

Nordeste

Já os governadores do Nordeste estão unidos nas estratégias e ações. Fecharam posição a favor do isolamento social e pleiteiam recursos do governo Federal. A poderosa bancada nordestina oferece respaldo ao conjunto de governadores.

Bruno, sensível aos empregos

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, decidiu manter os serviços de limpeza na cidade, por entender que eles propiciam enorme contribuição ao combate à disseminação da pandemia do novo coronavírus, além de manter a empregabilidade e a renda de milhares de pessoas das classes sociais menos favorecidas. Por isso, o SEAC (Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação no Estado de São Paulo), ao lembrar que o setor é o maior fomentador de emprego e renda do país, encaminhou um documento com os agradecimentos à sensibilidade do chefe da municipalidade.

Fantasma do desemprego

Diz o texto, assinado por Rui Monteiro e Carlos Guimarães, respectivamente presidente e vice-presidente do sindicato: "a atividade tem enfrentado dificuldades severas para a manutenção do emprego e renda de seus colaboradores em decorrência da decretação de confinamento da população, que vive um isolamento social jamais presenciado. Reconhece que esse isolamento é indispensável para o combate à pandemia e causa danos severos à população paulista, não apenas pela contaminação e suas consequências à saúde, mas também pelo fantasma do desemprego e ausência de renda para o sustento das famílias". Ressalta que o prefeito determinou a manutenção regular dos pagamentos dos contratos, como medida a contribuir para a manutenção do maior volume de empregos, evitando demissões em larga escala.