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Porandubas nº 664

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Atualizado às 08:04

Abro a coluna com a sabedoria de José Maria Alkmin, uma das mais afamadas raposas da política mineira. Serve de adjutório para que suportemos com mais tranquilidade esses momentos tormentosos da pandemia.

Em tempos de forte crise político-econômica, ele ensinava:

- Calma, gente, a crise não atacará de forma tão violenta como se proclama. Cada um vai vivenciá-la de modo diferente. Se durar 6 meses, passaremos boa parte do nosso tempo dormindo. Em outras ocasiões, comendo e bebendo. Outro naco de tempo será dedicado a conversas (atualizo: usando o WhatsApp e redes sociais). Teremos muito tempo de lazer - leituras, filmes. E mais, gente: a crise será vivida dia a dia, dia a dia. Suavemente....

A crise se aprofunda

Ao que tudo indica, a índole do presidente da República é imune ao bom senso. Quando se tem a impressão de que não haverá repetição de eventos negativos, perpetrados por Sua Excelência, eis que as coisas se repetem. No Dia do Soldado, o presidente foi para a frente da sede do Exército em Brasília, o Forte Apache, para se juntar aos manifestantes em ato contra o Congresso Nacional e contra o STF. No Dia da Imprensa, no último fim de semana, o gesto se repetiu em manifestação de simpatizantes em carreata na Esplanada dos Ministérios. O foco foi novamente Congresso e STF. Foram cometidas agressões contra jornalistas. Bolsonaro disse que sua paciência se esgotara. E que não iriam dar um golpe contra ele. Os ânimos estão acirrados.

O poder é todo dele

O presidente carrega uma expressão recorrente: ele é quem manda e o poder é dele. De nomear, demitir, etc. Mas quando os princípios da impessoalidade e da moralidade na administração pública são atingidos, a autoridade, seja que cargo ocupe, é chamado às barras da Justiça. Foi por isso que o ministro Alexandre de Moraes acatou a liminar impetrada pelo PDT para sustar a nomeação do sr. Alexandre Ramagem para a Superintendência da PF. Acabou sendo nomeado um outro Alexandre, Rolando, que era o braço direito do Ramagem na ABIN. E a posse não foi aberta ao público. Interpretação: o presidente terá todo o controle que deseja sobre a PF.

Mais militares

Se somarmos os militares que trabalham no Ministério da Defesa, o número que ocupa cargos no Executivo deve ultrapassar três mil. O capitão militariza a estrutura administrativa para evitar a pressão dos partidos que querem cargos no governo, a partir das siglas que formam o Centrão. Nesse sentido, cria um escudo protetor. Como os partidos reagirão? Ficarão conformados com os postos menores? Que tamanho de base parlamentar Bolsonaro pretende compor? Afinal, o tal presidencialismo de coalizão terá alguma continuidade no governo Bolsonaro? Só depois da pandemia, a verdade preencherá as perguntas.

Blindagem?

A pergunta, porém, que não quer calar é: ante um cataclisma, algo extraordinário, por exemplo, a possibilidade de um impeachment, a fortaleza militar daria efetivamente proteção ao presidente? À primeira vista, permanece a impressão de que uma sólida barragem tem condições de sustar eventuais rompimentos do açude. Os militares assegurariam a continuidade do governo? A resposta não é assim tão simples. Depende. Primeiro, há de se fazer a distinção entre militares da ativa e da passiva. Estes últimos são considerados civis fazendo parte da administração.

A Constituição

Já os generais da ativa têm proclamado estrita obediência aos preceitos constitucionais. O ministro da Defesa soltou até uma nota nessa direção. Portanto, se houver esta condição, não entrariam na guerra parlamentar. Há, ainda, o clima a ser vivido pelo país nos próximos tempos: o estado da economia, a insatisfação/satisfação social, a mobilização das ruas, o empresariado, as lideranças institucionais, o Judiciário e, claro, a disposição do Parlamento. O fato é que o Imponderável paira sobre nossas cabeças.

Banalização da morte

Todos dias, a contagem: mais de 100 mil contaminados, mais de 7 mil mortos, hoje, 330, ontem 450. E a assim a escalada da morte exibe seu desfile numérico no meio de nossas tardes quarentênicas. Os números tornaram-se rotina. Vez ou outra, disparam uma exclamação: Meu Deus, quanta gente morrendo. A 200 metros um hospital de campanha, todo coberto de branco. E lá pelo início da atormentada noite, a interrogação sobe à cabeça: será que a Covid-19, ali tão pertinho, não sobe até aqui carregado por esse vento outonal? Deus nos livre. E, com medo e dúvidas, o sono aparece tropeçando no turbilhão de dúvidas.

Lockdown?

Se a pandemia subir aos píncaros, o governador João Doria (SP) e o prefeito da capital, Bruno Covas, pensam decretar lockdown. Nesse caso, seriam proibidas saídas de automóveis, todo tipo de aglomeração, obrigando-se o uso de máscaras, só funcionando os serviços essenciais, enfim, um arrocho na quarentena. Aliás, ontem, terça, Doria baixou decreto exigindo máscaras para todas as pessoas que circulam nas ruas. Minha rua mostra-se vazia. Vazia? Que nada. Um carro ali, outro acolá, uma pessoa sem máscaras, duas, dez, contei em menos de dois minutos. Difícil reprimir a índole do homo brasiliensis, um péssimo cumpridor de normas. Farrear, sim, até nos cemitérios. O fato é que o desfile da morte mostra na primeira fila um ministro, grande médico, Nelson Teich, com cara de atoleimado. Parece navegando nas nuvens do pensamento. Sem rumo. Nem plano.

O "novo normal"

Já escrevi muito sobre os dias de amanhã. Os meus leitores que o digam. Não vou usar minha bola de cristal. Mas ninguém pense em fazer as mesmas coisas, à moda a antiga, da maneira como viveu até agora. Façam esta reflexão: como serei eu amanhã? Como posso e devo mudar?

Farei ou faremos?

Mudanças drásticas nos verbos de campanha eleitoral, considerando que o pleito, pelo visto, será adiado para 15 de novembro. Arquivem o individualismo, a primeira pessoa. Substituam o "farei isso e aquilo, prometo alhos e bugalhos, fiz isso e farei aquilo" por um discurso participativo: "faremos isso e aquilo, corrigiremos isso e aquilo, vamos governar juntos".

Participação social

Se há uma consequência que soma os componentes das três crises em curso, esta é o avanço da participação social no processo político. Saturada de promessas não cumpridas, indignada com a má qualidade dos serviços públicos, descrente com as figuras que, periodicamente, aparecem no cenário como "salvadores da Pátria", a sociedade decide participar com mais força do sistema de decisões.

A autogestão técnica

Em alguns países, este direcionamento é bem desenvolvido, ganhando a designação de "autogestão" técnica, pela qual as pessoas escolhem seus objetivos e os meios para alcançá-los, não aceitando mais a tutela dos políticos. O sentimento é de que a água transbordou no copo. Tal tendência exibe maior organicidade social. Grupos, núcleos, setores, desencantados com os obsoletos e tradicionais padrões de operar a política, querem, eles mesmos, definir suas ações.

Poder centrípeto

A sociedade se organiza em entidades de referência, como sindicatos, associações, federações, grupos e movimentos, novos núcleos de poder. Uma força que nasce nas margens, ensejando o que podemos chamar de "poder centrípeto", em contraposição ao "poder centrífugo", este formado pelas instituições centrais, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O eleitor raciocina: se meu representante ou o governante não conseguem atender as necessidades, vou bater na porta de minha entidade. Sob tal configuração, desenvolver-se-á a ação da política no Brasil, com alteração de comportamentos, mudança na feição dos protagonistas.

Oportunidade de mudar

A democracia participativa finca estacas profundas na seara social. O que vai reforçar os três instrumentos que, hoje, a ancoram: o referendo, o plebiscito e o projeto de lei de iniciativa popular. Aparece aqui um dos significados da expressão japonesa para a palavra crise: oportunidade. Extrair das crises a oportunidade para o se refazer o seu modus faciendi da política.

E a saúde do capitão?

Este analista tem opinião de que o capitão não teve a Covid-19. É uma carta na manga. Se a Justiça insistir na ideia de pedir seus exames, ele tirará a carta do bolso e dirá: "está aqui. Viram que não menti?". Será consagrado pela galera que o aplaude. A imprensa, que tanto faz cobranças, será execrada pelos bolsonaristas. O capitão faz um papel. P.S. Se os exames mostrarem que ele foi contaminado, perderia toda a autoridade. A desconfiança abateria seu estoque de imagem. Não enfrentaria esse risco.

Glutão

E o Centrão? Vai esticar a nota de cobrança por cargos? É tão glutão, a ponto de mandar a opinião pública às favas? Com a palavra, seus líderes. Minha visão é a que a sociedade tende a se manifestar ante um banquete pantagruélico.

Cuidado, governantes

Governantes, quando se cercam de uma corte de bajuladores, tendem a criar uma camada de insensibilidade. Deixam de perceber as críticas que começam a ofuscar sua imagem. São imbuídos do espírito do "eu sei, eu posso, eu quero assim, muito obrigado, mas sei disso melhor que vocês". Emerge desse caldo de autossuficiência um conjunto de valores negativos: arrogância, orgulho, falta de modéstia, ambição desmesurada, narcisismo, onipotência. Nesse momento, eles avocam todos os espaços de comunicação para enaltecerem uma imagem que começa a descer o precipício.