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Porandubas nº 719

quarta-feira, 9 de junho de 2021

Atualizado às 08:05

Abro a coluna de hoje com uma historinha do Paraná.

Conversa de jardim

Manuel Ribas, interventor no Paraná (1932/1935), depois governador (1935/1937), despachava no palácio, mas gostava de morar em sua casa. Bem cedinho, chega um rapaz e encontra o jardineiro regando o jardim:

- Seu Ribas está? Sou filho de um grande amigo dele. Meu pai me mandou pedir um emprego a ele. Eu podia falar com ele?

- Poder, pode. Mas, e se ele não lhe arrumar o emprego?

- Bem, meu pai me disse que, se ele não arranjasse o emprego, eu mandasse ele à merda.

- Olhe, rapaz, passe às 4 da tarde lá no palácio, que é a hora das audiências, e você fala com ele.

Às 4 horas, o rapaz estava lá. Deu o nome, esperou, esperou. No salão comprido, sentado atrás da mesa, o jardineiro. Ou seja, o governador. O rapaz ficou branco de surpresa.

- O que é que você quer mesmo?

Repetiu a história. "Meu pai me mandou pedir um emprego ao senhor".

- E se eu não arranjar o emprego?

- Então, seu Ribas, fica valendo aquela nossa conversa de hoje de manhã, lá no jardim.

Cordão esgarçado

O cordão umbilical que ligava Jair Bolsonaro ao Exército está esgarçado. Não a ponto de se romper, mas deixando a ver fiapos. A entrevista do ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, passando uma toalha sobre a ferida, pode ter acalmado a cúpula das FFAA, mas a sensação é a de que altas patentes - da ativa e da reserva - estão aborrecidas com o affaire Pazuello, ou seja, com o deixa pra lá que o comandante do Exército determinou ao não dar punição ao ex-ministro da Saúde por ter participado de ato político por ocasião da motociata no Rio de Janeiro.

Afastamento

Multiplicam-se as vozes que interpretam as constantes falas do presidente sobre eventuais fraudes a ocorrerem no processo eleitoral de outubro de 2022 como aceno longínquo a "um golpe" engendrado pelo sistema cognitivo do capitão. Vocação para o embate, cooptação do "meu exército", culto ao passado de chumbo, esforço quase diário para endurecer a linguagem e animar suas bases- seria o pano de fundo da maquinação. Parcelas das Forças, porém, parecem querer distância da política. Sob pena de verem naufragados todos os esforços realizados nas últimas décadas na meta sempre almejada de impregnar sua imagem com densa camada de profissionalismo.

Haveria condições?

Não é fácil responder à questão: haveria condições para um ato golpista? Ora, não se trata apenas de querer e fazer. Trata-se de querer e poder. O conceito de poder, nesse caso, abriga ponderáveis - elementos determinantes e componentes - que ultrapassam os limites de uma visão conservadora, ideológica, radical. De direita ou de esquerda. Estariam em jogo o estágio civilizatório do país, o grau de amadurecimento político, o estado geral da economia, a satisfação/insatisfação das classes sociais, a organicidade social, a pressão dos grupamentos organizados, o rolo compressor das classes médias, a fome e a miséria e a vinculação das mazelas sociais às administrações. E quem diria que o clamor social, em uma crise, seria a favor de um golpe desferido pelo governante do dia? Seja quem for?

O Brasil no mundo

Outra face a se contemplar seria a do papel do Brasil no mundo, a inserção na ordem planetária, seus parceiros e compromissos, suas políticas em todos os campos, moldura que certamente impactaria na hora de desfechar um golpe. As FFAA são integradas por perfis de alta qualificação, figuras que vão a fundo na análise das revoluções e contrarrevoluções. Imaginar que um golpe é um ato vapt-vupt sacramentado pela sociedade organizada é pensamento de ignaros e radicais, que têm soluções guardadas no bolso furado ou em mente distorcida.

Terceira via? É cedo

A esta altura, políticos e analistas estão dando à polarização entre direita e esquerda, Bolsonaro e Lula, como coisa certa e acabada. Não compartilho desta tese. É muito cedo para definir rumos. O vento que hoje corre numa direção tomará outros rumos amanhã. E sabendo como se faz política no Brasil, nada se define de antemão. Peru não morre de véspera. Os finais de história são decididos em instantes finais. O Senhor Imponderável costuma nos visitar. E o país está com um imenso vazio a ser ocupado no meio da sociedade. Que processos cognitivos poderão ocorrer? Faço curtas observações.

Instinto de sobrevivência

Sergei Tchakhotine, cuja obra A Mistificação das Massas pela Propaganda Política é meu livro de cabeceira, lembra os quatros instintos estudados por Pavlov: a) o instinto combativo; b) o instinto nutritivo; c) o instinto sexual e d) o instinto paternal. Os dois primeiros ligados à conservação do indivíduo e os dois últimos relacionados à preservação da espécie. Fiquemos com os dois primeiros. O ser humano combate para sobreviver. Ante uma ameaça, pega a arma mais próxima para vencer o inimigo. Vê-se acuado. Duas feras tentam abrir a bocarra em sua direção. Como sair? Ora, se a saída da emboscada é o aceno de uma pessoa que aparece na paisagem de medo e horror, ela corre, pressurosa. O salvador o chama: corre pra cá, corre pra cá. Ela aceita e foge na direção do figurante, que parece a única alternativa para escapar da enrascada.

O figurante

E quem seria esse figurante? Ora, alguém que o desesperado até então não conhecia. Só o viu até deparar com a ameaça fatal de duas feras de boca arreganhada. Uma pessoa nova nesse canto da floresta, com jeito de ser gente do bem, disposta a ajudar o medroso a fugir do perigo. Esse figurante não ocupava espaço central na paisagem e foi se aproximando, chegando. Seria a melhor opção. Ou seja, era um terceiro lugar por onde se refugiar. Lá estaria ele com seu aceno: um homem ou até uma mulher (sim, não se descarta essa possibilidade), com jeito de que não é caçador voraz como outros da floresta política. E em que tempo poderia aparecer? Março, abril, maio? Até as convenções partidárias.

A barriga

Atentaram para o segundo impulso ligado à sobrevivência? Pois é, o instinto nutritivo. Ou seja, as pessoas vão buscar no alimento a seiva da vida. Sem alimento, o ser humano não sobrevive. Donde tenho insistido na equação BO+BA+CO+CA= Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. Se as famílias brasileiras estiverem com suas barrigas satisfeitas nas margens de outubro de 2022, podem, até, caminhar na direção de uma das feras da floresta, no caso, o governante que proporcionou o alimento. Mas se as barrigas estiverem roncando, o desesperado faminto e seus vizinhos tenderão a correr na direção do figurante que acena com a saída. Este consultor acha que a pandemia implicará refluxo da economia, não havendo tempo para sua recuperação até outubro de 2022. Dito isto, emerge a hipótese: a terceira via será viável.

Kassab, o articulador

Gilberto Kassab tem demonstrado ser um dos mais hábeis articuladores da política brasileira. Nesses tempos de pandemia, com CPI da Covid e seus reflexos, Kassab tem se desdobrado para adensar o seu PSD, atraindo nomes de alto coturno, como Eduardo Paes, prefeito do RJ, Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara, possivelmente Geraldo Alckmin, ex-governador de SP, e outros. Ex-ministro dos governos Dilma Rousseff e Michel Temer, Kassab é ponderado, sabe ouvir, tem palavra firme e joga todo tempo na costura de situações. Será parceiro fundamental na montagem das peças do pleito de 2022.

Muito sigilo

O processo envolvendo o ex-ministro Pazuello no ato político do presidente Bolsonaro ganhou um século para vir à tona. Isso mesmo, alto segredo de Estado. 100 anos sob uma capa de silêncio.

Mozart

Esta Coluna presta uma homenagem especial a um amigo que parte: Mozart Vianna, o braço direito de 12 presidentes da Câmara há quatro décadas. Educado, afável, voz baixa, competente, sabia o regimento da Câmara do capítulo 1º ao último. "Meu amigo, me explique esse PL". Cerimonioso: dava todas as explicações. E sempre acrescentava: "leio todos os seus artigos semanais". Que tristeza. P.S.: Faço observação do ex-deputado, sociólogo, grande pensador e amigo Paulo Delgado: "No Brasil, infelizmente, o elogio vem sempre em hora errada".

Fecho com um "causo" de Pernambuco.

O verbo não "vareia"

A Câmara Municipal de Paulista/PE vivia sessão agitada em função da discussão de um projeto enviado pelo prefeito, que pedia crédito para assistência social. Um vereador da oposição combatia de maneira veemente a proposição. A certa altura, disse que "era contra o crédito porque a administração municipal não merecia credibilidade". O líder da bancada governista intervém, afirmando que "o nobre colega não pode jogar pedras no telhado alheio, pois já foi acusado de algumas trampolinagens".

- Menas a verdade - retrucou o acusado. Sou homem honesto, de vida limpa.

- Vejam, senhores, - disse o líder - o nobre colega, além de um passado nada limpo, ainda por cima é analfabeto, pois, "menas" é verbo, e verbo não "vareia".