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Porandubas nº 734

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Atualizado às 08:13

Voltei reanimado

Porandubas está de volta, depois de um bom tempo fora do ar. Recolheu-se, como o profeta Zaratustra, para analisar as curvas da vida e prenunciar os tempos de amanhã. Para não perder o costume volta com uma historinha do coronel Juca Peba, da PB.

O coronel Juca Peba

Desconfiado e matreiro, o coronel Juca Peba não era de muita conversa. Tinha dinheiro, e muito, guardado sob o travesseiro. Até o dia que inauguraram a Agência do Banco do Brasil, em Cajazeiras. A gerente foi procurar o coronel Juca Peba com o argumento:

- Coronel, bote o dinheiro no banco. Vai ser guardado, bem guardado, e vai render juros.

Depois de muita conversa, e muitos cafés no varandão da casa, o coronel, ainda desconfiado, foi ao banco com 100 contos numa bolsa de couro. Tirou devagar o pacote. Contou. Uma, duas, três vezes. Depositou. Matreiro, ficou na espreita, na calçada, olhando, espiando o movimento do banco. Para ver se aquele troço não era tramoia. A desconfiança aumentou. Entrou no banco. Foi ao Caixa. Ordenou:

- Quero os 100 contos que eu botei aqui. Já.

Aflito, o bancário foi buscar o dinheiro. O coronel pegou o maço. Conferiu. Uma, duas, três vezes. E devolveu, sob a expressão juramentada:

- Eu só queria mesmo conferir. Pode guardar.

Eliot

"Somente aqueles que se arriscam a ir longe têm possibilidade de saber até onde podem chegar" ( T.S. Eliot).

A vida é um eterno retorno, na percepção do profeta Zaratrusta, de Nietzsche. Em sua obra, o conceito do Eterno Retorno refere-se aos ciclos repetitivos da vida, eis que a humanidade está sob a conjugação de um aglomerado de eventos, coisas que ocorreram no passado, acontecem no presente e se repetirão nos dias de amanhã. Tragédias, guerras, acidentes/incidentes revelam um continuum de fatos repetidos dentro de um planeta formado por polos opostos e incongruentes. O Brasil não tem sido o mesmo. Explico.

Um novo olhar

Basta um olhar mais acurado para perceber que, apesar dos pesares, o país tem crescido alguns milímetros em sua dimensão sociopolítica. Não se trata de fazer uma medição quantitativa no vocabulário pronunciado todos os dias por especialistas: reformas, avanços, índices que avaliam as taxas de progresso. Se olharmos para isso, é claro que constataremos que o país é um deserto de areia, como se percebe hoje, nos rios que mostram seu leito, nas réguas que medem a quantidade que secou, na crise hídrica que virá pela frente? Virá ou já veio? E se começar a chover?

Sociedade mais participativa

Vejamos o que vi nesse mês em que estive fora a partir da sociedade. Está mais ativa. Acompanha o disse-disse nas TVs, toma partido e fica em silêncio, o que não significa desinteresse. Pode até ser manifestação de desprezo, o que é um símbolo dos nossos tempos, uma atitude de distanciamento da mesmice e promessas não cumpridas. E há os manifestantes que participam de maneira mais contundente, nas ruas, bares e escritórios, usando uma expressão dura e não raro cheia de baixo calão. O fato é que esses movimentos de aparente não participar ou participar de maneira mais envolvente indicam que o brasileiro, nos últimos tempos, tem se tornado mais político.

A pedra vai ficar no cume

Já houve tempos que preguei, até nessa coluna, que o Brasil era o país de Sísifo. Como conta a lenda, Sísifo, rei de Corinto, foi condenado a passar uma temporada no Hades, por ilícitos cometidos, achava que poderia enganar os deuses. Em um gesto de clemência, as divindades permitiram que retornasse à terra para expurgar seus erros. Impuseram uma condição: voltar ao novo habitat depois de curta licença. O espertalhão desapareceu. Os deuses mandaram três emissários procurá-lo e, ao regressar, aplicaram-lhe o castigo: carregar uma imensa pedra sobre os ombros até o cume da montanha. Tarefa que jamais conseguiria completar. Prestes a cumprir a missão, a pedra resvala dos ombros e rola ao sopé da montanha. Exercício que Sísifo repetirá por toda a eternidade. Há quem diga, em tom de chiste, que o Brasil tem semelhança com a execrável figura. Pois bem, a pedra agora levada pelos braços da sociedade, vai chegar ao topo da montanha e não desmoronar.

A lei vai vingar

As leis não vingam ou são descumpridas. Diz-se que há quatro tipos de sociedade no mundo. A primeira é a inglesa, a mais civilizada, onde tudo é permitido, salvo o que é proibido. A segunda é a alemã, sob rígidos controles, onde tudo é proibido, salvo o que é permitido. A terceira é a totalitária, pertinente às ditaduras, na qual tudo é proibido, mesmo o que é permitido. E, coroando a tipologia, a sociedade brasileira, onde tudo é permitido, mesmo o que é proibido. Ora, mais uma vez teremos um teste pela frente: a CPI da Covid dará resultados? Dará, ao contrário dos incrédulos que pensam o contrário. Pode ser que não chegue ao impeachment do presidente. Matéria complexa. Mas haverá algum tipo de punição para os envolvidos ante eventuais provas. A PGR não arquivará o relatório. Mais uma observação que mostra que a sociedade está de olhos acesos.

Há possibilidade de golpe?

Não vejo. Primeiro, temos um agrupamento das Forças Armadas que respira ares profissionais. Não temos o clima de 1963/1964. Ademais, o brasileiro tem um caráter que se distancia de situações de golpe ou rupturas drástica. Pinço o mestre Gilberto Freyre: "Considerada de modo geral, a formação brasileira tem sido, na verdade, um processo de equilíbrio de antagonismos. Antagonismos de economia e de cultura. A cultura europeia e a indígena. A europeia e a africana. A africana e a indígena. A economia agrária e a pastoril. A agrária e a mineira. O católico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho. O paulista e o emboaba. O pernambucano e o mascate. O grande proprietário e o pária. O bacharel e o analfabeto". Para os brasileiros, a virtude está no meio.

O meio da pirâmide

Quer dizer que o analista acredita na viabilidade de uma terceira via? Sim. Os momentos de ruptura que poderiam conduzir a um estado de exceção haverão de considerar a moldura internacional e um Estado em situação de crise aguda. Já o isolamento do Brasil no COP 26 é um fato extremo. Incrementar as crises que enfraquecem o país é suicídio, de forma que o país haverá de repor o mínimo consenso. Mais cedo ou mais tarde. Sob pena de ameaçar a própria existência humana no planeta. Bolsonaro faz estripulias de amedrontar o capeta e parece que até gosta disso. Mas a ficha deve cair um dia. Sem um pouco mais de moderação, será tragado pelas circunstâncias que cria e expande. Não há nomes que, por enquanto, podem viabilizar o meio da pirâmide. Sergio Moro tem um bom patamar, mas ainda sofre com a onda discriminatória. Rodrigo Pacheco é um nome que não pode ser posto à margem.

As novas abordagens

No campo das doutrinas, o planeta está à procura de um rumo. As doutrinas, como flores velhas, passam a murchar, fazendo fenecer as utopias, estiolando as vontades cívicas e maltratando valores fundamentais do Humanismo. O esforço humano voltado para prover a sociedade com mais abundância de bens e serviços serve também para instrumentalizar a política, ajudando a arrefecer as lutas ideológicas e a atenuar as batalhas políticas. A ideologia cede lugar ao pragmatismo. As antigas clivagens ganham novos paradigmas. A antiga luta de classes perde lugar no novo cenário da sociedade de consumo. A sociedade incorpora novos escopos - dentre eles, a tecnetrônica, reunindo a tecnologia e a eletrônica, cujos eixos apontam para a explosão da economia de serviços; o predomínio de especialistas e técnicos; a emergência do saber teórico como fonte de inovação e de elaboração política da sociedade; a multiplicação dos saberes autônomos; e a maior organicidade dos grupamentos sociais.

Os partidos

Decresce a densidade ideológica da competição política e se expande a tecnoburocracia; os grupos sociais aproximam suas convergências; os problemas de natureza técnica se sobrepõem às contundentes questões sociais; e os aparelhos do Estado burocrático monopolizam as informações. No campo partidário, as consequências são concretas e visíveis, a partir do estiolamento doutrinário, arrefecimento ideológico e consequente declínio dos partidos políticos. Os partidos de massas, que nasceram sob o signo das lutas operárias, mudaram seus paradigmas, modificando-se qualitativamente, moderando atitudes, ajustando-se aos contextos econômicos, integrando-se à expansão econômica, atenuando seu fogo ideológico.

O tamanho do Estado

O Estado tende a ampliar seu papel como fonte de direitos e como arena de participação. Serve apenas como instrumento de controle e regulação econômica. Pinço, aqui, reflexão feita por José Murilo de Carvalho a propósito da questão. Ele receia que estejamos diante de um fato: o deslocamento da Nação como principal fonte de identidade coletiva. Quando o Estado tem seu papel diminuído em detrimento de mecanismos de controle (sob a égide de organismos internacionais), o que se pode esperar é um impacto sobre os direitos políticos dos cidadãos.

A força do mercado

O liberalismo renovado insiste na importância do mercado como mecanismo autorregulador da vida econômica e social, e, por consequência, no próprio papel tecnoburocrático do Estado. Sob esse prisma, o cidadão encarna o perfil do consumidor intensamente preocupado com questões materiais e insensível a sentimentos cívicos. Os valores da solidariedade, do companheirismo, da doçura nas relações humanas, da amizade, da comunhão, do trabalho em equipe, impactadas pela pandemia de coronavírus voltam com força à paisagem.

A micropolítica

Fazendo contraponto emerge a força micropolítica. Comunidades passam a se inspirar pela moeda sonante do pragmatismo, ou seja, a satisfação de demandas imediatas e reprimidas. A macropolítica é substituída pela micropolítica, a política das pequenas coisas, das necessidades próximas aos conjuntos sociais: a iluminação do bairro, a escola próxima de casa, o alimento barato, o transporte rápido e acessível a todos.

Força centrípeta

De lá para cá, das margens para o centro, ganha força a organicidade social, que é um dos fenômenos mais interessantes da contemporaneidade, com reflexos sobre a moldura institucional, é a organicidade social. Em todas as esferas sociais e em todos os quadrantes, formam-se grupos em torno de entidades que passam a intermediar interesses e a fazer pressão. As organizações não governamentais constituem reflexos da onda organizativa da sociedade. As entidades intermediárias, até para dar respostas ao não atendimento das demandas de natureza política, começam, elas próprias, a mobilizar a sociedade, atuando junto aos Poderes, fazendo articulação para escolha de representantes e formando bancadas corporativas.

Apupos e vaias

Os protagonistas estarão mais próximos aos apupos, vaias e aplausos. Vejam o tour de Bolsonaro pela Itália. Tomado por vaias e aplausos. Espraia-se pelos continentes o sentimento de que a política, além de não corresponder aos anseios das sociedades, não é representada pelos melhores cidadãos, como estatuía o ideário aristotélico. A estampa dos homens públicos também se apresenta esboroada. Governantes das mais diferentes ideologias dão efetiva contribuição à degenerescência da arte de governar, pela qual Saint Just, um dos jacobinos da Revolução Francesa, já expressava, nos meados do século 18, grande desilusão: "Todas as artes produziram maravilhas, menos a arte de governar, que só produziu monstros". A frase se destinava a enquadrar perfis sanguinolentos. Mas, na contemporaneidade, canalhice e mediocridade inundam os espaços públicos. Quando Bill Clinton foi flagrado em atitudes não muito litúrgicas nos salões da Casa Branca, o panteão da imoralidade se elevou às alturas. Quando Donald Trump incentiva a invasão do capitólio, é flagrado pelo nobre sentimento norte-americano: o respeito à Constituição.

Biodiversidade

Dito isto, vem a pergunta: onde e como o Brasil evoluirá ao longo dos próximos tempos? Que frentes de progresso e modernidade pode vir registrar? O Brasil tem um tamanho continental. Essa grandeza não será destruída por governantes passageiros. A Nação brasileira, em futuro formando um bloco de potências que provocará profundas mudanças na geopolítica internacional. Que eixo unirá tais países? A defesa do meio ambiente. Hoje esse é um terreno devastado. Mas a sociedade mundial, com sua força centrípeta, ditará as conveniências das Nações. A salvação do planeta será o foco. O patrimônio brasileiro no campo da mega biodiversidade haverá de conferir ao país um prestígio hoje derrubado.