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Porandubas nº 759

quarta-feira, 11 de maio de 2022

Atualizado às 08:15

Recebi uma saraivada de protestos por não ter inserido a historinha que abre Porandubas. Volto ao modelo.

E, como brinde, mais uma historinha no final. Então, aqui vai.

Está "distituído"

O major José Ferreira, cearense dos bons, amigo do padre Cícero, é quem relata: "Há muito matuto inteligente e sagaz, mas também há muito sujeito burro que se a gente amarrar as mãos dele pra trás das costas, ele não sabe mais qual é o braço direito nem o esquerdo... Eu também conheço matuto que, abrindo a boca, já sabe: ou entra mosca, ou sai besteira". O major continua a conversa: "Quando foi criado o município de Missão Velha, a escolha do primeiro intendente recaiu num velho honrado, benquisto e prestigioso, mas muitíssimo ignorante. Cabia-lhe o encargo de declarar instituído o município. Um dos "língua" do lugar seria o orador oficial. Ele, o chefe do executivo municipal, deveria dizer simplesmente: "Está instituído o município de Missão Velha!". Levou quinze dias decorando a frase, e, na ocasião da solenidade, exclamou: "Está DISTITUÍDO o município de Missão Veia".

(Historinha captada pelo bom Leonardo Mota em Sertão Alegre - poesia e linguagem do sertão nordestino).

A conjuntura

Vamos iniciar a coluna com uma análise sobre o tema mais polêmico da atualidade.

O golpe

Analistas e articulistas de todos os calibres passaram a comentar, nas últimas semanas, sobre eventual golpe a ser desfechado pelo presidente Jair Bolsonaro caso venha a perder o pleito de outubro. Seria possível? Quais as condições objetivas para que isso ocorra? Que forças e recursos estariam ao lado do presidente? Faremos algumas observações.

O argumento

O argumento central de Jair Bolsonaro é a fraude no sistema eletrônico de voto. Nos últimos tempos, uma Comissão Especial do TSE, inclusive, com o apoio das Forças Armadas, tem tomado providências para ampliar a transparência do processo, de forma a sanar quaisquer dúvidas e questionamentos. Mas, pasmem, alguns militares defendem que o sistema de apuração tenha dois dutos: um, do próprio TSE, enquanto o outro correria diretamente para os quartéis. Ou seja, uma apuração paralela pelas FFAAs. P.S. O ministro da Defesa, em ofício, já pediu para ficar com ele a vaga na Comissão que cuida da transparência das eleições. Pediu para retirar daquela Comissão o nome do general Heber Portella. O TSE alega que não há "sala escura" no sistema de apuração de votos. Termo usado pelo presidente Bolsonaro.

Sinais

E onde estão os sinais de golpismo? A insistente peroração do presidente contra o sistema eletrônico de votação, contra o TSE e até contra o STF; o protagonismo assumido pelos militares na frente da apuração eleitoral; as manifestações da base bolsonarista em apoio ao chefe; expressões de uns e outros apoiadores do presidente na esfera política, entre outras sinalizações.

Apoio social

Emerge a questão: Bolsonaro contará com a força das ruas? A essa altura, é possível garantir que a maioria da comunidade nacional não daria endosso a uma escalada autoritária com a ocorrência de um golpe. Sem apoio, qualquer iniciativa golpista tende a ser repudiada. Não é possível fazer comparação com 1964 e muito menos traçar cenários de um Brasil ameaçado pelo comunismo. O mundo é outro, o Brasil é outro, o pensamento nacional mudou muito.

Imagem do país

No planeta globalizado, os países se alinham de acordo com interesses comuns, visões ideológicas, a índole. E a teia de interesses do nosso país abriga, hoje, potências econômicas e comerciais, identidade de propósitos políticos, na esteira de uma interpenetração ideológica. A imagem do Brasil iria ao fundo do poço, ocasionando pressões e contrapressões do mundo civilizado, se houvesse golpe. Não há regime que tenha forte sustentação caso se isole na paisagem internacional.

Alas radicais

É possível afirmar que Bolsonaro, sob o argumento de urnas eletrônicas fraudadas, possa contar com o apoio das alas mais radicais do bolsonarismo. Mas nem todos os grupos bolsonaristas aceitam tal hipótese. Falemos, então, em torno de 15% a 20%, uma minoria. Com a polarização acentuada, é previsível a tensão entre os contingentes que ocupariam as ruas. Não se descarta a hipótese de acidentes/incidentes, inclusive com a ocorrência de vítimas fatais. Ampla mobilização social funcionaria como um paredão de defesa da ordem democrática.

Forças Armadas

O presidente conta com o apoio de uma boa parcela da cúpula militar para realizar seu intento. Sabemos que o esforço de profissionalização das Forças Armadas tem ocorrido de forma gradual, desde o começo da redemocratização, sob a letra da Constituição de 88. Os militares se recolheram à caserna, deixando aos políticos e aos técnicos a missão de administrar a política e a burocracia estatal. Portanto, seria uma forte ingerência a ocupação da seara política pelos militares. Essa inclusão militar na área da política corrói a imagem das Forças.

Ingresso na Administração

Ocorre que o governo bolsonarista encheu os espaços da máquina administrativa com militares de escalões superiores, que deixaram a ativa para receber salários da administração Federal. Tal aproximação produziu uma leva de simpatizantes da continuidade administrativa. Muitos querem continuar com suas tarefas, enquanto outros procuram a própria caminhada eleitoral, tornando-se candidatos em praticamente todos os Estados da Federação. Esse núcleo, que tem assento nas proximidades do presidente no Palácio do Planalto, estará ao lado de Bolsonaro, apoiando suas estratégias.

Cisão na área

Nem todos os membros da cúpula militar topam a aventura golpista. Daí a inferência: haveria uma cisão na caserna. Parte das Forças estaria respaldando o Estado Democrático de Direito. Faltariam, então, condições objetivas para um salto autoritário. Generais e coronéis, aposentados ou na ativa, se alinhariam à ordem social, tentando demover o outro grupo, disposto a uma escalada dura no regime.

A moldura política

Os políticos terão um olho no novo governante e outro, nas ruas. Seguirão os passos da comunidade política. Agirão sob a bússola do pragmatismo. Por isso, se a derrota de Bolsonaro for por larga margem, tomarão posição bem antes da primeira semana de outubro. Entrarão em campo festejando o vitorioso, seja Lula ou outro. Importa saber que ventos do momento sinalizarão o lado em que se postarão os políticos.

Diferenças

Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, mostra um discurso menos engajado que o de Arthur Lira, presidente da Câmara. Olha mais para o futuro, sob o compromisso de defesa do Estado Democrático de Direito. Lira olha para o presente, sob o comando de um grupo do Centrão, que caminha conforme sua orientação.

Economia, o pêndulo

Tenho lembrado e relembrado: a política navega nas águas das circunstâncias. E estas, nos meados do próximo semestre, serão balizadas pelos ventos da economia. Dinheiro no bolso, suficiente para alimentar as barrigas, será determinante na medição da temperatura social. Repito a equação BO+BA+CO+CA? (Bolso, Barriga, Coração, Cabeça).

Brevíssimas...

- O PSD deve liberar as bancadas, não fechando posição no primeiro turno. Em Minas Gerais, o candidato do PSD ao governo, Alexandre Kalil, apoia Lula. Outros líderes do partido, inclusive o presidente da sigla no Estado, senador Alexandre Silveira, dão apoio a Bolsonaro.

- Tarcísio de Freitas (PR), candidato bolsonarista ao governo de SP, transferiu título eleitoral para o Estado há pouco tempo. Cumpre maratona de visitas ao Estado.

- Marcio França (PSB) e Fernando Haddad (PT) tendem a ser candidatos por seus partidos ao governo de SP, impossibilitando uma aliança.

- Os rachas regionais propiciarão palanques múltiplos a Lula e a Bolsonaro. O apoio a Jair deverá ocorrer em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Amazonas e Rondônia. Há movimentos de aproximação no Ceará e na Paraíba. Lula teria palanque múltiplo em mais Estados.

- O papa Francisco numa cadeira de rodas integrará a estética do Vaticano nos próximos tempos. Artrose no joelho.

-Putin não se cansa. Espera a hora de apertar o botão de seu arsenal balístico. Faz ameaças quase diárias aos países da OTAN. Mas, na comemoração da Guerra Cívica, segunda, 9, conteve-se. O desfile militar nas muralhas do Kremlin foi pomposo. E o mundo ouviu um discurso tradicional.

- Putin parece mais pesado e menos vigoroso.

- Suécia e Finlândia estão sendo empurrados por Putin para a OTAN.

- O presidente da Ucrânia, V. Zelensky, tomou gosto pelo degrau da fama. Quase todos os dias dá boas-vindas a celebridades. Essa guerra vai longe.

- Os regimes autoritários ganham força no planeta.

- O mundo se prepara para implantar uma Nova Ordem. O realinhamento ideológico de países fará lembrar os anos nervosos da Guerra Fria. A essa altura, é possível enxergar a China e a Rússia liderando uma das bandas do planeta.

Fechando a coluna.

"Você tá morto, cara"

O caso deu-se São Bento do Una/PE, nos idos de 60. O caminhão, entupido de gente, voltava de um jogo de futebol, corria muito, virou na curva da estrada. Foram todos para o hospital. Uma dúzia de mortos. Lívio Valença, médico e na época, deputado estadual do MDB, foi chamado às pressas. Pegou a carona de um cabo eleitoral, entrou na sala de emergência do hospital e foi examinando os corpos:

- Este está morto.

Examinava outro:

- Este também está morto.

O cabo eleitoral se empolgava:

- Já está até frio.

De um em um, passaram de 10. Lá para o fim, Dr. Lívio examinou, reexaminou, decretou:

- Mais um morto.

O morto gritou:

- Não estou morto não, doutor, estou só arrebentado.

O cabo eleitoral, servindo como paramédico, foi taxativo:

- Você está morto, cabra, quer saber mais que o médico?