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Porandubas nº 779

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Atualizado às 08:24

Abro a coluna com o papo sobre a burrice e a engenharia.

Da burrice e da engenharia

Era uma vez... Viajando pelo interior de Minas, o arquiteto Marcos Vasconcelos encontrou um grupo de trabalhadores abrindo uma estrada:

- Esta estrada vai até onde?

- Muito longe, muito longe, doutor. Atravessa o vale, retorce na beirada da serra, quebra pela esquerda, retoma pela direita, desemboca em frente, e vai indo, vai indo, até chegar a Ponte Nova, passando pelos baixios e cabeceiras.

- Vocês têm engenheiro, arquiteto, teodolito, instrumentos de medição?

- Num tem não, doutor. Nós tem um burro, que nós manda ir andando, andando. Por onde ele for, aí é o melhor caminho. Nós vai picando, picando.

- E quando não tem burro?

- Aí não tem jeito, doutor; nós chama um engenheiro mesmo. 

O arquiteto seguiu adiante filosofando sobre as artes da burrice e da engenharia.

  • Panorama

Haja desconfiança...

Está chegando a hora de conferir resultados. A observação é o propósito da desconfiança que grassa na comunidade polarizada. Este consultor não tem dúvidas. As pesquisas indicam, a esta altura, os vencedores do pleito presidencial, havendo pequena possibilidade de reviravolta no ranking de vitoriosos. Se isso ocorresse, seria o maior desastre no campo das pesquisas eleitorais. Um furo gigantesco. Por não acreditar neste furo, o analista de política aqui se faz presente para traçar cenários do amanhã. Se o furo acontecer, só resta concluir que, em política, o impossível acontece. Sob as asas do Imponderável.

Lula crescendo

Nos últimos dias, a sensação é a de que Lula oscila para cima e Bolsonaro para baixo. O elemento que poderia ainda provocar mudanças nesse final de campanha é o debate amanhã, quinta, na TV Globo. Pode, ainda, alterar situações, mas não a ponto de reverter por completo a posição dos protagonistas. Lula passou a focar no voto útil. Ciro continuou a bater nele e em Bolsonaro. Já este tenta destruir a imagem do ex-presidente. Simone age com ponderação e Soraya usa bem a visibilidade, criando memes com a "vara curta" de Bolsonaro.

Questionamentos

Se a margem entre Lula e Bolsonaro for larga, haverá poucas chances de questionamento. Se os índices forem iguais ou menores que 5 pontos, o presidente ensaiará ampla mobilização de suas bases, com questionamentos e chamada geral para ocupação de ruas. Não aceitará os resultados. Os observadores internacionais, que acompanharão as eleições, serão testemunhas importantes do processo. O mundo dará repercussão a eventuais aglomerações. Este analista não aposta nessa hipótese.

30 por cento

A extrema direita, embalada pelo bolsonarismo, terá protagonismo na esfera política. Tende a manter-se mobilizada, disposta a ganhar papel mais ativo na mobilização social, com voz firme na condução de bandeiras conservadoras. Afinal, os 30% ocupados pelo bolsonarismo constituem um espaço importante a ser ocupado. Bolsonaro, se quiser continuar na arena política, tem condições de liderar sua ala e acompanhar com atenção a frente interpartidária formada no entorno de Lula. Será difícil, porém, manter todos os direitistas sob um único partido. Ficarão dispersos.

PT não será o mesmo

Não se espere do PT a mesma reza da cartilha que guiou seus passos desde a fundação. Para adquirir governabilidade, Lula, como comandante do país, deverá se inclinar de maneira forte em direção ao centro do arco ideológico, única alternativa para evitar a bolha em que se refugiou o PT em todo o seu percurso. O PT aprendeu com seus erros. Deve substituir o "nós e eles" por "todos nós, do centro democrático". Os quadros históricos do partido serão contemplados, até para se preservar consonância, mas novos perfis entrarão em cena.

O papel de Alckmin

Geraldo Alckmin, no papel de vice, não será figura decorativa. Lula passou a ter nele um quadro de confiança e apoio. Principalmente junto a setores do empresariado. Geraldo, se quiser, pode ser até ministro em pasta de importância estratégica, por exemplo, ministério da Defesa, só ultimamente ocupado por militares. Mas sua inserção na articulação política deverá dar o tom de sua atuação.

O papel de Gleisi

Gleisi Hoffmann, a presidente do PT, cumpriu religiosamente o papel que dela se esperava, sendo considerada um polo de aglutinação de interesses. Evitou dissensos e construiu unidade. Tem condição de voltar a compor a equipe ministerial, até para dar vez ao grupo de mulheres petistas na frente governativa.

Mercadante e Zé Dirceu

Aloisio Mercadante, ex-senador e ex-ministro, carro-chefe do programa do governo Lula, este que acabou não sendo mostrado até o momento, também deverá ser contemplado. Exerce boas relações no front da política, mas não é provável que seja inserido na área econômica. Já José Dirceu, que já foi o quadro mais poderoso do PT, abaixo apenas de Lula, para não causar polêmica, deve ser mantido a certa distância, o que não significa alheamento do governo. Dirceu é um experiente leitor de cenários e deverá manter acesos os dois olhos e alimentar o núcleo governativo com ideias.

Presidência das cúpulas

As cúpulas côncava e convexa do Congresso Nacional serão ocupadas por quadros contrários ao novo governo? Rodrigo Pacheco e Arthur Lira teriam condições de pleitear a continuidade nos mandos do Senado e da Câmara dos Deputados? Difícil. Mais provável é a eleição de nomes afinados aos novos governantes, sendo pouco provável que venham a ser lideranças de índole oposicionista. A força de um novo governante, para dar provas de sua efetividade, se revela inclusive na eleição de novos presidentes das casas congressuais.

A composição partidária

Em 2023 veremos uma recomposição partidária a partir dos agrupamentos hoje existentes: esquerda, bolsonaristas e Centrão. A Câmara deve diminuir sua fragmentação. A diminuição da fragmentação virá da extinção de partidos pequenos ou pela sua integração em federações. A extinção de partidos leva à pura e simples diminuição daqueles em atividade. A união em federação, desde que ela atinja a cláusula de barreira, faz com que os partidos continuem existindo, e assim mantenham sigla, identidade e estatutos.

Federações

Contudo, a federação deve durar no mínimo quatro anos e atuar sempre unida - ao contrário das coligações eleitorais, que em regra se dissolviam logo após os pleitos. As federações devem gerar assim, na prática, uma diminuição do número de agremiações dentro do Congresso. As federações hoje inscritas no TSE são: PT, PCdoB e PV; PSOL e Rede; PSDB e Cidadania. Vê-se que a esquerda tradicional preocupou-se em manter sua identidade, pois partidos que deveriam ter problemas com a cláusula associaram-se. Já PSDB e Cidadania definem uma federação de centro-direita. A miríade de partidos da direita, por sua vez, provavelmente vai assistir a extinção de siglas e a migração de deputados "órfãos" para as agremiações restantes.

Para onde vai o PSDB?

Criado de uma costela do velho MDB, o PSDB ainda não sabe que caminhos trilhará. Carece de completa reconstrução, a partir de um claro receituário. Social-democracia? Liberal-democracia social? Que arranjos devem compor sua identidade? A direita se expande aqui e ali. A esquerda ganha uma e perde duas. Qual o figurino que ainda embala a social-democracia mundial? Fernando Henrique, o maior ícone do partido, com a palavra.

SP, o santuário dos vivos

Quem é esperto tem um olho aberto sobre o Estado de São Paulo, que chamo de santuário dos vivos. A densidade eleitoral de São Paulo é tamanha, que acaba despertando a cobiça de oportunistas e aventureiros. Tem 36 milhões de votos. Tarcísio de Freitas, do Republicanos, não soube dizer em que seção eleitoral votava em São José dos Campos. É candidato ao governo do Estado. Rosângela Moro, senhora Sergio Moro, é candidata a deputada Federal por SP. Moro, juiz, é candidato a senador pelo Paraná. Cristiane Brasil, filha de Roberto Jefferson, é candidata a deputada Federal também por SP. Ela mora no Rio. E Eduardo Bolsonaro, o mais votado do Brasil, continuará sendo eleito por SP. Um carioca-paulista. Perguntem a eles onde fica o Tatuapé. Chegarão lá montados num tatu.

O tirano

Maquiavel conta no Livro III dos Discursos sobre os primeiros dez livros de Tito Lívio a história de um rico romano que deu comida aos pobres durante uma epidemia de fome e que foi por isso executado por seus concidadãos. Argumentaram que ele pretendia fazer seguidores para tornar-se um tirano. Essa reação ilustra a tensão entre moral e política. Mostra que os romanos se preocupavam mais com a liberdade do que com o bem-estar social.

Fecho a coluna com Esopo.

Jumento que transportava sal

Um jumento carregado de sal atravessava um rio. A certa altura escorregou e caiu na água. Então o sal derreteu-se e o jumento, levantando-se mais leve, ficou encantado com o acontecido. Tempos depois, chegando à beira de um rio com um carregamento de esponjas, o jumento pensou que, se ele se deixasse cair outra vez, logo se levantaria mais ligeiro; por isso resvalou de propósito e caiu dentro do rio. Todavia ocorreu que, tendo-se as esponjas embebidas de água, ele não pôde levantar-se, e morreu afogado ali mesmo. Assim também certos indivíduos não percebem que, por causa das suas próprias astúcias, eles mesmos se precipitam na infelicidade. (Esopo)