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Porandubas nº 802

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Atualizado às 07:48

Na Semana Santa, uma historinha engraçada.

Ô jardineira...

Numa cidadezinha do norte do Rio de Janeiro, a procissão de Senhor Morto caminhava lenta e piedosa, na sexta-feira da paixão, com o povo cantando, de maneira compungida, os hinos sacros. O velho padre na frente, o sacristão ao lado e os fiéis atrás, cantando as músicas que o vigário puxava. De repente, um pequeno ônibus, antigamente chamado de "jardineira", passou perto e começou a subir a íngreme ladeira da igreja, bem em frente da procissão. No meio da ladeira, a "jardineira" afogou, encrencou, parou, deu aceleradas fortes e inúteis e começou a rodar para trás, de costas. Os fiéis não viram, mas o padre, atento, viu. E ficou apavorado. A "jardineira" já despencava em grande velocidade. O padre gritou:

- Olha a jardineira!

E os fiéis começaram a cantar, em ritmo de samba:

- Ô jardineira, por que estás tão triste? Mas o que foi que te aconteceu? Foi a camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu.

A "jardineira" descambou ladeira abaixo, até que parou. Não atropelou ninguém. Sob o olhar do Senhor Morto! Os fiéis não aguentavam de tanto rir.

(Da coleção de Sebastião Nery)

  • Panorama

Abaixo do patamar

A pesquisa do Datafolha, de certa forma, retrata o ânimo nacional nos 100 dias de governo Lula. Os resultados apontados pelo conjunto de perguntas mostram um patamar de aceitação, avaliação e credibilidade no governo abaixo das expectativas. São resultados aquém dos obtidos por mandatos anteriores de Lula. Mesmo assim, não são resultados decepcionantes. Há margem para melhor avaliação, quando os programas forem executados, aqueles que eram o eixo do Lula I e do Lula II. O grande mérito da atual gestão é ter colocado o país no vértice da governança, puxando os carros do trem para os trilhos. Mas o trem ainda está parado.

Lula irritadiço

O presidente Luiz Inácio, pelo jeito com que discursa, exibe acentuado grau de irritação. Deve estar insatisfeito com a performance de um ou outro ministro, cobra deles iniciativas e ações (o que vocês fizeram), apesar do tranco que deu no sentido de centralizar tudo o que os ministérios fazem, ou seja, quer ações, mas elas devem passar pela mesa de Rui Costa, da Casa Civil. Uma no cravo, outra na ferradura, Lula quer avanço, mas ele mesmo parece segurar os passos. E promete melhorias que os analistas não enxergam. Cometeu erros.

A identidade

Identidade é eixo, vértice, coluna vertebral de um administrador. Sem identidade, o governante tende a ser um dândi tateando na escuridão. Lula sempre construiu sua identidade na seara da proteção aos pobres e marginalizados. Hoje, outras forças exigem que sejam contempladas no caldeirão da identidade. As classes médias, por exemplo. Desassistidas e sem lideranças nacionais que as representem. O atual governo é um ente perdido. Ainda não firmou sua identidade. Será um exercício para um bom equilibrista compor uma identidade, o tronco que sustentará a árvore da administração.

Corpo paquidérmico

Entre os erros de Lula, até o momento, aponta-se a monumental estrutura ministerial, com quase 40 ministros. Deve haver imbricação de funções, atividades se misturando, desconforto pelo fato de que o corpo paquidérmico da administração acabou sugando recursos de algumas Pastas, que existem apenas para satisfazer ao apetite de siglas contempladas com a repartição política de cargos. Lula, nesse ponto, faz contraponto ao que tanto é objeto de desejo: uma reforma administrativa, que deveria enxugar a máquina, lubrificar suas engrenagens, e selecionar quadros pelo critério do mérito.

A força oposicionista

Diferentemente de outros tempos, quando o oposicionismo praticamente sumia após a vitória de um candidato, hoje sente-se um rebuliço nas mais variadas frentes da sociedade. Grupos de oposição abrem a garganta para gritar contra o governo; alas partidárias no Congresso se articulam, abrem a locução, questionam, atiram contra o lulopetismo; nos mais variados ambientes, o governo e seus líderes são objeto de ácidas declarações. Confesso que, em minha vida de analista político, em 100 dias de governo, nunca ouvi tantas críticas aos dirigentes. Aqui e alhures.

Alhures

Nos Estados Unidos, por exemplo, o oposicionismo extrapola a clássica rivalidade entre republicanos e democratas. Donald Trump, que enfrenta sérios problemas com a Justiça, a partir do caso com parceira sexual, que teria recebido 150 mil dólares para ficar calada, tem um numeroso número de simpatizantes e admiradores. Mesmo sob a ameaça de condenação, continua a receber vivas de apoio. Os escândalos já não têm o poder destrutivo de outrora. Tempos de banalização da criminalidade. Tempos das versões. Tempos das meias verdades. Os falsificadores encontram uma brecha para escapar da lama que neles se joga.

Por aqui...

Por nossas plagas, o escândalo das joias das Arábias está amortecido pelo efeito banalizador. Deu o que tinha de dar. Bolsonaro entregou o rolex cheio de diamantes. O terceiro pacote voltou ao patrimônio público. E a mídia conta que ele recebeu mais de 90 presentes guardados em seus armários. Pois bem, o homem das motociatas continua recebendo aplausos e ganhando selfies. E de muitos lados, ouvem-se seguidores que o consideram "o líder da salvação nacional". Ainda há mentes entorpecidas que enxergam nas esquinas e corredores os fantasmas do comunismo, com suas foices e martelos ameaçando fechar as portas do nosso futuro.

Pai...

Pai, perdoai aqueles que não sabem o que fazem... E a outros que não sabem o que dizem...

Prates e a queimação

Jean Paul Prates, ex-senador pelo RN, é um estudioso das melhores bibliotecas dos combustíveis. Um técnico de alto calibre. Conhece o mundo do petróleo como ninguém. Foi escolhido por Lula para dirigir a Petrobras. E já começa a ser alvo de queimação por áreas do próprio PT, que usam o nome do presidente em suas diatribes. Prates não se livrará tão cedo da maldade e dos bolsões de inveja que cercam sua gestão.

Uma grande democracia

Maurice Duverger, o renomado estudioso francês dos sistemas políticos: "o Brasil só será uma grande potência no dia em que for uma grande democracia. E só será uma grande democracia no dia em que tiver partidos e um sistema partidário forte e estruturado".

Fenômenos da política

Ligeiro pano de fundo que estampa a política. Dois fenômenos.

1. Ascensão da micropolítica - Comunidades passam a se inspirar pela moeda sonante do pragmatismo, ou seja, a satisfação de demandas imediatas e reprimidas. A macropolítica é substituída pela micropolítica, a política das pequenas coisas, das necessidades próximas aos conjuntos sociais: a iluminação do bairro, a escola próxima de casa, o alimento barato, o transporte rápido e acessível a todos.

2. Organicidade social - Em todas as esferas sociais e em todos os quadrantes, formam-se grupos em torno de entidades que passam a intermediar interesses e a fazer pressão. As organizações não governamentais constituem reflexos da onda organizativa da sociedade. As entidades intermediárias, até para dar respostas ao não atendimento das demandas de natureza política, começam, elas próprias, a mobilizar a sociedade, atuando junto aos Poderes, fazendo articulação para escolha de representantes e formando bancadas corporativas.