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Porandubas nº 815

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Atualizado às 08:16

Abro com a matreirice do sábio mineiro JMA.

José Maria Alkmin, um dos maiores sábios mineiros, nunca perdia a tirada. O eleitor chegou aflito:

- Doutor Alkmin, meu filho nasceu, eu estava desprevenido, não tenho dinheiro para pagar o hospital.

A matreira raposa tascou:

- Meu caro, se você que sabe isso há nove meses, estava desprevenido, calcule eu que soube agora.

  • Parte I

A vida é um espetáculo

Hoje, o tema é a violência, que para ser compreendida, carece do desenho da paisagem onde se apresenta. Pinço, para começar, o lembrete do escritor francês Roger-Gérard Schwartzenberg (O Estado Espetáculo):

A política, outrora, era ideias. Hoje, pessoas. Personagens... Cada dirigente parece escolher um emprego e desempenhar um papel. Como num espetáculo.

Vou mais adiante. Não só a política virou espetáculo. A vida hoje é embalada no celofane da espetacularização. Até a violência é espetáculo. Puxa os fios do divertimento. Às vezes, puxa a catarse.

Divertir

Roger-Gérard lembra que divertir significa desviar-se da ocupação. Distrair a atenção. A pessoa é desviada de pensar em problemas essenciais com os quais deveria se preocupar. Pascal, a partir desse conceito, passou a usar a palavra "divertimento", que nos distrai e nos ilude, nos engana. O divertimento político absorve a atenção do público. Daí se extrai uma nova leva de conceitos.

Personalização

A pessoa se sobrepõe à ideia. Figurantes substituem a estrela na hora de ajustar os focos de luz. Na contemporaneidade, o espetáculo tomou conta do Estado. Seus personagens e programas entraram no palco. Até a morte ganhou adereços de espetáculo.

Números da morte

Todos os dias, deparamo-nos com os números da morte. O último grande número foi o da Covid-19, que registrou 700 mil mortes no Brasil. 500, 600, 1 milhão, cifras impactam, mas se nivelam. Morrem amigos. Antigamente, ante a notícia de morte de um conhecido, a reação seria assim: "Que Deus o tenha... puxa, foi embora cedo". A comoção já não tem a intensidade de outrora. Até as 18h40 desta segunda-feira, a população mundial era de 8.051.535.706; 77.910.603 nascidos neste ano; 286.560 nascidos hoje; 35.253.725 mortes este ano; 129.213 mortes hoje; 42.656.879 - crescimento populacional este ano. Até dez minutos atrás. Quem se importa se houver um milhão a mais?

Manchetes do início da semana

Os dados do cotidiano aparecem. Abrimos a semana com as manchetes estampando:

...Agentes celebram e fazem 'contagem de mortes' em operação em meio a relatos de tortura no Guarujá (SP): 'Hoje as pessoas vão morrer'...

...Sniper do tráfico que matou agente em SP deixou ao menos 10 mortos...

...PMS comemoram mortes em massacre no Guarujá.

...Tiro a mais de 50 metros que matou PM da Rota no Guarujá partiu de 'sniper do tráfico'...

...Bahia registra 15 mortos após confrontos entre policiais e suspeitos; arsenal apreendido era exibido em redes sociais.

...Morrem 110 pessoas por dia no Brasil, vítimas da violência.

...Sobe para 54 o número de mortos em atentado suicida reivindicado pelo Estado Islâmico no Paquistão.

Banalização gera amortecimento

Um dos efeitos da exposição diária da violência é a banalização. As gigantescas quantidades de mortes que as mídias registram no cotidiano acabam gerando o fenômeno do embrutecimento, que carrega o amortecimento, a ausência de emoção, surpresa, susto, enfim, a impassividade do leitor/ouvinte/telespectador diante das situações de violência expostas. A falta de comoção social ganha intensidade na paisagem de sangue desenhada pelos atos violentos.

Um incêndio

Costumo pinçar o exemplo do incêndio para focar a catarse que laça os contingentes sociais. Diante de um incêndio que devasta os andares de um arranha-céu, as pessoas vão chegando, chegando, formando uma aglomeração diante do fogo que se alastra. O espetáculo toma conta dos ânimos. As cenas de bombeiros subindo em escadas atraem a atenção. Helicópteros surgem do alto e tentam baixar no teto do edifício para salvar vítimas que correram para o último andar. As pessoas, mesmo sob lamentos e até choro, entram em catarse. "Graças a Deus, não estou ali", pensam em seus íntimos. O incêndio vira um espetáculo, que vai render longa conversa com os familiares ao chegarem em suas casas.

Anomia

Outros fenômenos se juntam para impregnar a alma do vivente. A anomia é um deles. A ausência de lei. A desordem toma o lugar da ordem. E aí, a desordem institucional nos cerca. O estado de anomia começa com a falta de boa fé entre os homens. Ou de confiança. Basta verificar a política de emboscadas que inspira o relacionamento entre os partidos nacionais. Na base governista, as dissensões se acentuam. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário vivem às turras, energizados por visões que parecem inconciliáveis a respeito de temas polêmicos. A impunidade generalizada reforça o sentimento de descumprimento de lei.

As eleições

As eleições, então, constituem uma batalha acirrada, onde não faltam os impropérios, as denúncias contra adversários, a calúnia e a difamação, a compra de votos, a cooptação pelo empreguismo e pela distribuição de benesses. A política, como exercício democrático da defesa de um ideário social, como missão para salvaguarda dos interesses coletivos, está cada vez mais assemelhada ao empreendimento negocial, voltado para o enriquecimento de indivíduos e grupos.

A liberdade comprimida

O conceito de liberdade confunde-se com a baderna gerada pela liberalidade extrema, tocada pela improvisação, pela irresponsabilidade, pela invasão dos espaços privados (MST continua sua política de invasão). Quando o escopo libertário foi esculpido, no bojo da Revolução Francesa, carregava consigo o eixo da promoção dos valores do homem, da defesa dos direitos individuais e sociais, da dignidade e da Cidadania.

O imperalismo disfarçado

O inimigo que se combatia era o Estado opressor, o absolutismo monárquico e a escravização que fazia do ser humano. Erigiu-se o altar das liberdades que, ao longo da história, tem sido conspurcado por outras formas de vilania e torpeza. Na modernidade, a opressão econômica, a subordinação dos valores e princípios espirituais ao prazer das coisas materiais, a miséria absoluta que maltrata parcelas significativas da sociedade, a desigualdade de classes, o descompromisso de governos e representantes do povo para com os destinos da coletividade, entre outros elementos, contribuem para corroer o sentido da liberdade e da dignidade do homem.

A banalização da desordem

A banalização da violência; a morte súbita a que estão sujeitas pessoas de todas as idades, em qualquer região do país; o descumprimento das leis; a falta de parâmetros reguladores que definam responsabilidades nas instâncias públicas; a angústia do desemprego; a frustração das classes médias em constatar rebaixamento em seu nível de vida; e o enriquecimento escandaloso de grupos que se incrustam na administração pública; a política incapaz de promover mudanças profundas no tecido institucional, a corrupção que continua e a impunidade - arrematam o sentimento de que a vida do país é um território de anarquia. Um país desorganizado.

O lamento de Bolívar

Simon Bolívar, em tempos idos, escreveu: "não há boa fé na América, nem entre os homens nem entre as nações. Os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento".

  • Parte II

Raspando o tacho

-O humor de Lula está diminuindo. O mau humor se avoluma sob as dores no quadril e no fêmur.

- Bolsonaro começou a campanha de 2024. Começa a alavancar seus candidatos às prefeituras.

- O governo político anda de forma trôpega. O governo econômico anda a passos firmes.

- Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, é uma estampa em processo de boa visibilidade.

- Quem anda na moita é Gilberto Kassab. Passarinho na muda não pia.

- Trump deverá ser candidato à presidência dos EUA, condenado ou não. E ameaça ganhar.

- Como um preparador físico de um grande time dá um soco na cara de um jogador? Sendo este um dos principais quadros? Estado geral de esculhambação, nos termos da parte I deste texto.

- Dona Janja, a primeira-dama, é figura onipresente em eventos. Não está nem aí para comentários negativos.

- Onde anda FHC? Encolhido? Olhando a cena de bico calado?

- Lula, teoricamente, conta com 370 deputados alinhados ao governo. Na prática, cerca de metade. Muitos esperando o cofre abrir.

- Camilo Santana, ministro da Educação, embola palavras e frases em seus improvisos. Parece natural. O ministro da Educação, porém, carece dar o exemplo.

- Lula entre a cruz e a caldeirinha: a cruz, as invasões do MST sobre áreas privadas e públicas; a caldeirinha, o apetite voraz do Centrão. Lula garante que ele não existe. Mas vem reforma por aí para o grupo indicar seus prediletos.

Fecho a coluna com a Paraíba.

Campina Grande

Num comício em Campina Grande/PB, o grande tribuno Alcides Carneiro falava e foi aparteado por um popular.

- "Campina Grande é de Argemiro!..." ( seu opositor )

De imediato respondeu:

- "Campina, és muito grande para pertenceres a um só homem...".

Cruz das armas

Em Cruz das Armas, na campanha política de 1950, iniciado o discurso de Alcides, o tempo mudou e começou a chover. Motivado, Alcides declarou:

- "Sou recebido com palmas, bênção dos homens e, sob a chuva, bênção de Deus, que umedece e fertiliza o generoso solo da nossa Paraíba".