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Porandubas nº 820

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Atualizado às 08:18

  • Parte I

Análise do regime presidencialista

A coluna, nesta primeira parte, vai se debruçar sobre o nosso regime de governo. Como temos lido, cotidianamente, Lula conversa aqui, conversa ali, para remanejar o ministério e ceder mais alguns nacos ao Centrão. E recebe um, outro e mais outro que vão até ele fazer pressão e indicar candidatos para o STF, o STJ, o TST e para as Cortes Estaduais? Em suma, Luiz Inácio age como um monarca. Daí este escriba carimbar a natureza do regime como presidencialismo de cunho imperial.

As origens

A disposição monocrática de exercer o poder vem, no Brasil, desde 1824, quando a Constituição atribuiu a chefia do Executivo ao imperador. A adoção do presidencialismo, na Carta de 1891 - que absorveu princípios da Carta americana de 1787 -, só foi interrompida no interregno de 1961 a 1963, quando o país passou por ligeira experiência parlamentarista. Portanto, o presidencialismo está fincado no altar mais alto da cultura política.

Benemérito

O poder que dele emana impregna a figura do mandatário, elevado à condição de pai da Pátria, protetor, benemérito. Essa imagem ganhou tintas fortes no desenho de nossa cidadania. Presidencialismo de cunho imperial a caminho da autocracia. Para os mais refinados, o Brasil adota como sistema de governo o presidencialismo de coalizão. A premissa é: quanto mais extensa a aliança em torno do Executivo, maior a probabilidade de seu comandante, o presidente, administrar sismos nas frentes congressuais e garantir a governabilidade.

O estilo europeu

Siglas e blocos, portanto, detêm boa dose de mando na condução do país, mesmo que se reconheça a índole monárquica do presidencialismo brasileiro, que se revela avassaladora nos espaços do Legislativo. A relação de troca é a medida do equilíbrio entre os dois Poderes. O presidencialismo de coalizão alimenta-se da base política e esta come do seu pasto para engordar. É assim o jogo. Por isso mesmo, qualquer tentativa de atenuar a hegemonia presidencial por nossas bandas soa como loas à utopia. O presidencialismo mitigado, ou um parlamentarismo à moda europeia, francesa ou portuguesa, não parece combinar com os traços de nossa realidade política. Sua arquitetura é mais refinada. Seu escopo, mais plural.

Presidente deveria bater o pênalti

A semente presidencialista, como se sabe, viceja em todos os espaços, dos mais simples e modestos aos mais elevados. O termo presidente faz ecoar significados de grandeza, forma associação com a aura do Todo-Poderoso, com as vestes do monarca, com a caneta do homem que tem influência, poder de mandar e desmandar. Até no futebol o presidente é o mandachuva. O chiste é conhecido: como o ato mais importante da partida de futebol, o pênalti deveria ser cobrado pelo presidente.

De presidente para presidente

Em 1980, no final do campeonato brasileiro, o Flamengo ganhou por 3 a 2 do Atlético Mineiro, em polêmica partida disputada no Maracanã. O árbitro expulsou três jogadores do Atlético, a bagunça tomou o campo e agitou os nervos. No fim, transtornado com o "resultado roubado", Elias Kalil, presidente do Atlético, exclamou aos berros: "Vou apelar para o presidente da República, João Figueiredo! Vou falar pra ele de presidente para presidente!" O culto à figura do presidente e, por extensão, a outros atores com forte poder de mando faz parte da glorificação em torno do Poder Executivo. Tronco do patrimonialismo ibérico.

Os ritos da Corte

Herdamos da monarquia portuguesa os ritos da Corte: admiração, bajulação, respeito e mesuras, incluindo o beija-mão. O sociólogo francês Maurice Duverger defende a tese de que o gosto latino-americano pelo sistema presidencialista tem que ver com o aparato monárquico na região. O vasto e milenar Império Inca, com seus grandes caciques, e depois o poderio espanhol, com seus reis, vice-reis, conquistadores, aventureiros e corregedores, plasmaram a inclinação por regimes de caráter autocrático.

O traçado de Marshall

O presidencialismo por estas plagas agrega uma dose de autocracia. Já o parlamentarismo que vicejou na Europa teria inspirado na ideologia liberal da Revolução Francesa, cujo alvo era a derrubada do soberano. Isso explicaria a frieza europeia ante o modelo presidencialista. De acordo com o conhecido traçado do sociólogo Thomas Marshall, os ingleses construíram sua cidadania abrindo, primeiro, a porta das liberdades civis, depois, a dos direitos políticos e, por fim, a dos direitos sociais. Entre nós, os direitos sociais precederam os outros.

A estadania

A densa legislação social (benefícios trabalhistas e previdenciários) foi implantada por Getúlio Vargas entre 1930 e 1945, num ciclo de castração de direitos civis e políticos. Portanto, o civismo e o sentimento de participação ficaram adormecidos por muito tempo no colchão dos benefícios sociais. A imagem do Estado (e a do governante) imbricava-se ontem como se junta hoje. Sob essa configuração, imaginar que o parlamentarismo tenha chance por aqui é apostar que a fada madrinha decidiu deixar o reino da fantasia para nos visitar. Portanto, como já dizia José Murilo de Carvalho, vivemos sob uma estadania, uma cidadania abrigada na sombra do Estado. Temos um "imperador", que age como autocrata. O poder concentrado num único governante.

  • Parte II

Raspando o tacho

- Esta semana devem aparecer mais dois ministérios cedidos ao Centrão, que, aliás, Lula diz que não existe.

- A CPI do MST acaba como um cabo de guerra vencido por ninguém.

- Antes de embarcar para a Índia, nesta quinta, para participar do G-20, Lula participará do desfile do 7 de setembro em Brasília engalanada.

- O G-20 é o principal fórum de cooperação econômica internacional, reunindo as 20 maiores economias mundiais. Caberá ao Brasil coordenar o fórum de economia digital e receber o grupo no país em 2024.

- O ministro José Múcio, da Defesa, tem feito das tripas coração para apaziguar ânimos e acalmar grupos descontentes nas Forças Armadas.

- São Paulo, capital, verá um dos pleitos mais acirrados em 2024. A eleição municipal abrirá o palco mais polarizado do território nacional.

- Cresce o número de artistas, influencers (e profissões assemelhadas) na arena das agressões e violência.

- O ministro Flávio Dino pode ser descartado logo, logo, com eventual nomeação para compor o STF. Assim, teríamos um postulante a menos no pleito de 2026.

- Bolsa Família aumentado será o grande eleitor no pleito municipal. Vai avolumar o governismo.

- Para tanto, Executivo precisará de aval para destravar R$ 318 bilhões. Presidencialismo imperial conseguirá.

- Curiosidade: Jorge Paulo Lemann já não é o mais rico brasileiro no ranking da revista Forbes. É Eduardo Saverin, com fortuna de US$ 17,6 bilhões, superando Lemann e Vicky Safra.

- Ele é o cofundador do Facebook. Saverin também entrou para o clube dos 100 mais ricos do mundo, aparecendo na 91ª posição no ranking geral da revista.

- Mudança à vista: inelegibilidade dos políticos deve se contar a partir da condenação e não após a pena cumprida. Medida está parada no Senado.

- Xi Jinping não irá ao G-20 em Nova Délhi. Motivo? Acirramento de tensões entre China e Índia.

- Clima maluco: temperatura variando 12 a 15 graus por dia. Enchentes de um lado, chuvas de outro. El Niño dando as cartas.

- Semana passada, sexta, Lula foi até os confins do Polígono das Secas, no sopé da serra de minha querida cidade natal: Luis Gomes, na fronteira com Paraíba e Ceará. Foi ver a obra do viaduto que subirá que furará a montanha para levar água a 57 municípios da região. A propósito, o hoje senador Rogério Marinho, então ministro de Bolsonaro, esteve no mesmo lugar para ver a mesma coisa.

- Felicito o povo de minha terra por mais um compromisso dos governantes para o município, mas não posso deixar passar a dica: o Brasil é um eterno retorno. Vemos hoje as coisas de ontem e, com certeza, as veremos também amanhã.