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Porandubas nº 827

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Atualizado às 07:40

Abro o texto com um hilário "causo" de matreirice na política.

Rui Carneiro

Paraibano matreiro, era candidato a senador pelo PSD, em 1955. A UDN tinha apoio dos comunistas. Rui esteve na Europa, voltou, foi fazer o primeiro comício da campanha:

- Paraibanos, estive em Roma com o Papa.

Ele me cochichou:

- Rui, se destruírem meu trono aqui no Vaticano, sei que tenho um grande amigo lá na Paraíba. Vá, dê lembranças à comadre Alice e diga ao povo que estou com você.

Ganhou a eleição.

  • Parte I - A mãe das reformas

A primeira parte da coluna procura analisar a mãe das reformas, a administrativa. Vai ou não vai ser aprovada durante o governo Lula III? Ao leitor, as conclusões.

A reforma administrativa

Fala-se muito de reforma administrativa. E por que não é feita? Ora, porque a parte que puxa o cabo de guerra para o passado ganha de goleada do time que puxa o cabo para a frente. Analisemos. Quem se der ao exercício de contemplar a fisionomia nacional vai deparar com imensos contrastes. Há ilhas de excelência no meio de feudos. Há avanços de tecnologia de ponta ao lado de muralhas do passado.

O mandonismo

Na seara da administração pública, uma burocracia altamente profissionalizada convive com largas fatias do mandonismo político, a denotar o esforço de uns para olhar adiante sob o solavanco de outros que teimam em olhar para trás. Herança civilizatória: o patrimonialismo, a invasão da coisa pública pelo interesse privado. O pensamento de que o cargo público lhe pertence, pelo fato de ter ganho uma eleição, torna o representante uma estaca dos feudos que se implantam nas três esferas da Administração Pública, municípios, Estados e União.

A mãe das reformas

A mãe de todas as outras, antes mesmo da área política, como normalmente se tem propagado, é a reforma do modelo de operação do Estado. Redimensionar a estrutura estatal, conferindo-lhe dimensão adequada para a obtenção de eficácia, significa mudar comportamentos tradicionais, racionalizar a estrutura de autoridade, reformular métodos e, ainda, substituir critérios subjetivos e ancorados no fisiologismo por sistemas de desempenho. Coisa de democracias mais antigas e consolidadas. Coisa de cultura política voltada para o bem-comum.

A meritocracia

A meritocracia é o instrumento adequado para oxigenar, qualificar e expandir a produtividade na administração. As levas de indicações partidárias acabam contribuindo para inchar estruturas, expandir a inércia e as teias de interesses escusos. A proposta começa com a substituição de milhares de cargos comissionados por uma carreira de Estado, à semelhança do que existe em sistemas parlamentaristas, nos quais quadros permanentes, qualificados e motivados são imunes às crises políticas.

O parlamentarismo

Mudam-se os dirigentes, mas as equipes continuam comandando a gestão pública. Aliás, o parlamentarismo, sempre mal explicado por aqui, é o sistema mais adequado para o Brasil. Já o presidencialismo perpetua as mazelas. Cultiva uma "estadania", o sistema que coloca o Estado como o patrão que tudo resolve. Os "estadãos", não cidadãos, dependem das mamatas da vaca leiteira, o Estado. O empreguismo, os lotes de cargos distribuídos entre partidos, fazem parte da liturgia presidencialista.

Reconhecer o mérito

Da burocracia comprometida com o mérito deverão ser cobrados resultados dentro de metas preestabelecidas, reconhecendo-se as qualidades de cada perfil e implantando um modelo de premiação e promoção para motivar as equipes. Não será tarefa fácil alterar a fisionomia da Administração Pública. O atual sistema de loteamento faz parte da velha cultura patrimonialista.

Formar quadros

Sem quadros, qualquer reforma fenecerá. O fortalecimento das áreas de formação, reciclagem e aperfeiçoamento de recursos humanos, voltadas para a operação do Estado, deve ser prioridade. Essas ideias parecem consensuais entre grupos de bom senso da própria Administração Pública. E por que não se aplicam? O que se constata é uma assimetria da organização do poder no Brasil. O dono da orquestra dá o tom. Os músicos são indicados pelos senhores do mando. O círculo vicioso da política gira, gira, gira, mudando figuras e comandos, apenas trocando perfis, não o sistema.

A pressão social

Há poucas brechas para se avançar. Mas é possível, sob pressão intensa da sociedade, fazer fluir oxigênio novo. Quando ideias transformadas em projetos chegam ao Congresso sob o empuxo social, ganham repercussão e acabam entrando em pauta. Foi o que ocorreu com situações que caracterizam o ingresso do Brasil na modernidade: a pesquisa com células-tronco, a aprovação do Projeto Ficha Limpa, a Lei Maria da Penha, de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outros estatutos.

Articulação

Uma condição se faz necessária para se avançar. A força acumulada pelo governo para fazer rolar o seu rolo compressor no Congresso. E o governo precisa fazer isso no seu primeiro ano ou, no máximo, no segundo. À medida que se aproximam as eleições, tudo será mais difícil. O Congresso quer mais fatias de poder. Os representantes só decidem olhando para os umbigos.

Parlamentares insatisfeitos

Nem mesmo o poder dos presidentes das Casas congressuais - sejam eles Arthur Lira, Rodrigo Pacheco ou outros - conseguem apoio para aprovar pautas governamentais. Conclusão: Lula terá pequena margem de manobra para aprovar a reforma administrativa. Um projeto que gera polêmica.

  • Parte II

Raspando o tacho

- A pauta econômica na reta final. Ufa.

- Fernando Haddad vê semana decisiva para sua pauta econômica no Congresso. Mas parlamentares cobram alta fatura. Reforma tributária chega ao 'mata-mata' no Senado, que também vai votar projeto de extensão da desoneração da folha.

- Já a Câmara deve analisar taxação de fundos exclusivos e offshore.

- Lula volta a despachar no Palácio do Planalto. Mais alegre, andando de um lado para outro, e dando seus alôs midiáticos para líderes internacionais, entre os quais Vladimir Putin.

- A força emergente no Congresso é a da bancada do agro. A maior.

- A situação na Argentina continua mostrando uma grande interrogação. Os votos de Patrícia Bullrich vão para Massa ou para Milei? Para os dois. Mas quem terá a maior fatia? Bullrich ficou em terceiro, com uma boa votação, cerca de 24% dos votos, ou seja, 6,2 milhões.

- O medo de Milei e o receio de terem Massa como uma continuidade administrativa na economia devastada balizarão o processo decisório na Argentina. Os eleitores se sentem entre a cruz e a caldeirinha.

- E a guerra, hein? Os ataques terrestres dos israelenses em Gaza são o foco da guerra nesta semana.

- E a guerra entre Rússia e Ucrânia, hein? Putin defende o cessar fogo em Gaza, mas fica de bico calado sobre sua guerra.

- Na próxima semana, o Brasil deixará de presidir o Conselho de Segurança da ONU, onde passará um mês de comando. Cumpriu bem a tarefa.

- Nota 10 ao programa de resgate de brasileiros vindos de Israel. Há ainda alguns em Gaza.

- A seca no Norte do país é o novo calcanhar-de-Aquiles dos governantes, o Federal e os estaduais.

- As enchentes no Sul do país constituem, por sua vez, o calvário de gaúchos e catarinenses.

- A violência no Rio de Janeiro e em São Paulo é uma bomba que joga pra longe os governantes dos dois Estados, com sérios danos à sua imagem no ano eleitoral de 2024. Até porque não há esperança de melhoria no aparato de segurança.

- O Brasil eleva sua posição no ranking da violência mundial.

- Eduardo Bolsonaro, o deputado com estrondosa votação em São Paulo, fez o que pelo Estado? Não sabe nem onde fica o Tatuapé, que confunde com o animal correndo com suas quatro patas...

- O pai, Jair Bolsonaro, quer emplacar o filho mais novo, Renan, como vereador em Camboriú, Santa Catarina, no pleito de 2024.

- O mais velho, Flávio, gostaria de ser candidato a prefeito no Rio de Janeiro. Porém, teme ser um fracasso, o que impactaria todo o projeto de poder da família.

- Guilherme Boulos, deputado Federal, tem imagem associada ao MST e suas invasões de propriedade. Sua meta: aliviar essa associação para ganhar densidade e se eleger prefeito de São Paulo no próximo ano. Conseguirá? Constatação: caiu na armadilha do Hamas, mais uma associação negativa da qual procura se desvencilhar.

Fecho a coluna com outro "causo" de matreirice.

A banana

Na campanha pela prefeitura de São Paulo, em 1985, contra Fernando Henrique, Jânio foi ao bairro de São Miguel Paulista, reduto de nordestinos. Enfrentou uma feijoada, regada a caipirinhas múltiplas. Caiu na cama da casa de um eleitor. Atrasado, às 19h, foi acordado. Em sobressalto, vestiu o terno amarfanhado, pegou uma banana e colocou no bolso. Subiu o palanque e tascou:

- Político brasileiro não se dá o respeito. Eu não. Desde as 7h da manhã estou caminhando por este bairro e até agora não comi nada. Então, com licença".

Sob os aplausos da galera, devorou a banana. Ganhou as eleições. Espanou a cadeira onde, momentos antes, se sentara Fernando Henrique, que achava ter ganho o pleito.