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STF vs. Supreme Court

A utilização de precedentes da Suprema Corte dos EUA pelo STF.

Bruno Santos Cunha
segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Um código de conduta para a Suprema Corte dos EUA

"A Suprema Corte deve ter um código de conduta próprio e com regras claras para que tanto seus membros como o povo americano saibam quando sua conduta extrapola os limites. O tribunal mais elevado do país não deve ter os padrões éticos mais baixos". A frase acima, de autoria do Presidente do Comitê Judiciário do Senado dos EUA, Senador Dick Durbin (Democrata - Illinois), bem revela o clima dos debates no país acerca da necessidade de implantação de um código de conduta que regule a atividade dos membros da Suprema Corte. As recentes revelações da imprensa sobre viagens luxuosas de membros da Corte, grande parte delas pagas por empresários e entidades com interesses em julgamentos do tribunal, aumentaram o clamor do tema tanto no público em geral como no Congresso dos EUA. No último mês de julho, por exemplo, o Comitê Judiciário do Senado votou e aprovou o encaminhamento de um projeto de lei sobre a temática ao plenário do órgão. Na ocasião, o Comitê assim se pronunciou: "O nível de aprovação pública da Suprema Corte está no nível mais baixo de todos os tempos após o fluxo constante de revelações sobre as falhas éticas de seus membros. Esta votação é um primeiro passo para restaurar a confiança do povo americano no seu mais alto tribunal [...]. Trabalhamos há 11 anos para incentivar a Suprema Corte a adotar um código de conduta vinculativo para todos os seus juízes, sejam nomeados por presidentes democratas ou republicanos. O presidente da Corte, Justice John Roberts, teve a oportunidade de agir e se recusou. Agora, agiremos - e está dentro da nossa autoridade constitucional agir. Estas reformas aplicar-se-ão com igual força a todos os juízes e - o que é mais importante - reforçarão a legitimidade da Corte, contrariamente às afirmações infundadas de Senadores republicanos. É hora de os nove juízes da Suprema Corte respeitarem um código de conduta, assim como qualquer outro funcionário federal. Esperamos trabalhar com nossos colegas na consideração da matéria perante todo o Senado".1 Em resumo, o projeto agora encaminhado ao plenário do Senado2 exige que a Suprema Corte (i) adote um código de conduta; (ii) crie um mecanismo para investigar alegadas violações a esse código de conduta e a outras leis por seus membros (iii) melhore a divulgação e a transparência nas situações em que um membro da Corte tenha ligação com uma parte ou amicus curiae em casos julgados pelo Tribunal; e (vi) determine que seus membros fundamentem suas decisões de suspeição e de recusa ao julgamento de determinados casos. Essas regras básicas de ética judicial, que em larga medida já se aplicam aos demais juízes nos EUA, têm gerado um grande debate público. Mas qual é a origem e quais são as repercussões desse debate? Para abordar o tema, um histórico inicial é necessário. A American Bar Association (ABA), uma espécie de OAB dos EUA, pode ser vista como a grande precursora na definição de parâmetros de ética legal/judicial no país. Em 1908, a entidade formulou a primeira versão dos "Cânones de Ética Profissional para Advogados"3, com a recomendação de que tais cânones fossem ensinados nas faculdades de direito do país e, ato contínuo, cobrados em eventuais exames de admissão de advogados. Na medida em que os "Cânones" eram aplicáveis apenas aos advogados, a própria ABA criou uma Comissão, em 1922, com o objetivo de formular regras análogas para os juízes, em uma espécie de Código de Conduta Judicial. Interessante notar que a Comissão criada pela ABA em 1922 era presidida pela então Chief Justice William Howard Taft, da Suprema Corte dos EUA, um dos grandes responsáveis pela reforma judicial ocorrida na década de 1920 nos EUA e que resultou na criação, por lei, da "Judicial Conference of the United States", órgão nacional de formulação de políticas para os tribunais federais.4 Ainda no contexto da década de 1920, um caso concreto pode ser visto como um dos fatores que motivaram a ABA a formular uma codificação de padrões éticos para os juízes. Trata-se do caso do então juiz federal Kenesaw Mountain Landis, de Chicago, que em 1920 aceitara o encargo de Comissário da Liga de Beisebol dos EUA (atualmente, a Major League Baseball). Por cerca de dois anos, até 1922, Landis acumulou o exercício da magistratura federal com o encargo na Liga de Beisebol. Assim, além de seu salário anual de aproximadamente U$ 7.500,00 como juiz, Landis recebia cerca de U$ 42.500,00 da Liga, o que gerava inúmeras controvérsias. Deputados tentaram iniciar um processo de impeachment contra Landis e o Congresso aprovou uma resolução para que fosse iniciada uma investigação sobre o caso. A ABA, por seu turno, aprovou uma resolução de censura contra Landis. Diante do desgaste gerado, Landis solicitou sua exoneração do cargo de juiz federal ainda em 1922 sob a alegação de "não haver horas suficientes no dia para todas suas atividades". Como resultado do trabalho da Comissão formada em 1922, a ABA aprovou, em 1924, o primeiro modelo/minuta de um conjunto de regras para reger a conduta dos juízes: os "Cânones de Ética Judicial", contendo 36 cânones para instrução dos juízes quanto à conduta ética em sua atividade. Os "Cânones" da ABA destinavam-se a servir como diretrizes para que os Estados adotassem Códigos de Conduta, sendo que a maioria deles adotou alguma versão nos anos seguintes. A ABA manteve e ainda mantém um processo de revisão e atualização permanente de seus "Cânones de Ética Judicial", disponibilizando à sociedade e ao Judiciário, até os dias atuais, um modelo de Código de Conduta capaz de ser adotado pelos Estados. Em 1973, quando a "Judicial Conference" adotou o primeiro código de conduta para os juízes federais dos EUA, os modelos da ABA serviram como base. Como regra geral, todos os juízes dos EUA são submetidos a um Código de Conduta ou de Ética Judicial. No âmbito estadual, cada Estado formula seu Código para seus juízes; no âmbito federal, a "Judicial Conference of the United States" é o órgão que formula o "Code of Conduct for United States Judges", adotado pela primeira vez em 1973 e cuja última revisão/atualização formal ocorreu em 2019.5 Criada por lei em 1922, a "Judicial Conference" tem como objetivo principal a formulação das diretrizes políticas para a administração da justiça federal no país, aí incluída a formulação do Código de Conduta já aludido. Ela é composta, hoje, por 26 juízes: o Chief Justice da Suprema Corte dos EUA (que a preside), o Chief Judge da Corte Federal de Comércio Internacional, os Chief Judges dos 12 Circuitos Regionais da justiça federal e um juiz distrital representando cada um dos 12 Circuitos Regionais. A grande questão que se apresenta, então, diz respeito à aplicabilidade dessas normas de conduta aos membros da Suprema Corte dos EUA. Ao passo que todos os juízes estaduais devem respeito ao respectivo Código de Conduta estadual e que todos os juízes federais devem ao "Code of Conduct for United States Judges" formulado pela "Judicial Conference", há uma lacuna quanto à regulamentação da conduta dos membros da Suprema Corte dos EUA. É que o Código de Conduta, ao especificar seu âmbito de aplicação, faz menção expressa aos juízes federais distritais ("District Judges"), aos juízes das Cortes de Apelação ("Circuit Judges") e aos juízes das Cortes especiais (de Comércio, falências e etc), deixando de mencionar especificamente a Suprema Corte e seus juízes (Justices). Formalmente, então, o Código de Conduta governa as ações de todos os juízes federais nos EUA, com exceção dos membros da Suprema Corte, ainda que estes últimos aleguem publicamente consultar e seguir as diretrizes estipuladas no Código. Em termos gerais, o atual "Code of Conduct for United States Judges", em sua versão atualizada em 2019, traz os 5 grandes cânones que devem ser seguidos no judiciário federal dos EUA (e que resumem, de certa forma, os cânones instaurados pela ABA e pelos Códigos estaduais país afora), quais sejam: 1) um juiz deve defender a integridade e a independência do Judiciário; 2) um juiz deve evitar mau comportamento e a aparência de má conduta em todas suas atividades; 3) um juiz deve desempenhar os deveres de seu cargo de forma justa, imparcial e diligente; 4) um juiz pode se envolver em atividades extrajudiciais que sejam consistentes com as obrigações do cargo judicial; 5) um juiz deve abster-se de atividades políticas. Os membros da Suprema Corte, então, não estão juridicamente submetidos ao Código de Conduta aplicável a todos os demais juízes federais. De acordo com a Constituição dos EUA, eles mantêm seus cargos enquanto demonstrarem bom comportamento e podem ser removidos por meio de impeachment em casos de traição, corrupção ou outros crimes e contravenções graves. Diante disso, um dos membros da Suprema Corte (Justice Samuel Alito) chegou a afirmar que o Congresso não teria competência para regulamentar a conduta dos membros da Corte, sobretudo depois que o assunto da aprovação de um Código de Conduta veio à tona nos últimos tempos. De fato, é possível dizer que os debates acerca da aprovação de um Código de Conduta específico para os membros da Suprema Corte remontam ao menos a 2011, ano em que proposto no Congresso o "Supreme Court Transparency and Disclosure Act of 2011".6 Ainda que não tenha tido qualquer evolução em termos legislativos, a ideia, na ocasião, era a adoção de um Código de Conduta similar ao já existente para os juízes federais em geral. Ainda em 2019, os Justices Elena Kagan e Samuel Alito compareceram ao Congresso dos EUA para uma audiência sobre o orçamento do Judiciário e, uma vez questionados, indicaram reservas em relação à aplicação do mesmo código de conduta dos juízes federais aos membros da Suprema Corte. Nesse sentido, ambos revelaram que o Chief Justice John Roberts estava "estudando a possibilidade de ter um código de conduta judicial aplicável apenas à Suprema Corte dos Estados Unidos. Isso é algo que ainda não discutimos como conferência e que tem prós e contras, tenho certeza, mas é algo que está sendo pensado muito seriamente".7 Mais recentemente, em março de 2023, um modelo de Código de Conduta para os membros da Suprema Corte foi publicado pela "Project on Government Oversight", organização apartidária e sem fins lucrativos com sede em Washington e que trabalha expondo situações de desperdício, fraude, abuso e conflitos de interesse no governo federal dos EUA.8 De qualquer forma, não se vislumbra, até o presente momento, a adoção de um Código de Conduta para a Suprema Corte em horizonte próximo, sobretudo levando-se em consideração os debates sobre a competência constitucional do Congresso para tal. Isto é: se, de fato, tal adoção só seria possível mediante atuação da própria Suprema Corte em nítida autorregulação ou se o Congresso poderia atuar no sentido de regular a conduta dos membros da Corte. Tudo isso não significa que os Justices sejam imunes a qualquer regulamentação de conduta. Eles se submetem aos regramentos decorrentes de lei federal, a exemplo de regras de transparência, investimentos, renda decorrente de atividades paralelas ao cargo e de recebimentos de presentes aplicáveis a todos os servidores dos três Poderes. Sobre o tema, o Congresso disciplinou que, quanto ao Judiciário Federal, a "Judicial Conference" deveria expedir regulamentos implementando as regras acima dispostas sobre presentes, investimentos e renda e, bem assim, realizar a devida fiscalização em relação aos juízes. No entanto, a regulamentação realizada pela "Judicial Conference" excluiu os Justices da Suprema Corte dos EUA da incidência das regras sobre presentes e renda decorrente de atividades paralelas, delegando ao Chief Justice a cobrança e a fiscalização de tais matérias em relação aos seus pares na Suprema Corte. Assim é que, em 1991, uma resolução da própria Suprema Corte, firmada pelo então Chief Justice William Rehnquist a partir da concordância de todos seus pares, indicou que os membros da Corte seguiriam, em substância, os regulamentos ditados pela "Judicial Conference" sobre presentes e renda paralela.9 Adiante, em 2011, o atual Chief Justice John Roberts, em seu relatório de final do ano judiciário, indicou que os membros da Corte, para fins de boa administração, deveriam encaminhar seus relatórios financeiros anuais à "Judicial Conference" como uma questão de prática interna.10 Em termos práticos, os Justices apresentam suas declarações financeiras (de presentes e de renda paralela) à "Judicial Conference" todos os anos. Atualmente  - e de acordo com os regramentos atualizados pela "Judicial Conference" em março de 2023 -, é necessário declarar presentes recebidos por si ou por familiares em valores superiores a U$ 415. Analisando os últimos 20 anos, poucos são os presentes declarados pelos Justices. Exemplificativamente, eis alguns itens constantes das declarações: a) Chief Justice John Roberts - tíquetes para a Washington National Opera no valor de U$ 500, em 2009. b) Justice Clarence Thomas - um busto em bronze do famoso abolicionista Frederick Douglass no valor de quase U$ 7.000 (recebido em 2015 como presente do bilionário Harlan Crow, o mesmo que esteve com Thomas em viagens luxuosas, que pagou pela escola de seu sobrinho-neto e que comprou uma propriedade de Thomas). c) Justice Sonia Sotomayor - uma escultura de Einstein (no valor de U$ 1.500), um quadro com três corujas (U$ 1.125) e outras obras de arte. d) Justice Neil Gorsuch - botas de caubói (U$ 699) e vara de pesca (U$ 500). e) Justice Antonin Scalia - um rifle (U$ 600), uma pistola (U$ 1.000) e dicionários (U$ 950). f) Justice Ruth Bader Ginsburg - prêmio de U$ 1.000.000 (um milhão de dólares) recebido do bilionário Nicolas Berggruen (The Berggruen Institute) e doado a instituições de caridade não especificadas, um vestido de ópera (U$ 4.500) e um prêmio de "Mulher do Ano" da revista "Glamour" (U$ 2.500). Outro tópico que tem se apresentado controverso diz respeito ao aceite, pelos Justices, de ofertas de hospitalidade (viagens, transporte, refeições e passeios), o que motivou, inclusive, a última atualização dos regulamentos da "Judicial Conference" em março de 2023. Em resumo, a regra é que refeições, hospedagem e entretenimento recebidos como hospitalidade pessoal de um indivíduo (e não de uma corporação ou organização) em sua residência, propriedade pessoal ou de sua família não necessitam ser declarados (eis que são tidos como presentes de natureza pessoal e não comercial). Afora tais casos (ou seja, fora da chamada exceção relativa à hospitalidade pessoal), há dever legal de transparência por parte dos membros da Suprema Corte. O regulamento ainda indica que essa regra não abrange presentes como o "transporte que substitua o transporte comercial" (e aqui a clara intenção de vedar viagens luxuosas em jatos e embarcações privadas). Essa discussão veio à tona, por exemplo, nos atuais casos trazidos a público e revelados pela ProPublica (agência de jornalismo investigativo sem fins lucrativos) em que o Justice Clarence Thomas aceitou convites do bilionário Harlan Crow para viagens em jatos e embarcações luxuosas. De forma análoga, em caso em que o Justice Samuel Alito aceitou diversas ofertas de hospitalidade do também bilionário Paul Singer, sendo que tais ofertas foram custeadas, no mais das vezes, por empresas ligadas ou controladas pelos respectivos bilionários.11 Ultimamente, os casos de supostos desvios éticos de membros da Suprema Corte têm ganhado espaço no noticiário, com o consequente desgaste da imagem da Corte como um todo. Alinhado a isso, pesquisas de opinião pública sobre a confiança na Suprema Corte dos EUA têm demonstrado os índices mais baixos dos últimos 50 anos (vide Gallup e NORC)12. Exemplos como os dos Justices Samuel Alito e Clarence Thomas aceitando presentes (hospitalidade) de bilionários com interesses políticos e econômicos em casos a serem julgados pela Suprema Corte demonstram a fragilidade do sistema de transparência e de controle de condutas atualmente existente. Todo modo, uma análise histórica da situação evidencia que a ocorrência de desvios ou de situações de transgressão às regras acima expostas são raras. Até há pouco tempo, um dos únicos exemplos que se levantava quanto à conduta dos membros da Suprema Corte dizia respeito ao caso do Justice Abe Fortas em 1968-69, ocasião em que se envolveu em uma série de controvérsias sobre retribuição financeira e que, por derradeiro, culminou com seu pedido de exoneração do cargo em maio de 1969 após ameaças de impeachment serem reveladas. Em resumo, Fortas recebeu vultosos pagamentos para palestrar em 9 eventos na American University, em Washington, sendo que o dinheiro era proveniente de empresas privadas com interesses diversos e representava um montante 7 vezes maior do que qualquer outro palestrante já havia recebido na Universidade. Além disso, como ponto principal que deu origem às controvérsias, Fortas aceitou um pagamento anual de U$ 20.000 (vinte mil dólares) de uma fundação ligada a um investidor que era seu amigo e ex-cliente. Tudo isso como compensação por aconselhamento não especificado no mesmo momento em que o referido investidor era investigado criminalmente. Para além dos casos envolvendo hospitalidade como os aludidos acima, já há algum tempo outras atividades dos Justices vêm sofrendo maior escrutínio público. Um dos casos específicos diz respeito às negociações de direitos autorais e de adiantamentos financeiros realizadas por editoras que publicam livros de autoria dos membros da Corte. Apesar de tais negociações não serem proibidas, os regulamentos da "Judicial Conference" sobre renda paralela às atividades, aplicáveis também aos membros da Suprema Corte, exigem as devidas declarações. As negociações com editoras tornaram-se importantes financeiramente para os Justices. É que os atuais regulamentos sobre renda paralela aplicáveis a atividades acadêmicas e afins (e que estipulam um limite de aproximadamente U$ 30.000 em ganhos anuais em tais rubricas) não se aplicam à renda decorrente de livros. Para que se tenha ideia, a mais nova membra da Corte, Justice Ketanji Brown Jackson, negociou recentemente um contrato para seu livro em valor aproximado de U$ 3.000.000. No passado, os Justices Neil Gorsuch (U$ 650.000), Amy Coney Barrett (U$ 2.000.000) e Sonia Sotomayor (U$ 3.000.000) foram alguns dos que embolsaram quantias generosas com negócios editoriais. Por fim, outra questão levantada diz respeito à utilização da mão de obra de servidores do judiciário federal para atividades extrajudiciais dos membros da Suprema Corte.  Segundo o Código de Conduta aplicável aos juízes federais dos EUA (e inaplicável aos membros da Suprema Corte), um juiz não deve, em qualquer grau substancial, utilizar seu gabinete, recursos do órgão ou pessoal em suas atividades extrajudiciais. Em diversas ocasiões, membros da Suprema Corte utilizaram pessoal de seu staff judicial para realização de trabalhos externos remunerados, incluindo atividades de ensino. Em casos tais, os servidores têm grande dificuldade em dizer não e acabam por desenvolver atividades extrajudiciais enquanto estão sendo remunerados por recursos públicos da Suprema Corte. Em linhas gerais, a separação completa de um juiz de atividades extrajudiciais na sociedade não é possível e nem sequer é uma medida sensata. De fato, um juiz não deve ficar isolado da sociedade em que vive. Como servidor da justiça e como pessoa especialmente versada na lei e no Direito, um juiz está em uma posição única para contribuir com o Estado, com o aperfeiçoamento do sistema jurídico e com a melhora na administração da justiça. As atividades extrajudiciais podem e devem ocorrer, no entanto, com respeito às linhas mestras que separam as atividades oficiais do cargo de outras atividades também lícitas. Assim, além de evitar mau comportamento e a aparência de má conduta em todas suas atividades (judiciais ou extrajudiciais), é necessário que as atividades extrajudiciais eventualmente exercidas sejam consistentes com as obrigações do cargo judicial. Para tal, a ideia geral de um Código de Conduta para a Suprema Corte seria de suma importância. Não há dúvidas, assim, que a Suprema Corte dos EUA, como demonstração tangível de que os ministros levam a sério as obrigações éticas que recaem sobre quaisquer servidores públicos, deveria se submeter (por si própria ou por mandamento oriundo do Congresso) a um regramento mais incisivo de conduta judicial. A ideia, conforme já exposto no projeto apresentado pela organização "Project on Government Oversight", seria dar ao público um termômetro mais claro sobre se a conduta dos Justices estaria dentro dos limites éticos aceitáveis. No entanto, a questão difícil não é se a Corte deveria ou não adotar um código ou modelo aspiracional de condutas em termos éticos, mas sim como impor na prática e executar padrões claros de conduta ética internamente na mais alta Corte judicial do país. Esse o desafio nos EUA e em qualquer outro país. __________ 1 Disponível aqui. 2 O texto e a tramitação do Supreme Court Ethics, Recusal, and Transparency Act of 2023 podem ser acompanhados aqui. 3 Disponível aqui. 4 Em uma analogia com o Brasil, a "Judicial Conference of the United States" exerce funções assemelhadas às do Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 5 Disponível aqui. 6 Disponível aqui. 7 Íntegra dos relatórios da audiência disponível aqui. 8 Íntegra do modelo de Código de Conduta disponível aqui. 9 Resolução disponível aqui. 10 Relatório disponível aqui. 11 Disponível aqui. 12 Veja-se, no ponto: 1) ; e no ponto 2) .
A Constituição Federal de 1988 traz consigo um nítido viés de proteção social. Não à toa, para além de elencar um rol de direitos sociais em seu art. 6º (dentro do Título II - Dos direitos e garantias individuais), a Constituição destina todo o seu Título VIII à regulamentação da Ordem Social, a englobar, dentre outros aspectos relativos às proteções sociais destinadas aos cidadãos, o regramento do chamado tripé da "seguridade social", isto é: o conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (art. 194). O tripé da "seguridade social" é composto pelas seguintes ações: saúde, como um direito de todos e dever do Estado; previdência social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória nos termos da lei; e assistência social, prestada a quem dela necessitar e independentemente de contribuição. Quanto à assistência social, a Constituição estipula, em seu art. 203, V, a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Seguindo tal linha, a Lei Federal 8.742/93 enuncia a regulamentação do benefício de prestação continuada (BPC ou LOAS, como também é conhecido) como a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família (art. 20). Ainda quanto à elegibilidade para recebimento do benefício - e aqui o cerne da questão jurídica em debate -, o decreto Federal 6.214/2007 dispõe, em seu art. 7º, que o Benefício de Prestação Continuada é devido ao brasileiro, nato ou naturalizado, e às pessoas de nacionalidade portuguesa, em consonância com o disposto no decreto 7.999, de 8 de maio de 2013 , desde que comprovem, em qualquer dos casos, residência no Brasil e atendam a todos os demais critérios estabelecidos neste Regulamento. Esse, pois, o arcabouço legal da matéria. Afora eventuais discussões quanto a parâmetros socioeconômicos de elegibilidade para fruição do BPC, a questão que chegou até o Supremo Tribunal Federal no RE 587.970/SP era bastante simples: definir se a nacionalidade brasileira deveria ser considerada como requisito essencial para a concessão do benefício de prestação continuada (BPC) previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição. Eis a história do caso. Felícia Mazzitello Albanese, de nacionalidade italiana e então residente no Brasil há quase 53 anos1, pleiteou o BPC na via administrativa perante o INSS no ano de 2005. Aos 65 anos, Felícia havia exercido diversas atividades durante toda sua vida no Brasil; no entanto, já idosa, não conseguia prover os meios para sua manutenção. Entendendo cumprir todos os requisitos constitucionais e legais para a concessão do benefício assistencial, Felícia foi surpreendida com a seguinte resposta do INSS ao seu pleito: informamos que, após análise da documentação apresentada, não foi reconhecido o direito ao benefício pleiteado, tendo em vista que não está prevista a concessão para estrangeiros não naturalizados. Diante da negativa administrativa, a questão foi judicializada perante o Juizado Especial Federal Cível em São Paulo. Ao argumento de que a Constituição não traria distinções entre os nacionais e os estrangeiros residentes para fins de reconhecimento de direitos sociais, a sentença determinou a implantação do benefício assistencial em favor de Felícia. Após recurso do INSS, a sentença foi mantida pela Turma Recursal a partir da mesma fundamentação acima. Em suma, a acórdão repetia que a igualdade é garantia fundamental estampada no artigo 5º da CF/88, que expressamente estende aos estrangeiros residentes no país a proteção dos direitos individuais previstos na CF/88, figurando entre eles o direito ao LOAS. Após o manejo de Recurso Extraordinário pelo INSS a fim de reformar as decisões anteriores e estipular o entendimento no sentido da inviabilidade concessão do benefício a estrangeiros residentes no país, o STF vislumbrou a ocorrência de repercussão geral na matéria. É que, para o Tribunal, a questão versada no recurso ultrapassaria os limites subjetivos da lide (Felícia x INSS), sendo de interesse de toda sociedade e tendo relevância do ponto de vista econômico, social e jurídico. Admitida a repercussão geral, o STF julgou a questão e manteve o entendimento anteriormente firmado na sentença e no acórdão. Diante disso, assentou, por unanimidade, a seguinte tese: Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais (Tema 173 da Repercussão Geral do STF). Em específico, o relator do RE 587.970/SP, Ministro Marco Aurélio, argumentou que a Constituição não restringe os beneficiários somente aos brasileiros natos ou naturalizados. Nesse sentido, o estrangeiro com residência fixa e em situação regular no país também seria alcançado pela norma constitucional protetiva. É que, segundo o relator, a Constituição, ao delegar ao legislador ordinário a regulamentação do benefício, fê-lo, tão somente, quanto à forma de comprovação da renda e das condições específicas de idoso ou portador de necessidades especiais hipossuficiente. Não houve delegação relativamente à definição dos beneficiários, pois já havia sido estabelecida. De qualquer sorte, é no voto do Ministro Luiz Fux que a questão da delegação regulamentar infralegal do BPC é tratada. De fato, o Ministro indica que o decreto Federal 6.214/2007, ao restringir o acesso dos estrangeiros residentes ao benefício, extrapolou o poder delegado pela Constituição e pela lei Federal 8.742/93 ao Executivo para fins de regulamentação de sua concessão. Nesse ponto, a inviabilidade da restrição pela via regulamentar no caso concreto - e a impossível restrição do acesso de estrangeiros residentes e em situação regular no país ao benefício - é tratada pelo Ministro Fux à luz da doutrina da não delegação de poderes e dos princípios inteligíveis (ou doutrina dos princípios claros). Tudo isso, pois, com recurso à experiência americana (sobretudo o magistério do professor Cass Sunstein, da Universidade de Harvard) e ao seguinte precedente da Suprema Corte dos EUA: Industrial Union Department v. American Petroleum Institute (1980)2, também conhecido como o "Caso Benzeno". Em termos amplos, a doutrina da não delegação tem como suporte a ideia de tripartição de poderes e indica que um dos três poderes não pode / deve autorizar qualquer outro poder a exercer sua função constitucional precípua. Vista de forma preponderante a partir da função legislativa, a ideia normalmente envolve a delegação, pelo Congresso, de poderes legislativos / normativos a agências administrativas ou a organizações privadas. Historicamente, a vedação hermética à delegação normativa tem sido temperada e abrandada sob diversos aspectos e circunstâncias. Já em 1825, no julgamento de Wayman v. Southard (1825)3, a Suprema Corte deu início à construção acerca da possibilidade de delegação normativa por parte do Congresso, o que, mais tarde, veio a formar a base do chamado Estado Administrativo. Na espécie, a Corte entendeu, de forma unânime, que o Congresso poderia delegar ao Judiciário o poder de regulamentação de seus próprios procedimentos. No ponto, a opinião o Chief Justice John Marshall indicava que não havia uma linha exata traçada entre aqueles assuntos tidos como importantes, que devem ser efetivamente regulados pelo próprio Legislativo, e aqueles de menor interesse, em que uma disposição geral poderia ser feita pelo Congresso e complementada com a atuação do delegado a fim de preencher os detalhes da política estatal.4 Assim, uma vez que as bases gerais da política estatal tenham sido definidas pelo Congresso de acordo os procedimentos estabelecidos na Constituição, a administração de tal política e a elaboração detalhada de suas regras poderiam ser delegadas a um agente estatal autorizado (ainda que em outro poder). Avançando na especificação da doutrina da não delegação, a Suprema Corte julgou o caso J. W. Hampton, Jr. & Co. v. United States (1928)5, ocasião em que restou estabelecida a pedra fundamental da doutrina dos princípios inteligíveis (ou, como já visto, doutrina dos princípios claros). Em concreto, a Corte esclareceu que a delegação de autoridade legislativa é um poder implícito do Congresso sob a égide da Constituição americana; contudo, tal delegação somente pode ser licitamente realizada se o Congresso fornecer um "princípio inteligível" (intelligible principle) que guie efetivamente a atuação normativa delegada. Em J. W. Hampton, Jr. & Co. v. United States (1928), tinha-se sob julgamento uma lei que dava poder ao Presidente para aumentar ou diminuir as alíquotas de tributos sobre comércio exterior a depender da variação do custo de produção interna dos bens comercializados. Em outras palavras, a aferição da possível variação de alíquotas era delegada do Congresso ao Presidente, sobretudo mediante a devida justificativa a partir dos parâmetros definidos pelo Congresso na própria lei (princípios inteligíveis). Diante de tal quadro, a opinião do Chief Justice William Howard Taft, pela unanimidade da Corte, deixou claro que se o Congresso pode estabelecer, por ato legislativo, um princípio inteligível ao qual a pessoa ou entidade autorizada a fixar as alíquotas deve obedecer, tal ação legislativa não corresponde a uma delegação proibida.6 A ideia do "princípio inteligível", portanto, vedava uma delegação legislativa pelo Congresso que fosse demasiadamente aberta; mais do que isso, estabelecia, na própria delegação pelo Congresso (lei), os parâmetros gerais sob os quais o destinatário da delegação poderia atuar. De fato, tanto o Congresso não estaria autorizado a abdicar ou transferir a terceiros as funções legislativas gerais das quais estava investido7, como não seria possível ao delegado extrapolar a delegação e estabelecer um regulamento que conflitasse com os princípios inteligíveis dispostos na lei. É justamente nesse ponto que o Ministro Luiz Fux invoca o caso Industrial Union Department v. American Petroleum Institute (1980).8 De fato, para reputar inválida a regulamentação trazida no decreto Federal 6.214/2007, que restringia o acesso de estrangeiros residentes e em situação regular no país ao benefício assistencial (BPC), o Ministro se utiliza do famoso voto concorrente do então Associate Justice William Rehnquist no caso acima exposto. Conhecido como "Caso Benzeno", o que se discutia na ocasião era a possibilidade de uma lei delegar ampla margem de discrição ao Secretário do Trabalho na definição de padrões de segurança e de saúde para os trabalhadores.9 Com a intenção de estabelecer a limitação da delegação (ou, em outras palavras, o princípio inteligível para a atuação regulamentadora do Secretário), a lei dispunha que caberia ao Secretário definir a norma que mais adequadamente assegure, na medida do possível, com base nas melhores evidências disponíveis, que nenhum funcionário sofrerá comprometimento material de sua saúde ou capacidade funcional. A partir de tal delegação, o Secretário havia estabelecido como melhor medida possível a diminuição do limite permissível de exposição ao benzeno do padrão de dez partes por milhão (10ppm) para apenas uma parte por milhão (1ppm). A controvérsia, assim, dizia respeito à abertura do conceito constante da lei de "na medida do possível, com base nas melhores evidências possíveis"10; é que, em concreto, não havia evidências disponíveis acerca da efetividade e da segurança das medidas tomadas pelo Secretário no que diz respeito à possível redução de casos de leucemia. De fato - e de acordo com o já aludido voto do então Associate Justice William Rehnquist -, a previsão legislativa deveria ser declarada inconstitucional com base na doutrina da não delegação. Para sustentar sua tese, Rehnquist descreveu a doutrina dos princípios inteligíveis inerentes à ideia de não delegação da seguinte forma: "Primeiro, e mais abstratamente, [a doutrina] garante que escolhas importantes relativas às políticas públicas sejam feitas pelo próprio Congresso, o ramo de governo mais responsivo à vontade popular [...]. Segundo, a doutrina garante que, na medida em que o Congresso considere necessário delegar autoridade, o destinatário dessa delegação disponha de um "princípio inteligível" para orientar o exercício do poder delegado. [...]. Terceiro, e em consequência do segundo, a doutrina assegura que os tribunais encarregados de revisar o exercício do poder discricionário delegado serão capazes de testar esse exercício por meio de standards determináveis [...]".11 Assim - e no dizer de Fux quanto ao cas do benefício assistencial -, não haveria qualquer princípio claro a permitir que o Poder Executivo utilizasse o critério de cidadania para distinguir os beneficiários da política pública e, consequentemente, restringir o acesso do benefício assistencial a apenas brasileiros, sob pena de ferir as escolhas políticas cristalizadas nas normas editadas pela Assembleia Constituinte e pelo Congresso Nacional. Afinal, os standards de regência dos beneficiários da política pública foram especificamente determinados: ausência de subsistência própria ou familiar (vulnerabilidade socioeconômica), deficiência física e condição idosa. Restringir mais do que o permitido pela norma delegatária autoriza o Judiciário a reconhecer que os standards indicados pelo delegante foram violados pela autoridade delegada.12 Em suma, a doutrina e o precedente da Suprema Corte foram utilizados a fim de subsidiar a ideia de que o Constituinte e a lei, ao instituírem o benefício assistencial, delegaram sua regulamentação ao Executivo tendo como princípio inteligível limitador da regulação o fato de que o rol de beneficiários não poderia ser limitado. Como exposto pelo Ministro Luiz Fux, a lei forneceu três standards inteligíveis para guiar a atividade regulamentar administrativa: a) valor do benefício de um salário mínimo; b) periodicidade do benefício mensal, e; c) destinatários do benefício sendo pessoas portadoras de deficiência e idosos que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Não haveria, na atividade regulamentar infralegal, a possibilidade de exclusão de um beneficiário a partir de sua condição de estrangeiro residente não naturalizado, eis que restariam violados os princípios inteligíveis acima expostos. Assim, o "Caso Benzeno", ou Industrial Union Department v. American Petroleum Institute (1980), demarca os possíveis standards para eventual revisão judicial dos casos de delegação legislativa. __________ 1 Nascida na Itália em 31.5.1940, Felícia imigrou para o Brasil aos 12 anos, tendo entrado no país em 19.11.1952. 2 Industrial Union Department v. American Petroleum Institute, 448 U.S. 607 (1980). 3 Wayman v. Southard, 23 U.S. 1 (1825). 4 Wayman v. Southard, 23 U.S. 43 (1825). 5 J. W. Hampton, Jr. & Co. v. United States, 276 U.S. 394 (1928). 6 J. W. Hampton, Jr. & Co. v. United States, 276 U.S. 408 (1928). No original: If Congress shall lay down by legislative act an intelligible principle to which the person or body authorized to fix such rates is directed to conform, such legislative action is not a forbidden delegation of legislative power. 7 Nesse ponto, interessante notar o que decidido em A.L.A. Schechter Poultry Corp. v. United States (1935), caso em que a Suprema Corte especificou ainda mais os limites da possível delegação e afirmou a impossibilidade de abdicação ou transferência total da função legislativa. No original: The Congress is not permitted to abdicate or to transfer to others the essential legislative functions with which it is thus vested. 8 Industrial Union Department v. American Petroleum Institute, 448 U.S. 607 (1980). 9 Tratava-se, na espécie, do Occupational Safety and Health Act of 1970. 10 No original: [.] to the extent feasible, on the basis of the best available evidence. 11 Industrial Union Department v. American Petroleum Institute, 448 U.S. 685-86 (1980). Vide tradução realizada no próprio voto do Ministro Luiz Fuiz, conforme original: First, and most abstractly, it ensures to the extent consistent with orderly governmental administration that important choices of social policy are made by Congress, the branch of our Government most responsive to the popular will. See Arizona v California, 373 U S. 546, 626 (1963) (Harlan, J., dissenting in part); United States v Robel, 389 U S. 258, 276 (1967) (Brennan, J., concurring in result). Second, the doctrine guarantees that, to the extent Congress finds it necessary to delegate authority, it provides the recipient of that authority with an "intelligible principle" to guide the exercise of the delegated discretion. See J W Hampton & Co. v United States, 276 U S., at 409, Panama Refining Co. v Ryan, 293 U S., at 430. Third, and derivative of the second, the doctrine ensures that courts charged with reviewing the exercise of delegated legislative discretion will be able to test that exercise against ascertainable standards. See Arizona v. California, supra, at 626 (Harlan, J., dissenting in part), American Power & Light Co. v SEC, supra, at 106. 12 Voto do Ministro Luiz Fux no RE 587970/SP.
Desde os primeiros textos da coluna afirmamos que seu objetivo primordial seria o de debater, a partir de casos concretos, a utilização de precedentes da Suprema Corte dos EUA pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil. Como dito, a utilização de precedentes estrangeiros na jurisdição constitucional brasileira carecia de uma maior exposição e sistematização, sendo necessário um aprofundamento do debate em torno da metodologia relativa a esse instrumental específico de direito comparado (ou, conforme preferência de alguns estudiosos, desse instrumental dos chamados estudos jurídicos comparativos).1 Ainda que essa temática tenha sido apresentada quinzenalmente nas colunas anteriores, tem sido comum um tipo específico de questionamento a cada caso em que tratamos do uso que o STF faz dos precedentes da Suprema Corte dos EUA. Eis a questão: a Suprema Corte dos EUA já utilizou precedentes do STF em algum de seus julgados? A coluna de hoje, então, dedica-se à investigação dos casos em que os americanos buscaram precedentes brasileiros a fim de decidir sobre a aplicabilidade de sua própria Constituição. Nesse contexto, apesar da existência de análises comparativas entre o sistema jurídico brasileiro e o americano em alguns de seus julgados2, o foco da presente coluna é tratar daquele que pode ser visto como o único3 caso em que há menção expressa a um precedente do STF pela Suprema Corte dos EUA: New York v. United States (1946).4 Vejamos. Em 1911, o Estado de New York deu início à aquisição de diversas propriedades anteriormente privadas na região de Saratoga Springs. A área em questão era repleta de fontes de águas minerais, sendo que um dos objetivos do Estado com a aquisição era justamente a diminuição da captação privada de tais águas a fim de garantir a conservação e a preservação das fontes. Com os títulos de propriedade consolidados em nome do Estado em 1930, a área foi transformada em uma reserva estadual e seu controle foi devidamente repassado à Saratoga Springs Authority, uma espécie de entidade ou corporação de utilidade pública. Durante os anos de 1932 até 1934, a Saratoga Springs Authority operou a reserva estadual como um resort e spa com águas e fontes medicinais. O local era equipado com instalações destinadas à recreação, casas de banho, bares, um laboratório de pesquisa e outros edifícios inerentes às atividades realizadas na reserva. Mais importante para o caso em questão, algumas das fontes com propriedades medicinais eram utilizadas para engarrafamento e venda de água mineral para distribuidores, varejistas e diretamente a consumidores da região. Tais vendas eram promovidas por publicidade e geravam lucro que era aplicado na manutenção da operação da reserva.5 Diante desse quadro, o governo federal dos EUA acionou o Estado de New York a fim de cobrar o tributo incidente sobre toda e qualquer operação de venda de água mineral, nos termos do então Revenue Act of 1932. A fim de não recolher tais tributos ao governo federal, o Estado de New York alegava, em suma, que o engarrafamento e a comercialização das referidas águas caracterizavam o exercício de uma função governamental habitual, tradicional e essencial, o que lhe traria imunidade à cobrança tributária. Após a vitória do governo federal tanto na Corte Distrital como na Corte de Apelações do Segundo Circuito - no sentido da viabilidade da exação tributária pela União -, o Estado de New York levou a questão à Suprema Corte. Interessante notar, no caso concreto, que a questão da viabilidade de taxação do Estado de New York pela União nas hipóteses de operação de venda de água levou outros 45 (quarenta e cinco) Estados da federação a integrar a lide na Suprema Corte na condição de amici curiae. Em específico, a argumentação da Suprema Corte, no voto do Justice Felix Frankfurter, foi no sentido de não haver qualquer restrição ou óbice constitucional ao Congresso no fato de incluir os Estados como sujeitos passivos de um tributo cobrado igualmente de particulares que exerçam as mesmas atividades (na espécie, engarrafamento e venda de água mineral). No ponto, Frankfurter citou o precedente firmado no caso South Carolina v. United States (1905)6, no qual se debatia a atuação do Estado membro da federação na regulação do comércio de bebidas alcoólicas e sua eventual atuação direta no setor. Para a Corte, naquela ocasião, "quando os Estados buscaram controlar o tráfico de bebidas alcoólicas entrando diretamente no comércio de bebidas, a eles deve ser negada qualquer imunidade de impostos sobre o negócio". Ainda naquele caso, a Suprema Corte deixou claro que eventual imunidade somente poderia ser reconhecida se a atividade estatal em questão fosse historicamente reconhecida como uma função governamental típica de Estado (e não uma atividade que até então era realizada por empresas privadas, como na hipótese). É que, nas palavras de Frankfurter, restava clara a existência de uma divisão entre atividades do Estado enquanto governo, de um lado, e enquanto empresário, de outro. Os precedentes e os casos concretos, então, é que guiariam a definição de uma atividade como historicamente governamental e típica de Estado, o que atrairia a aplicação da regra de imunidade tributária. Por fim, a opinião de Frankfurter trouxe o histórico da ideia de imunidade recíproca entre os entes da federação nos EUA, sobretudo a partir do caso McCulloch v. Maryland (1819).7 Em suas palavras na opinião pela Corte, "o medo de que um governo possa paralisar ou obstruir as operações de outro levou à ideia de que havia uma imunidade recíproca nos instrumentos de tributação de cada um dos entes pelo outro. Partiu-se do pressuposto de que existia uma equivalência nas implicações da tributação por um Estado das atividades governamentais do Governo Nacional e da tributação por parte do Governo Nacional das instrumentalidades do Estado. Essa suposta equivalência foi alimentada pela frase do Presidente da Corte, John Marshall, de que o poder de tributar envolve o poder de destruir".8 De qualquer sorte, é no contexto dos questionamentos relativos à tributação intergovernamental em uma federação que ocorre a menção ao Supremo Tribunal Federal pela Suprema Corte dos EUA. De fato, ao trabalhar a ideia de distinção entre atividades historicamente reconhecidas como funções governamentais é que Frankfurter busca o exemplo brasileiro. Em concreto, a nota de rodapé n. 5 da opinião da maioria da Corte é praticamente toda dedicada ao Brasil. Nela, Frankfurter indicava que mesmo quando a Constituição de um sistema federal lida expressamente com o problema da tributação intergovernamental, como no Brasil, diversos litígios surgem e é preciso estabelecer distinções a fim de evidenciar os casos em que haverá ou não a incidência de imunidade tributária. Exemplificando tais litígios, Frankfurter traz, ao todo, cinco casos julgados pelo STF sobre a incidência de imunidade tributária em questões intergovernamentais no Brasil, a saber: Apelação Cível n. 2.884 de 1917, Apelação Cível n. 2.900 de 1918, Apelação Cível n. 2.536 de 1919, Recurso em Mandado de Segurança n. 617 de 1940 e Agravo de Petição n. 8.024 de 1941. Interessante destacar, de plano, que tais casos foram julgados sob a égide de duas Constituições distintas: os três primeiros sob a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 e os dois últimos sob a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Quanto aos casos ocorridos sob a Constituição de 1891, o julgado da Suprema Corte dos EUA cita a regra disposta em seu art. 10, segundo o qual é proibido aos Estados tributar bens e rendas federais ou serviços a cargo da União, e reciprocamente. A nota de rodapé n. 5 faz menção expressa, ainda, ao próprio texto do art. 32, c, da Constituição de 1937 (vigente à época do julgamento), a saber: É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios tributar bens, renda e serviços uns dos outros.9 Em comum nos cinco casos, como se vê, tem-se a ideia da imunidade recíproca, que se apresenta no direito brasileiro, tal qual no contexto americano, como uma garantia de independência intergovernamental, de forma a impedir "que um ente da Federação venha a interferir, por cobrança de impostos, na autonomia de outro ente, haja vista que, pelo Princípio Federativo, todos os entes se encontram em situação de isonomia. A tributação por impostos de um ente pelo outro implicaria um vínculo de subordinação não tolerado em face da isonomia postulada pela forma federativa de Estado".10 Conforme exposto por Frankfurter, a distinção entre a situação brasileira e a americana residiria no fato de que toda a construção do regime de imunidade recíproca, nos EUA, estaria ligada à casuística e ao desenvolvimento dos precedentes quanto à configuração de atividades estatais historicamente reconhecidas como uma função governamental típica de Estado. No caso brasileiro, por outro lado, haveria um regramento geral de imunidade recíproca no patamar constitucional, ainda que os casos concretos viessem a indicar, a partir da formação de litígios judiciais, os exatos contornos e a extensão de tal imunidade. Nos casos citados pela Suprema Corte dos EUA, tem-se como exemplo a Apelação Cível n. 2.884 de 1917, na qual o Supremo Tribunal Federal entendeu ser inconstitucional a taxação, pela União, de bilhetes de loterias de concessão dos Estados. Ainda que com temáticas distintas, todos os demais casos do STF citados pela Suprema Corte dos EUA em New York v. United States (1946) seguiam a mesma linha de enunciar uma determinada atividade estatal à luz da imunidade de tributação por outro ente. Esses, enfim, os precedentes do STF já citados pela Suprema Corte dos EUA. Por derradeiro - e ainda em termos comparativos entre a realidade dos casos de imunidade recíproca no Brasil e nos EUA -, vale anotar a citação feita pela Suprema Corte dos EUA ao trabalho de Herman Gerlach James, então professor da Universidade do Texas em Austin. Em seu livro "The Constitutional System of Brazil", citado expressamente por Frankfurter, o professor americano especula que a positivação da imunidade recíproca no Brasil adveio de uma importação da lógica constitucional e dos precedentes da Suprema Corte dos EUA. Assim é que Herman Gerlach James explica que, no contexto brasileiro, "as limitações ao poder de tributação são todas retiradas de nossa própria jurisprudência, seja por transcrição direta da Constituição dos Estados Unidos ou pela incorporação de princípios estabelecidos em decisões de nossa Suprema Corte, como é o caso com a última proibição nomeada - a proibição de tributar bens, receitas ou serviços dos Estados".11 __________ 1 Veja-se, no ponto, a opinião do professor Pierre Legrand, vide: LEGRAND, Pierre. Como ler o direito estrangeiro. São Paulo: Contracorrente, 2018. 2 Um exemplo emblemático é o caso Columbia Broadcasting System v. Democratic National Committee, 412 U.S. 94 (1973), que discute a possibilidade de uma emissora de rádio de recusar seletivamente a exibição de publicidade paga em questões relativas a políticas públicas. Esse caso, no entanto, será abordado especificamente em uma coluna futura. 3 Diz-se único pelo fato de que as pesquisas do autor na base de dados da Suprema Corte dos EUA, a partir de diversos instrumentos, retornaram apenas esse caso de utilização expressa de um precedente do Supremo Tribunal Federal na fundamentação de um julgado. 4 New York. United States, 326 U.S. 572 (1946). De qualquer forma, importante não confundir o precedente em questão com outros dois julgados da Suprema Corte de mesmo nome, mas de anos diferentes, a saber: New York v. United States, 505 U.S. 144 (1992) e New York v. United States, 386 U.S. 349 (1967). 5 Os valores arrecadados com a venda das águas, que não eram suficientes para toda manutenção da reserva, eram complementados por dotações legislativas anuais por parte do Estado de New York. 6 South Carolina v. United States, 199 U.S. 437 (1905). 7 McCulloch v. Maryland, 17 U.S. (4 Wheat.) 316 (1819). Em breve resumo, o caso trata do poder da União em criar um banco e a tentativa do Estado de Maryland em tributá-lo. 8 New York. United States, 326 U.S. 576 (1946). 9 Na vigente Constituição de 1988 a norma constitucional permanece, com pouquíssima alteração textual em relação à Constituição de 1937, no art. 150, VI, a, a saber: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. Note-se, assim, a substituição de "tributar" por "instituir impostos" e de "bens" por "patrimônio". 10 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 11 JAMES, Herman Gerlach. The Constitutional System of Brazil. Washington: Carnegie Institution of Washington, 1923.
Os brasileiros nascidos nos anos 90 ou depois não viveram e não têm em sua memória o fenômeno da hiperinflação. De fato, a fracassada sequência de planos econômicos dos anos 80 e início dos 90 demarca um período de verdadeiro desajuste da economia nacional. Para que se tenha ideia, a inflação oficial do mês de março de 1990 foi de espantosos 82,39%, o que significa, por exemplo, que o preço médio de bens e serviços quase dobrou no período de apenas um mês. Não à toa, a imagem mais marcante da era da hiperinflação brasileira é a da pistola etiquetadora que remarcava os preços praticamente todos os dias nos supermercados. Nesse contexto, a legislação tentava estipular critérios a partir dos quais diversas categorias de bens e serviços teriam seus preços atualizados à luz da inflação reinante (indexação da economia). Especificamente quanto às mensalidades escolares, o início dos anos 90 foi pródigo em medidas legislativas destinadas à indexação de seus valores. A título de exemplo, a Medida Provisória 154/90 (art. 7º), depois convertida na lei Federal 8.030/90 (art. 8º), instituía o reajustamento mensal das mensalidades escolares no primeiro dia útil após o dia 15 de cada mês, tomando-se como base o percentual de reajuste mínimo mensal para os salários em geral. Adiante, a lei Federal 8.170/1991 estabelecia regras para a negociação de reajustes das mensalidades escolares. No ponto, a legislação regulava a possibilidade de negociação entre pais e escolas e criava um mecanismo de reajustes em que eram admitidos possíveis repasses e reflexos de custos pelas escolas, com pessoal e estrutura, aos valores das mensalidades. A partir do cenário inflacionário persistente e de uma sequência de planos econômicos infrutíferos, uma nova tentativa de estabilização veio em 1994 com o chamado Plano Real. Em suma, a Medida Provisória 434/1994, editada pelo governo de Itamar Franco (e por seu Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso e equipe), dispunha sobre o novo programa de estabilização e instituía, como padrão monetário temporário de conversão entre a moeda então vigente (Cruzeiro Real) e a futura (Real), a Unidade Real de Valor (URV). No que diz respeito à regulação das mensalidades escolares durante o período de transição monetária, a Medida Provisória 524/1994, de 7 de junho de 1994, estabelecia que os valores das mensalidades escolares, desde março de 1994, deveriam ser convertidos em URV "pela média aritmética obtida dos valores cobrados em cruzeiros reais nos meses de novembro de 1993 a fevereiro de 1994" (art. 1º). Em síntese, a norma previa, em junho de 1994, uma conversão de valores retroativa ao mês de março do mesmo ano; além disso, o critério de conversão considerava, para fins de média, os valores de novembro de 1993 a fevereiro de 1994 de forma nominal, a despeito do fato de que a moeda tinha seu valor corroído pela inflação à razão de 40% ao mês. De forma imediata, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino - CONEFEM ajuizou ação direta no Supremo Tribunal Federal contestando a constitucionalidade da MP 524/1994. Entre outras discussões, a ADI 1081 tinha como ponto central o argumento de que a fixação de critérios de conversão retro-operantes afrontaria o ato jurídico perfeito consubstanciado nos contratos firmados entre as partes (escolas e alunos). Na visão do Relator Ministro Francisco Rezek, "é a regra do ato jurídico perfeito que está em causa. São situações contratuais, consolidadas à luz do direito reinante no momento em que tais contratos se celebraram, à luz do quadro normativo que valeu até a edição da medida provisória".1 Na mesma linha do relator, o Ministro Celso de Mello apontava que a ordem constitucional brasileira consagrava, como regra, a "imodificabilidade das condições e do regime de execução dos negócios jurídico-contratuais, ressalvada a via do mútuo consenso", sendo possível vislumbrar tal proteção constitucional no art. 5º, XXXVI, que expressa que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.2 Assim, com fundamento na cláusula garantidora da integridade e intangibilidade dos atos jurídicos perfeitos, o Ministro acompanhava o relator no sentido de suspender a eficácia da MP 524/1994. No ponto - e julgando a medida cautelar pleiteada pela CONEFEM -, a maioria do STF entendeu por suspender os dispositivos da MP 524/1994 relativos à retroatividade da fórmula de cálculo das mensalidades escolares.3 Quanto à tutela das situações juridicamente consolidadas no tempo, o Ministro Celso de Mello observou que a Constituição dos EUA havia sido a primeira escrita a fixar cláusula de tutela contratual específica diante de eventual atividade legislativa posterior. Nas palavras do Ministro, a instituição da chamada "contract clause" consagraria a fórmula garantidora da integridade jurídica dos contratos. De fato, a "contract clause" da Constituição americana, disposta no Artigo I, Seção 10, Cláusula 1, indica que os Estados não podem aprovar leis que inviabilizem ou impeçam as obrigações decorrentes dos contratos anteriormente celebrados.4 Tal cláusula tinha como pano de fundo a ideia de evitar prática corrente tanto no período colonial quanto sob a égide da Confederação.5 De fato, as legislaturas locais acabavam aprovando projetos de lei que isentavam determinadas pessoas de suas obrigações contratuais; tal atitude era ainda mais visível quando os Estados aprovavam leis favorecendo e isentando seus próprios cidadãos em relações contratuais havidas com credores de outros Estados ou estrangeiros. Durante o próprio debate acerca da aprovação da atual Constituição dos EUA, Alexander Hamilton, no Federalista n. 7, criticava a atuação legislativa que impactasse contratos regulares anteriores, sobretudo pelo fato de que tal atitude colocaria em risco o fluxo de entrada de capital no país e, bem assim, aumentaria o risco de eventuais investidores. A solução para a questão estaria exatamente na "contract clause" e em sua proteção das relações jurídicas contratuais.6 É nesse sentido, então, que o Ministro Celso de Mello invoca precedentes da Suprema Corte dos EUA que bem traduzem a preocupação da Constituição americana com a intangibilidade contratual diante da legislação subsequente. Em específico, o Ministro traz uma tríade clássica de casos que tratam da intangibilidade dos contratos diante de legislação subsequente que os pretendia alterar. São eles: Fletcher v. Peck (1810), Dartmouth College v. Woodward (1819) e Sturges v. Crowninshield (1819). Em Fletcher v. Peck (1810)7, a Suprema Corte declarou, pela primeira vez, a inconstitucionalidade de uma lei estadual. No caso, o Estado da Georgia entendia ser proprietário de terras a oeste de seu território consolidado (onde hoje estão os Estados do Alabama e Mississippi); uma lei estadual, então, autorizou a venda de tais bens a preços irrisórios. A partir de pressão popular denunciando que a venda das terras pelo Estado havia sido aprovada mediante propinas, o Legislativo estadual aprovou nova lei que anulava as transações realizadas sob a égide da lei anterior. O especulador imobiliário John Peck havia adquirido uma parcela das terras e, mais tarde, as vendeu a outro especulador: Robert Fletcher. Diante da nova lei da Georgia, Fletcher acionou Peck alegando que a venda originária do terreno havia sido declarada inválida; diante disso, Peck não seria legítimo proprietário daquilo que vendera (venda a non domino), devendo ser responsabilizado. A questão a ser respondida pela Suprema Corte era a seguinte: o contrato firmado entre Fletcher e Peck poderia ser invalidado por um ato legislativo do Estado da Georgia? A Suprema Corte entendeu, no caso, que a "contract clause" constante da Constituição dos EUA proibiria que um Estado invalidasse contratos anteriores mediante legislação posterior. Assim, o contrato firmado entre Fletcher e Peck era válido, ainda que, em sua origem (lei do Estado da Georgia que autorizava a venda dos terrenos a partir de propina), houvesse nítida ilegalidade. Nove anos depois, em 1819, a Suprema Corte julgou o caso Trustees of Dartmouth College v. Woodward (1819).8 O Dartmouth College era uma instituição privada, gerida por um Conselho de Curadores e organizado de acordo com a carta de incorporação da Coroa Britânica que autorizava sua criação na colônia em 1769. Adiante, em 1816, o Estado de New Hampshire tentou, por meio de lei, tornar a instituição pública, o que daria poderes ao governador para indicar os membros do Conselho de Curadores (e, bem assim, influenciar na escolha do presidente da instituição pelo Conselho). Ao vislumbrar que a carta de incorporação real que viabilizava a criação da instituição tinha natureza contratual - e que tal contrato não tinha sido dissolvido a partir da revolução e independência dos EUA -, a Suprema Corte entendeu, à luz da "contract clause", que uma lei estadual não poderia interferir em obrigações contratuais anteriormente firmadas. Bem por isso, restava impossível a alteração da natureza jurídica do Dartmouth College e todas as consequências advindas da lei estadual em discussão. De se notar, ainda, que a conclusão redigida pelo o Chief Justice John Marshall citava expressamente o precedente firmado em Fletcher v. Peck (1810). Ainda no mesmo ano, a Corte julgou Sturges v. Crowninshield (1819).9 Entre outros assuntos, o caso discutia a possibilidade de uma lei estadual de Nova Iorque sobre falências ter aplicação em relação a contratos firmados antes de sua aprovação. Nesse sentido, o caractere retrospectivo da lei foi declarado inconstitucional também à luz da "contract clause". Para a Corte, haveria verdadeiro princípio universal a indicar que as leis, civis ou criminais, devem ser prospectivas, não podendo ter efeitos retrospectivos.10 Ao final, o que se vê é a invocação, pelo Ministro Celso de Mello, de precedentes estrangeiros que trazem um verdadeiro viés de confirmação da decisão tomada sob a égide da legislação nacional (art. 5º, XXXVI da CF/88). Certo, assim, que a garantia e a proteção aos contratos, em algum grau e forma, representa uma premissa que encontra lugar em diversas constituições modernas, o que facilita e viabiliza o diálogo entre as cortes sobre a matéria. No caso brasileiro, as mensalidades escolares, devidamente contratadas de acordo com a lei vigente (e que aplicavam fórmulas de indexação então válidas), não poderiam ser revistas por lei nova que operasse de forma retroativa. Aí, pois, a intangibilidade dos contratos como ponto comum aos sistemas brasileiro e americano. __________ 1 ADI 1081 - Voto do Relator Ministro Francisco Rezek. 2 ADI 1081 - Voto do Ministro Celso de Mello. 3 Vale destacar, por oportuno, que após julgada a medida cautelar a ADI foi julgada prejudicada em face da não reedição da Medida Provisória e de sua não conversão em lei. 4 Em sua versão original, eis o inteiro teor do Artigo I, Seção 10, Cláusula 1 da Constituição dos EUA: No State shall enter into any Treaty, Alliance, or Confederation; grant Letters of Marque and Reprisal; coin Money; emit Bills of Credit; make any Thing but gold and silver Coin a Tender in Payment of Debts; pass any Bill of Attainder, ex post facto Law, or Law impairing the Obligation of Contracts, or grant any Title of Nobility. 5 Em síntese, os Artigos da Confederação (ou, no original, Articles of Confederation and Perpetual Union) podem ser vistos como a Primeira Constituição americana, sobretudo na medida em que representaram a união dos Estados em torno de ideal comum de preservação (externa) e certa colaboração (interna). Os Articles foram aprovados em 15.11.1777 (pelo Segundo Congresso Continental dos Estados já independentes), entraram em efetiva operação em 1.3.1781 (após a ratificação de Maryland, último dos treze Estados a fazê-lo) e foram abandonados e substituídos em definitivo com o início da operação da atual Constituição Americana em 1789. 6 Eis trecho original do Federalista n. 7 sobre o tema: Laws in violation of private contracts, as they amount to aggressions on the rights of those States whose citizens are injured by them, may be considered as another probable source of hostility. We are not authorized to expect that a more liberal or more equitable spirit would preside over the legislations of the individual States hereafter, if unrestrained by any additional checks, than we have heretofore seen in too many instances disgracing their several codes. 7 Fletcher v. Peck, 10 U.S. (6 Cranch) 87 (1810). 8 Trustees of Dartmouth College v. Woodward, 17 U.S. (4 Wheat.) 518 (1819). 9 Sturges v. Crowninshield, 17 U.S. (4 Wheat.) 122 (1819). 10 No original: It is a principle of universal jurisprudence, that laws, civil or criminal, must be prospective, and cannot have a retrospective effect.
No ano de 1925, o Estado de Oklahoma aprovou uma lei regulamentando a fabricação, a venda e a distribuição de gelo. A legislação estadual declarava toda a cadeia produtiva de gelo como de utilidade pública. Diante disso, tais atividades dependiam de prévio licenciamento perante a Comissão de Corporações de Oklahoma, sendo que o funcionamento ilegal da atividade era passível de multa de até U$ 25,00 (vinte e cinco dólares) por dia, dentre outras penalidades. Como condicionante ao estabelecimento de novas empresas da cadeia produtiva de gelo no Estado, a legislação impunha a efetiva comprovação, perante a Comissão de Corporações de Oklahoma, da necessidade de oferta do produto na localidade em que se pretendia a referida instalação. Nesse sentido, restaria impedida a concessão de licença para novos empreendimentos nas localidades onde as corporações já existentes fossem capazes de atender à demanda do produto. A despeito da regulamentação estatal da matéria e sem qualquer tipo de licenciamento, a empresa Liebmann havia adquirido uma propriedade na cidade de Oklahoma, capital do Estado de mesmo nome, e iniciado a construção de uma fábrica de gelo. Diante desse cenário, a New State Ice Company, fabricante de gelo devidamente licenciada e que tinha sua operação localmente consolidada há alguns anos, tendo investido em suas plantas o montante aproximado de U$ 500.000,00 (quinhentos mil dólares), acionou o Poder Judiciário a fim de impedir a atuação ilegal de sua pretensa concorrente. No caso, a Liebmann argumentava que a cadeia produtiva do gelo não poderia ser considerada de utilidade pública pela legislação estadual. Assim, enquanto atividade nitidamente privada, a cláusula do devido processo substantivo protegeria sua liberdade fundamental de atuação naquele ramo independentemente de licenciamento. Além disso, o condicionamento da atividade a uma suposta necessidade de demanda local não atendida privaria indevidamente a liberdade da empresa. Ante tais argumentos, a Corte Distrital Federal (1ª instância) entendeu que a fabricação de gelo representaria uma atividade empresarial notadamente privada que, enquanto tal, não poderia estar sujeita à restrição estatal por intermédio de licenciamento compulsório. Com os mesmos argumentos, a Corte Federal de Apelações do Décimo Circuito manteve a decisão de 1ª instância. Inconformada com a entrada de uma concorrente não licenciada em seu mercado cativo, a New State Ice Company apelou à Suprema Corte dos EUA sob o argumento de que a atividade legislativa e regulatória do Estado de Oklahoma, ao condicionar a fabricação do gelo a licenciamento específico, seria válida, razoável e justificada. Mais do que isso, caberia à Liebmann demonstrar o desacerto da decisão legislativa que, em abstrato, determinou o esquema regulatório da cadeia produtiva do gelo em nome do interesse público dos cidadãos de Oklahoma. Em sua decisão, a Suprema Corte, por seis votos a dois, manteve o julgamento das Cortes inferiores. Em específico, a opinião da Corte, da lavra do Justice George Sutherland, indicava que a atividade empresarial de fabricação e venda de gelo seria essencialmente privada; com isso, não haveria um interesse público capaz de justificar constitucionalmente a limitação concorrencial trazida pela legislação estadual àqueles que pretendessem atuar na área. No entanto, a decisão da Suprema Corte em New State Ice Co. v. Liebmann (1932) é até hoje famosa em função da opinião dissidente do Justice Louis Brandeis. No caso, Brandeis entendia que ao Estado de Oklahoma deveria ser garantida a possibilidade de estabelecer um esquema regulatório com licenças obrigatórias para a fabricação de gelo. Diante disso - e em sua notável frase no julgamento em questão -, afirmava, em resumo, que a negativa ao direito de experimentação pelos Estados poderia acarretar sérias consequências à nação. É que um dos felizes incidentes do sistema federal seria o fato de que um Estado corajoso pode, se seus cidadãos assim decidirem, servir como um laboratório e realizar experimentos sociais e econômicos sem risco para o restante do país.1 Brandeis introduzia, assim, a ideia de que os Estados da federação seriam, em sua atividade legislativa, verdadeiros "laboratórios da democracia". Com isso, os experimentos no nível local poderiam trazer ensinamentos e servir como modelo futuro à população em geral. Sem dúvidas, o modelo de "laboratórios da democracia" de Brandeis teve grande repercussão em julgamentos futuros na Suprema Corte dos EUA e na sociedade americana. Tudo isso, pois, diante das características próprias do federalismo americano, no qual os entes federados têm papel proeminente frente ao governo central.2 A situação brasileira, no ponto, é bastante distinta. Ainda que com notável inspiração no modelo americano, o federalismo brasileiro, com sua distribuição difusa de competências, foi gestado e desenvolvido com nítida tendência centralizadora. Diante disso, o que se vê é um regime de agigantamento de competências nacionais que permite à União verdadeiro controle e condicionamento das atividades subnacionais. Por aqui, pois, os chamados "laboratórios da democracia" de Brandeis detêm um campo de experimentação muito mais limitado. Ainda assim, o conceito formulado em 1932 na Suprema Corte dos EUA tem sido revigorado, no Brasil, em discussões relativas às competências legislativas da União e dos Estados. De forma expressa, o Supremo Tribunal Federal utilizou o precedente firmado em New State Ice Co. v. Liebmann (1932) em apenas uma ocasião até hoje: no julgamento em que reconheceu a existência de repercussão geral da matéria tratada no RE 1.188.352/DF, da relatoria do Ministro Luiz Fux. Em concreto, trata-se de recurso interposto pelo Governador do Distrito Federal contra acórdão do TJDFT que, em processo objetivo, assentou a inconstitucionalidade da de lei distrital que invertia as fases de habilitação e de classificação nas licitações no âmbito do Distrito Federal.3 Afirmava o governador, na oportunidade, que o Distrito Federal havia ultrapassado sua competência legislativa e adentrado naquela privativa da União para editar normais gerais de licitação. De fato, a discussão ainda pendente de julgamento no Supremo diz respeito à possibilidade de que Estados, Distrito Federal e Municípios legislem sobre a inversão de fases de habilitação e classificação nos procedimentos licitatórios sob sua alçada, sobretudo tendo em vista que a Constituição, em seu art. 22, XXVII, indica que compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Em termos práticos, predomina o entendimento de que a inversão de fases no procedimento licitatório representa efetivo ganho de eficiência e celeridade, principalmente quando se vislumbra a economia processual com a análise dos quesitos de habilitação após o exame das propostas em si. Com a inversão de fases, o que se tem é a mudança da ordem de análise dos documentos de habilitação e de proposta (primeiro se julgam as propostas, depois é analisada a qualificação do proponente que apresentou a melhor delas). Assim, somente os documentos de qualificação da melhor proposta é que serão abertos; na etapa subsequente, faz-se a verificação da melhor proposta quanto ao atendimento de todos os requisitos previstos no edital (sobretudo a capacidade jurídica, a qualificação técnica, a qualificação econômico-financeira e a regularidade fiscal do proponente). A tese contrária à inversão de fases por legislação subnacional tem como argumento fundante o fato de que tal providência descaracterizaria o processo licitatório previsto na lei 8.666/93, que é norma geral de licitações e contratações editada pela União no exercício de sua competência legislativa privativa. Debatendo tal ponto quando do reconhecimento da repercussão geral, o Ministro Luiz Fux utiliza a ideia dos "laboratórios da democracia" a fim de vislumbrar uma possível experimentação normativa pelos entes subnacionais. Para Fux, "a imposição constitucional de existência de um núcleo comum e uniforme de normas deve ser sopesada com a noção de laboratório da democracia (laboratory of democracy). É desejável que os entes federativos gozem de certa liberdade para regular assuntos de forma distinta, não apenas porque cada um deles apresenta peculiaridades locais que justificam adaptações da legislação federal, mas também porque o uso de diferentes estratégias regulatórias permite comparações e aprimoramentos quanto à efetividade de cada uma delas". Citando a famosa locução de Brandeis em New State Ice Co. v. Liebmann (1932), o Ministro do STF argumenta que "impor ao Estado-membro a simples reprodução acrítica de norma federal, quando tal circunstância não decorre de mandamento constitucional ou de algum imperativo real de uniformidade nacional, inviabiliza uma das facetas do federalismo enquanto meio de, nos estritos limites das competências constitucionais de cada ente, inovar e evoluir na política regulatória".4 Quanto ao tema de fundo discutido no RE 1.188.352/DF (possibilidade de legislação subnacional acerca das fases do procedimento licitatório), duas observações finais são importantes. Primeira: embora tivesse julgamento de mérito agendado para 13.5.2021, o processo foi excluído da pauta pelo presidente do STF em 6.5.2021. Não há, ainda, nova previsão de pauta. Segunda: a Nova Lei de Licitações (lei Federal 14.133/2021), editada com base na competência da União para legislar sobre normas gerais de licitação, trouxe como regra procedimental a inversão de fases nas licitações (art. 17), o que pode servir como parâmetro argumentativo para o julgamento do STF no sentido de chancelar a viabilidade de legislação subnacional invertendo as fases dos procedimentos licitatórios sob a égide da Lei Federal 8.666/1993. Caso isso ocorra, haverá a chancela, também, da atividade dos "laboratórios da democracia" no Brasil. Por derradeiro - e para além da discussão acerca da competência legislativa em matéria de licitações -, importante mencionar que o Ministério Público Federal, no ano de 2021, fez uso da ideia dos "laboratórios da democracia" e do experimentalismo federativo, com expressa menção ao caso New State Ice Co. v. Liebmann (1932), em dois processos específicos em trâmite no STF: 1) em parecer na ADI 6732/GO, sobre a inconstitucionalidade de norma da Constituição do Estado de Goiás que estabelece a exigência de prévia autorização do Tribunal de Justiça para abertura de inquérito, por crimes comuns, contra autoridades com foro por prerrogativa de função; 2) em vinte duas ADIs questionando dispositivos estaduais (e do DF) que permitem a reeleição de membros das Mesas Diretoras das Assembleias Legislativas, para o mesmo cargo, na eleição imediatamente subsequente dentro da mesma legislatura.5 Ao final, o que se vê é que a ideia dos "laboratórios da democracia" de Louis Brandeis tem ganhado corpo no federalismo brasileiro. Assim, o feliz incidente do sistema federal que viabiliza a existência dos "laboratórios" e dos experimentos nos entes subnacionais parece que veio para ficar. __________ 1 No original: To stay experimentation in things social and economic is a grave responsibility. Denial of the right to experiment may be fraught with serious consequences to the Nation. It is one of the happy incidents of the federal system that a single courageous State may, if its citizens choose, serve as a laboratory and try novel social and economic experiments without risk to the rest of the country. This Court has the power to prevent an experiment. We may strike down the statute which embodies it on the ground that, in our opinion, the measure is arbitrary, capricious or unreasonable. We have power to do this, because the due process clause has been held by the Court applicable to matters of substantive law as well as to matters of procedure. But in the exercise of this high power, we must be ever on our guard, lest we erect our prejudices into legal principles. If we would guide by the light of reason, we must let our minds be bold. 2 Tanto é assim que a dualidade de competências entre os Estados e a União é expressada de forma clara na Décima Emenda à Constituição dos EUA, a última do chamado Bill of Rights. Vejamos seu texto: Os poderes não delegados aos Estados Unidos pela Constituição, nem proibidos por ela aos Estados, são reservados aos Estados, respectivamente, ou ao povo. Em outras palavras, a Décima Emenda destaca que a inclusão de uma Declaração de Direitos (Bill of Rights) na Constituição não altera o caráter fundamental do governo nacional, que continua a ser um governo de poderes limitados e enumerados. Assim, a primeira questão a ser analisada em todo e qualquer exercício de poder federal não é a eventual violação dos direitos de alguém, mas sim a virtual extrapolação dos poderes enumerados do governo nacional. Nesse sentido é a concordância dos professores Gary Lawson e Robert Shapiro na interpretação constante da Constituição interativa disponível no site do National Constitution Center. Disponível em: https://constitutioncenter.org/interactive-constitution. 3 Lei Distrital 5.345/2014. O Recurso Extraordinário em questão resultou no Tema 1036 da Repercussão Geral no STF, a saber: Competência legislativa para editar norma sobre a ordem de fases de processo licitatório, à luz do art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal. 4 STF - RE 1.188.352/DF RG - Voto do Ministro Luiz Fux. 5 Dispositivos das Constituições de Mato Grosso do Sul (ADI 6698), do Maranhão (ADI 6699), Minas Gerais (ADI 6700), Roraima (ADI 6703), Goiás (ADI 6704), Pará (ADI 6706), Espírito Santo (ADI 6707), Tocantins (ADI 6709), Sergipe (ADI 6710), Piauí (ADI 6711), Pernambuco (ADI 6712), Paraíba (ADI 6713), Paraná (ADI 6714), Ceará (ADI 6715), Acre (ADI 6716), Mato Grosso (ADI 6717), Amapá (ADI 6718), Amazonas (ADI 6719), Alagoas (ADI 6720), Rio de Janeiro (ADI 6721), Rondônia (ADI 6722) e da Lei Orgânica do Distrito Federal (ADI 6708).
No diz 22 de março de 1954, Paul Marlor Sweezy, então professor da University of New Hampshire, ministrou aula no curso de Humanidades para uma turma de aproximadamente 100 alunos. Na oportunidade, sua exposição abrangia temas ligados ao marxismo e à inevitabilidade do socialismo. Proveniente de uma família tradicional - e tendo ambos os pais com formação superior -, Sweezy estudou, quando criança e adolescente, em instituições de elite no nordeste dos EUA. Formou-se com honras em Harvard, em 1932. Estudou, também, na London School of Economics, antes de retornar a Harvard, em 1937, para seu Doutorado. Já no início do ano de 1954, antes mesmo da aula proferida em 22 de março, Sweezy havia sido intimado, por ordem do procurador-geral do Estado (State Attorney General) de New Hampshire, para esclarecer questões relacionadas a seu suposto envolvimento e conexão com ideias e grupos socialistas e comunistas. Após a referida aula em março, Sweezy foi novamente chamado a se pronunciar sobre uma eventual defesa, em classe, da inevitabilidade do programa socialista a partir do materialismo dialético, ocasião em que declinou responder, entre outras, perguntas como as seguintes: a) qual foi o assunto de sua aula?; b) você não disse à classe em 22 de março que o socialismo era inevitável no país?; c) você defendia o marxismo naquela ocasião?; d) você expressou opinião ou fez declaração de que o socialismo era inevitável na América?; e) você, nessa aula ou em qualquer outra anterior, defendeu a teoria do materialismo dialético?1 A investigação a que se submetia Sweezy decorria de legislação estadual aprovada em 1951. Em específico, a lei objetivava regular e definir condutas criminais tidas como subversivas à ordem e ao Estado. Nesse contexto, foram declaradas ilegais e dissolvidas diversas organizações; por outro lado, pessoas identificadas como subversivas foram tornadas inelegíveis para empregos públicos (o que abrangia professores e funcionários de instituições educacionais públicas, tal qual a University of New Hampshire). Um programa de fidelidade foi instituído no Estado de New Hampshire a fim de eliminar os subversivos entre os funcionários estatais: todos eram obrigados a declarar, sob juramento e nos termos da lei, que não se enquadravam como tal. Em 1953, o legislativo estadual havia dado poderes ao procurador-geral para conduzir uma ampla investigação acerca de eventuais transgressões à lei aprovada em 1951. A ideia, na ocasião, era averiguar a existência de pessoas subversivas nos quadros do Estado. No contexto de tal investigação é que o então professor Paul Marlor Sweezy fora intimado para depoimento. Nos depoimentos, interessa notar que Sweezy não invocou seu direito contra autoincriminação. Seu silêncio - e recusa de reposta às perguntas - tinha como fundamento a alegação de que os questionamentos não tinham qualquer relação com a investigação e, mais do que isso, violavam seus direitos protegidos pela Primeira Emenda (liberdade de expressão no ambiente acadêmico). A despeito de tais fundamentos, seu silêncio na Corte local foi sancionado enquanto desobediência (contempt of court), o que foi mantido pela Suprema Corte Estadual. Condenado à prisão, Sweezy foi liberado mediante fiança e apelou à Suprema Corte dos Estados Unidos. Em breve síntese, a Suprema Corte entendeu, por maioria, que houve uma invasão inconstitucional na liberdade acadêmica e de expressão política do professor, sendo que, em tais áreas, o Estado deveria ser extremamente reticente em avançar. Vislumbrou-se, ainda, a gravidade resultante da intrusão governamental indevida na vida intelectual de uma universidade. Nesse sentido, pois, a decisão da Corte afastando a condenação de Sweezy é tida, até os dias atuais, como um dos grandes marcos da proteção constitucional à liberdade acadêmica. O caso do professor Paul Marlor Sweezy tinha um claro pano de fundo. De fato, a legislação estadual de New Hampshire traduzia uma realidade comum na primeira metade século XX nos Estados Unidos: a chamada ameaça vermelha (ou perigo vermelho). Em outras palavras, os períodos de pós-guerra foram marcados por um forte sentimento anticomunista, com variadas expressões de perseguição e criminalização a opiniões políticas comunistas ou socialistas.2 Isso, no mais das vezes, em virtude de um pavor de infiltração de tais doutrinas no governo americano e de uma consequente derrocada do sistema capitalista. A situação americana, com sua ameaça vermelha, encontrava certa ressonância no Brasil, onde o ideal anticomunista também já se desenhava no início do século XX. Exemplo disso foi a exposição, por parte do governo de Getúlio Vargas em 1937, de um suposto plano comunista para tomada do poder (Plano Cohen), o que foi tido como um dos estopins para instauração do Estado Novo (1937-1946) e de sua política nitidamente centralizadora, autoritária e anticomunista. Adiante, a instabilidade política e o golpe de 1964 trouxeram consigo, também, uma forte perseguição às ideologias de esquerda tidas como comunistas ou socialistas. O temor, enfim, era análogo ao americano: a instalação, no Brasil, de um regime similar ao cubano e que se alinhasse aos soviéticos. Foi diante desse cenário que, menos de três meses após o golpe, em 26 de junho de 1964, Sérgio Cidade de Rezende, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Católica de Pernambuco, compareceu à faculdade a fim de supervisionar a aplicação de prova aos 26 alunos de sua turma de Introdução à Economia. Na ocasião, o professor distribuiu aos alunos um manifesto criticando a situação política vigente, o que teria sido reputado como subversivo por trazer expressa exaltação ao comunismo. Em específico, o professor indicava que "aos estudantes cabe uma responsabilidade, uma parcela de decisão dos destinos da sociedade e para isto têm que optar entre 'gorilisar-se' ou permanecerem seres humanos. A êstes cabe a honra de defender a democracia e a liberdade" (sic). Sérgio Cidade de Rezende era filho de Estêvão Taurino de Resende Neto. Militar de carreira, Taurino ingressou no Exército em 1918 e participou ativamente do golpe de 1964. Logo após o golpe, foi transferido para a reserva no posto de Marechal. Ainda em abril de 1964, no entanto, foi nomeado por Castelo Branco, recém-empossado como presidente, ao cargo de chefe da Comissão Geral de Investigações (CGI), organismo encarregado de coordenar os inquéritos policial-militares (IPM) então instaurados para apurar atividades subversivas.3 A despeito disso, duas semanas após a manifestação de Sérgio Cidade de Rezende em classe na Universidade Católica de Pernambuco, o professor foi preso preventivamente no bojo de processo em que se apurava suposta atividade subversiva tipificada nos artigos 11, a, §3º e art. 17 da Lei n. 1.802/1953, que então definia os crimes contra o Estado e a Ordem Política e Social.4 O imbróglio da prisão no Recife resultou no pleito de demissão do Marechal Taurino, tendo sido substituído pelo almirante Paulo Bosísio.5 A prisão do professor por supostos atos subversivos a partir de sua manifestação em sala de aula trazia à tona a questão da liberdade acadêmica. Mas, muito mais do que isso, o fato de que se tratava do filho de um Marechal que comandara a Comissão Geral de Investigações recentemente criada dava maior notoriedade ao caso. Em termos jurídicos, coube a um trio de aguerridos advogados a representação do professor e a contestação de sua prisão por intermédio de Habeas Corpus perante o Supremo Tribunal Federal: Justo de Morais, Joaquim Correia de Carvalho Jr. e Inezil Penna Marinho. No STF, o HC 40.910/PE, relatado pelo Ministro Hahnemann Guimarães, despertou grande debate acerca da liberdade de expressão no ambiente acadêmico, sobretudo ao travar tal discussão sob a égide de um regime ditatorial recém-instaurado e que, de forma nítida, repreendia com violência determinados matizes de expressão. Em breve síntese - e em termos de resultado -, não havia no caso, para o STF, qualquer incitamento à prática de processos violentos para subversão da ordem política ou social, sendo imperiosa a concessão da ordem de habeas corpus em face da ilegal prisão havida. O que salta aos olhos no julgamento, no entanto, é a extensa utilização do ambiente americano para a sustentação da ideia de liberdade de expressão no ambiente acadêmico, sobretudo nos votos dos Ministros Evandro Lins e Silva e Victor Nunes Leal. O Ministro Evandro Lins e Silva invocara em seu voto a cátedra do então Justice William O. Douglas, da Suprema Corte dos Estados Unidos. Em específico, Lins e Silva trazia diversos trechos de um livro6 do Justice Douglas que abordava a temática e assim concluía: Minha tese é que não há liberdade de expressão, no sentido exato do termo, a menos que haja liberdade para opor-se aos postulados essenciais em que se assenta o regime existente. Ainda citando o juiz americano, Lins e Silva apontava que "a liberdade é um bem precioso que deve ser guardado por todos que a têm, pois onde não existe liberdade pessoal não há senão medo, vazio e desespero". No entanto, é no voto do Ministro Victor Nunes Leal que a invocação de precedentes da Suprema Corte dos EUA encontra corpo. De fato, Nunes Leal disseca o julgamento de Sweezy v. New Hampshire (1957) em uma análise brilhante e minuciosa dos votos apresentados pelos Justices da Suprema Corte americana. Assim, após sintetizar e sistematizar os argumentos acerca da extensão da liberdade de cátedra e de sua configuração enquanto expressão protegida pela Primeira Emenda da Constituição dos EUA, Nunes Leal conclui que, "no Brasil, quase tudo está por se fazer. Nosso futuro depende do espírito de criação dos homens de pensamento, principalmente dos jovens, e não há criação, no mundo do espírito, sem liberdade de pensar, de pesquisar, de ensinar. Se há um lugar em que o pensamento deve ser livre, este lugar é a universidade, que é o laboratório do conhecimento. E eu não gostaria que os jovens brasileiros pudessem, algum dia, reproduzir, ao pé da letra, aquelas palavras melancólicas de Einstein, ou pudessem comparar a nossa universidade com as universidades dos países submetidos à ditadura". Após tal exposição por parte do Ministro Victor Nunes Leal, o Ministro Pedro Chaves7 trouxe o que pode ser visto como um dos primeiros grandes embates acerca do uso de precedentes estrangeiros pelo Supremo Tribunal Federal. É que, contestando a invocação realizada por Nunes Leal, o Ministro Pedro Chaves assim interveio: V. Exa. me perdoe, eu queria apenas fazer uma distinção, porque ouço sempre com grande pesar essas invocações que V. Exa. faz da cultura norte-americana, absolutamente diversa da nossa cultura, dos nossos meios e dos nossos hábitos. Em réplica, Nunes Leal argumentava que "se invoco um exemplo de país mais adiantado, é para que nos sirva de modelo". Adentrando na discussão, o Ministro Gonçalves de Oliveira assim expôs: Modelo em algumas coisas, em outras não. Por exemplo, no caso do ódio de classes, no ódio aos negros, tanta falta de humanidade. Encerrando o ponto, Nunes Leal enfatizava que os temas e problemas trazidos por Gonçalves de Oliveira não estavam em discussão. Adiante, coube ao Ministro Hermes Lima nova provocação sobre a utilização dos precedentes alienígenas e a suposta diferença cultural alegada por Pedro Chaves. Vejamos: Será que a diferença cultural permite que a gente fique triste, nos Estados Unidos, com a falta de liberdade e não permite que a gente sinta a mesma coisa no Brasil? Será que a diferença cultural autoriza a falta de liberdade no Brasil? Será que a diferença cultural autoriza a liberdade de cátedra? Em outras palavras, a questão trazida pelo Ministro Hermes Lima bem traduz, ainda hoje, a dúvida que paira sobre a viabilidade de utilização de precedentes estrangeiros e a importação de teses jurídicas alienígenas. Em resumo, não há dúvidas que a rica discussão metodológica de direito comparado havida nos votos e debates no bojo do HC 40.910/PE é tema que, atualmente, necessitaria ser revigorado no STF, sobretudo a fim de definir qual é o valor normativo dos precedentes estrangeiros na própria Corte e no ordenamento jurídico brasileiro em geral. Mas isso, no entanto, é matéria para uma próxima coluna. __________ 1 Sweezy v. New Hampshire, 354 U.S. 234 (1957), at 243-244. 2 Em específico, é possível vislumbrar dois momentos de grande expressão da ameaça vermelha: o primeiro logo após a Primeira Guerra Mundial; o segundo, no período imediatamente posterior à Segunda Guerra (como no caso de Sweezy). 3 Vide aqui. Acesso em 10.6.2021. 4 Lei 1.802/1953 - Art. 11. Fazer publicamente propaganda: a) de processos violentos para a subversão da ordem política ou social; Pena: reclusão de 1 a 3 anos. §3º Pune-se igualmente, nos têrmos dêste artigo, a distribuição ostensiva ou clandestina, mas sempre inequìvocamente dolosa, de boletins ou panfletos, por meio dos quais se faça a propaganda condenada nas letras a, b e c do princípio dêste artigo. Art. 17. Instigar, públicamente, desobediência coletiva ao cumprimento da lei de ordem pública. Pena: - detenção de seis meses a 2 anos. 5 Vide nota 3 acima. 6 Eis o livro: DOUGLAS, William O. The Right of the People. Pyramid Books, 1962. 7 Interessante notar que o Ministro Pedro Chaves já havia votado no sentido de conceder a ordem de habeas corpus em termos estritamente jurídicos, ainda que trazendo críticas políticas aos supostos subversivos que, em sua opinião, "queriam fazer de nossa independência, da nossa liberdade de opinião, do nosso direito de sermos brasileiros e democratas, tábula rasa, para transformar-nos em colônia soviética, onde eles não seriam capazes de manifestar um pensamento sequer em favor das ideias liberais para eles, então haveria Sibéria, 'paredon' e outros constrangimentos".
Um debate tomou conta do Estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, no início dos anos 2000. Em meados da década de 1980, um debate tomou conta do Estado da Flórida, nos Estados Unidos da América. Em comum, nos hemisférios sul e norte, a comoção social e o motivo dos debates: a viabilidade jurídica do abate ou sacrifício de animais em rituais religiosos. A comoção "do norte" teve início quando, em abril de 1987, uma seccional da Igreja Lukumi Babalu Aye, de matriz afro-cubana derivada da religião Santería, adquiriu uma propriedade na cidade de Hialeah, próxima a Miami, com a finalidade específica de ali instalar um de seus templos. Tão logo a informação foi assimilada na comunidade, em junho de 1987, uma sessão pública emergencial foi convocada pela Câmara Municipal de Hialeah. A pauta da sessão era bastante específica: discutir o fato de que a Igreja Lukumi Babalu Aye adotava como prática religiosa o sacrifício ritual de determinados animais. É que, seguindo suas crenças, os religiosos que se instalariam na cidade utilizavam o sacrifício de pequenos animais como forma de oferta aos espíritos (orixás) por eles venerados. A sessão da Câmara Municipal de Hialeah foi marcada por expressões apaixonadas em oposição às praticas adotadas pela Igreja. Nesse sentido, diversos cidadãos manifestaram sua preocupação com a futura instalação do templo na cidade. Os próprios membros da Câmara Municipal - contrários, via de regra, às práticas da religião Santería - argumentavam que os rituais eram proibidas até mesmo em Cuba (local de origem da religião específica); mais do que isso, indicavam que os devotos violavam, em seus cultos, tudo o que os Estados Unidos da América representavam como nação. Ainda segundo um membro da Câmara, a Bíblia sagrada permitiria o sacrifício animal para consumo humano, mas não para outros propósitos. Como suma da sessão, o Presidente da Câmara Municipal questionara seus pares e cidadãos então presentes: o que podemos fazer para evitar a instalação e abertura da Igreja Lukumi Babalu Aye em nossa cidade?1  A ação imediata da Câmara Municipal resultou na adoção da Resolution 87-66 e da Ordinance 87-40. A primeira trazia a preocupação dos residentes de que certas religiões poderiam envolver práticas que seriam inconsistentes com a moral pública, a paz ou a segurança; declarava, ainda, que a cidade reiterava seu compromisso com a proibição de quaisquer atos de grupos religiosos contrários a tais valores. A segunda, por sua vez, incorporava localmente a lei de crueldade animal do Estado da Flórida, que sujeitava à persecução criminal o agente que, de forma desnecessária ou cruel, matasse qualquer animal. Aprovada a lei local - e fechando o cerco às práticas da seita Lukumi Babalu Aye -, o procurador da Cidade de Hialeah (City Attorney) solicitou a opinião jurídica do procurador geral do Estado da Flórida (Attorney General of Florida) acerca da legislação estadual sobre crueldade animal que então se incorporava à cidade. Em síntese, questionava se a lei estadual proibiria um grupo religioso de sacrificar um animal em ritual ou prática religiosa. Em resposta, o procurador-geral concluíra que o sacrifício ritual de animais para outros fins que não o consumo configuraria um abate desnecessário, sendo então proibido.2 Em setembro de 1987, nova legislação local definiu o sacrifício animal como o ato de matar, atormentar, torturar ou mutilar desnecessariamente um animal, em ritual ou cerimônia pública ou privada, que não tenha como propósito principal o consumo de alimentos. Diante disso - e ao vislumbrar sua impossível instalação e práticas religiosas na Cidade de Hialeah -, a Igreja Lukumi Babalu Aye judicializou a questão alegando que as normais locais violariam a Primeira Emenda da Constituição dos EUA, em sua cláusula de liberdade religiosa, eis que proibiam o exercício e as práticas rituais de seus adeptos e seguidores. Analisando a questão, as instâncias inferiores entenderam possível a restrição formalizada pela lei local. Em outras palavras, não haveria violação ao livre exercício da religião pelos adeptos da Igreja Lukumi Babalu Aye. É que, mesmo reconhecendo que a legislação não seria neutra em termos religiosos, sustentou-se que a prevenção de riscos à saúde pública e o combate à crueldade contra animais justificariam a proibição de sacrifícios rituais. Inconformada, a Igreja Lukumi Babalu Aye peticionou à Suprema Corte dos EUA a fim de reverter a situação (writ of certiorari). Ao aceitar o caso para julgamento, a Suprema Corte enquadrou a questão sob análise da seguinte forma: a legislação local da Cidade de Hialeah, que proíbe o sacrifício de animais em rituais religiosos, viola a cláusula de liberdade de exercício religioso consagrada pela Primeira Emenda à Constituição? A opinião da Corte em Church of the Lukumi Babalu Aye, Inc. v. Hialeah (1993), de autoria do Justice Anthony Kennedy, indicava que, na medida em que a legislação da cidade não se aplicava de forma ampla, indistinta e neutra (sendo notadamente direcionada a práticas religiosas de sacrifício animal), sua compatibilidade com a Constituição deveria ser aferida a partir da mais rigorosa fórmula de análise: o chamado escrutínio estrito (strict scrutiny). No ponto, a aplicação do escrutínio estrito demandava que as normas locais fossem lastreadas e justificadas por um interesse governamental imperioso (compelling governamental interest) e estritamente relacionadas (narrowly tailored) com a promoção desse interesse. No entanto, os interesses da Cidade de Hialeah em regulamentar o sacrifício animal eram direcionados apenas às condutas religiosas e não se adequavam aos requisitos do escrutínio estrito. De fato, as normas suprimiam a conduta religiosa específica a despeito de uma aplicação geral das restrições pretendidas (sacrifício animal). À luz da liberdade religiosa (Primeira Emenda), pois, a Suprema Corte, por unanimidade, reputou inconstitucional a norma local de Hialeah proibindo a morte desnecessária de animais em rituais ou cerimônias que não tivessem como propósito principal o consumo alimentício. Assim - e em termos normativos -, restou estabelecida a impossibilidade de restrição dos rituais religiosos de sacrifício animal independentemente da finalidade do abate (para consumo alimentar ou não). No hemisfério sul, mais de quinze anos após as discussões em Hialeah, o Estado do Rio Grande do Sul aprovava o seu Código Estadual de Proteção aos Animais. Na ocasião, a Lei Estadual n. 11.915/2003 estabelecia normas protetivas aos animas com o intuito de compatibilizar o desenvolvimento socioeconômico com a preservação ambiental (art. 1º). A aludida norma proibia, como regra geral, as condutas causadoras de sofrimento animal (sacrifício, molestamento, privação ou dano - art. 2º). Ato contínuo, restou aprovada no ano seguinte a Lei Estadual n. 12.131/2004, acrescentando o que segue quanto à vedação exposta acima: não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana. Regulamentando a lei, o Decreto Estadual n. 43.252/2004 estabelecia que, para o exercício de cultos religiosos, cuja liturgia provém de religiões de matriz africana, somente poderão ser utilizados animais destinados à alimentação humana, sem utilização de recursos de crueldade para a sua morte. De logo, a exceção religiosa específica para cultos e liturgias das religiões africanas acendeu o debate acerca da juridicidade do sacrifício de animais em rituais religiosos. Nesse sentido, a reação imediata à aprovação de tais normas veio na forma de Ação Direta de Inconstitucionalidade manejada pelo Ministério Público Estadual perante o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Para além de questões de competência e forma, tinha-se como parâmetro de controle, na espécie, normais centrais federais repetidas e incorporadas na Constituição Estadual (em seu art. 1º): o princípio da igualdade (art. 5º da CF/88) e o da laicidade estatal (art. 19, I, da CF/88). Trazendo concretude a tais argumentos, o Ministério Público gaúcho indicava que o legislador estadual havia desrespeitado o princípio isonômico ao excepcionar apenas os cultos de matriz africana. Diante disso, o discrímen revelar-se-ia arbitrário, eis que inúmeras outras expressões religiosas também se valeriam de sacrifícios animais que, ante a legislação, continuariam proibidos.  Ainda no âmbito do Tribunal de Justiça gaúcho, diversas entidades3 da sociedade civil organizada postularam admissão como amici curiae. Exatamente nos memoriais apresentados por tais entidades é que veio aos autos a primeira menção ao caso julgado na Suprema Corte dos EUA em 1993. Na ocasião, as entidades enfatizavam que o precedente estrangeiro retratava a inviabilidade de hostilização às práticas religiosas por parte da legislação local. No julgamento da ação direta, o Desembargador Araken de Assis (relator) também aludia ao julgado estrangeiro, rememorando que, apesar de as leis locais da Cidade de Hialeah proibirem o sacrifício animal, "a Suprema Corte entendeu que as autoridades locais devem respeitar a tolerância religiosa". E continuava o Desembargador: "No caso, sem traçar paralelos com outras religiões e práticas, ou adotar a motivação porventura mais ajustada àquele sistema jurídico, estimo que se aplique perfeitamente tal precedente à espécie como uma diretriz geral. Portanto, conosco está a Suprema Corte dos Estados Unidos da América do Norte".4 O Tribunal de Justiça, então, reputou que a lei gaúcha era constitucional, sendo improcedentes os pedidos do Ministério Público. Permanecia, assim, a vedação geral ao sacrifício animal, excepcionando-se os casos afetos ao livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana. Quanto ao tratamento diferenciado das religiões de matriz africana, a Desembargadora Maria Berenice Dias, vencida no ponto, propunha ampliação do julgamento a fim de declarar inconstitucional apenas a expressão final da norma que fazia referência à matriz africana. De acordo com ela, a referida expressão afrontaria o princípio da isonomia; como solução - e a fim de assegurar a toda e qualquer religião a manutenção de suas práticas rituais -, a norma deveria permanecer nos seguintes termos: "Não se enquadra nesta vedação o livre exercício de cultos e liturgia das religiões". Dentre outras, a questão da isonomia foi abarcada no Recurso Extraordinário do Ministério Público Estadual e na manifestação do Ministério Público Federal (MPF) já perante o Supremo Tribunal Federal. Em sua argumentação, o MPF novamente trazia o julgamento de Church of the Lukumi Babalu Aye, Inc. v. Hialeah (1993) como suporte à ideia de que a violação à liberdade religiosa restaria patente em casos tais. O Supremo, por maioria, entendeu que a proteção específica dos cultos de religiões de matriz africana seria compatível com o princípio da igualdade, uma vez que sua estigmatização, fruto de um preconceito estrutural, estaria a merecer especial atenção do Estado. Diante disso, fixou a tese de que "é constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana".5                 A menção ao precedente firmado em Church of the Lukumi Babalu Aye, Inc. v. Hialeah (1993), no julgamento pelo STF, veio no voto do Ministro Alexandre de Moraes. Em específico, o Ministro destacava, com nítido viés confirmatório da tese que defendia, o fato de haver "consistente jurisprudência internacional a tutelar a prática sacrificial em cultos religiosos como expressão de liberdade religiosa". Ao passo que a norma gaúcha buscava proteger a liberdade religiosa, "o conjunto de normas locais [na Cidade de Hialeah] que vedavam o abate ritual ou o sacrifício de animais implicava discriminação em relação aos praticantes da religião afro-caribenha Santería, que praticam o sacrifício de animais de forma coordenada com outros rituais religiosos".6 Para além do precedente da Suprema Corte dos EUA, válido notar a abertura e o diálogo judicial internacional promovido no voto do Ministro por intermédio da alusão a precedentes da Alemanha, Áustria, Polônia e Índia. Interessante notar, por fim, que restou vencida a tese sustentada pelos Ministros Marco Aurélio, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes que, em resumo, buscavam conferir à norma gaúcha interpretação conforme à Constituição a fim de instaurar o entendimento de que todos os ritos religiosos que realizassem sacralização e abate de animais teriam proteção constitucional. Outra questão controversa não resolvida - e também presente nos votos minoritários - dizia à necessidade ou não de consumo da carne do animal como condicionante da proteção constitucional. Remanesce, assim, provável discussão futura sobre a temática, sendo possível imaginar que o Supremo Tribunal Federal ainda será chamado a dirimir tais questões em palavra final. De qualquer forma, a experiência da Suprema Corte dos EUA em Church of the Lukumi Babalu Aye, Inc. v. Hialeah (1993) poderá servir como suporte à extensão da liberdade religiosa para todas as manifestações religiosas (independentemente de credos e cultos específicos e, bem assim, da finalidade do abate animal para consumo alimentar ou não). _____________ 1 Church of the Lukumi Babalu Aye, Inc. v. Hialeah, 508 U.S. 520 (1993), at 541. 2 Id, at 526-527. 3 Eis as aludidas entidades: 1) Maria Mulher - Organização de Mulheres Negras; 2) CEDRAB - Congregação em Defesa das Religiões Afro-Brasileiras; 3) UNEGRO - União dos Negros pela Igualdade; 4) Ilê Axé Yemonja Omi-Olodo e C.E.U Cacique Tupinambá; 5) Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades - CEERT. 4 TJ/RS - ADIn 70010129690 - Plenário - Rel. Des. Araken de Assis - Julgamento em 18.4.2005. 5 STF - RE 494.601/RS - Plenário - Rel. Min. Marco Aurélio - Redator para o Acórdão Min. Edson Fachin - Julgamento em 28.3.2019. 6 Voto do Ministro Alexandre de Moraes no RE 494.601/RS.
O uso de precedentes estrangeiros pelas Cortes Constitucionais é tendência que se alastra nas democracias ocidentais. Independentemente do valor normativo que se dê ao uso de tais decisões alienígenas na jurisdição constitucional, é inegável que os estudos acerca da migração de ideias constitucionais indicam o crescimento exponencial de um diálogo global entre juízes constitucionais de todo o mundo, tornando-os mais próximos uns dos outros com uma frequência maior do que no passado. Assim é que as Cortes Constitucionais, no desempenho de suas funções judicantes, encontram inspiração na jurisprudência estrangeira, envolvendo-se em um verdadeiro diálogo entre juízes constitucionais. No ponto, o instrumental da migração de ideias constitucionais pode ser utilizado como a ferramenta de base para a análise comparativa das opções jurídicas e políticas das Cortes Constitucionais e das sociedades em que se situam. Em uma perspectiva global, o que se vê é a predominância da utilização do referido instrumental no mundo de língua inglesa, sendo certo afirmar a emergência recente de uso da metodologia em países da América Latina e Ásia, por exemplo. No Brasil, pois, a utilização do instrumental já encontra algum eco no âmbito do Supremo Tribunal Federal, ainda que careça de maior sistematização metodológica. Em outras palavras, não houve, até o momento, um debate sobre metodologia de direito comparado e acerca da temática específica do uso de precedentes estrangeiros na jurisdição constitucional no âmbito do STF. Também não há, de forma minimamente analítica, um exame sobre a validade e os limites do uso de precedentes estrangeiros na atuação do Tribunal. Assim, nossa Corte Constitucional atua de forma casuística e, no mais das vezes, aceita tal uso sem muito questionamento ou discussão metodológica a respeito dos valores normativos das decisões estrangeiras invocadas. Restam, assim, os questionamentos: qual é o valor normativo desses precedentes no STF e no ordenamento jurídico brasileiro em geral? Qual peso há de se dar a tais precedentes? Devem ser invocados apenas como um viés confirmatório das ilações do Tribunal a partir do direito nacional? Hão de ser vistos como um fator meramente informacional em termos de cultura constitucional? Há, enfim, algum nível mínimo de persuasão possível a ser aplicado a tais precedentes? De fato, parece-nos claro que inexiste uma cultura de direito comparado no Direito Público brasileiro. Como regra geral amplamente notada - e com raras exceções -, não há, nos cursos de graduação em Direito ou mesmo no âmbito dos Programas de Pós-Graduação, uma preocupação acentuada com debates de forma e de conteúdo eminentemente ligados à metodologia e à aplicação das técnicas e instrumentais do direito comparado. Tudo isso denota, também, o caráter hermético do direito nacional e o pouco espaço que os estudos de direito comparado recebem na academia e na práxis jurídicas. O mesmo debate acerca do uso de precedentes estrangeiros foi travado de forma bastante clara e direta na Suprema Corte dos EUA. Apesar de menções esporádicas anteriores, o assunto foi alvo de grande repercussão a partir do ano de 2003 com o julgamento pela Suprema Corte do caso Lawrence v. Texas.1 Em breve síntese, a Corte reverteu precedente anterior (Bowers v. Hardwick)2 e encerrou a possibilidade de criminalização, pelos Estados da federação, de condutas homossexuais consentidas entre adultos. É que, na decisão lavrada em nome da maioria (6 x 3), o Justice Anthony Kennedy fez uso de um precedente de 1981 do Tribunal Europeu de Direitos Humanos que, em suma, consagrava que a criminalização de condutas homossexuais pelos Estados aderentes violava a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (Dudgeon v. The United Kingdom).3 Em seu voto vencido, o Justice Antonin Scalia indicava expressamente o perigo do uso de visões estrangeiras no direito nacional, eis que a Suprema Corte não teria legitimidade para impor temperamentos, modismos ou interpretações estrangeiras aos americanos. De fato, a discussão havida em Lawrence v. Texas sobre o uso de precedentes estrangeiros pela Suprema Corte dos EUA acendeu o debate acadêmico americano acerca da validade de uso e da força normativa de tais decisões. Assim é que, mais tarde, em 2005, a invocação de precedentes estrangeiros foi novamente objeto de controvérsia no caso Roper v. Simmons.4 Abandonando o precedente anterior firmado em Stanford v. Kentucky no ano de 1989, a Suprema Corte decidiu em Roper pela inconstitucionalidade da imposição de pena de morte para condutas cometidas quando o agente tinha menos de 18 anos de idade. Mais importante para o presente debate, a opinião da maioria em Roper (5 x 4), por parte do Justice Anthony Kennedy, indicava uma mínima metodologia para a utilização de precedentes estrangeiros pela Suprema Corte dos EUA: em um primeiro passo, a Corte chegaria a uma conclusão a partir da análise do direito constitucional americano; em um segundo passo, a Corte buscaria opiniões estrangeiras respeitáveis que pudessem confirmar seu entendimento. Nas palavras do Justice Anthony Kennedy, a opinião da comunidade internacional, ainda que não controle o resultado da análise da Corte, fornece uma confirmação respeitável e significativa para suas próprias conclusões. Tinha-se, assim, a explicitação de um verdadeiro viés confirmatório para os precedentes estrangeiros dentro da análise da Suprema Corte. Mais uma vez criticando tal sorte de entendimento, o Justice Antonin Scalia apontava para impossibilidade de que a Constituição americana fosse interpretada a partir de olhos alienígenas, o que representaria um ataque à soberania nacional. Mais do que isso - e enfatizando sua recusa no uso de precedentes estrangeiros -, Scalia expressava sua irresignação acerca do fato de que, enquanto as opiniões dos próprios cidadãos americanos eram consideradas essencialmente irrelevantes para a decisão da Corte, as opiniões de outros países e da chamada comunidade internacional ocupavam o centro do palco. Cinco anos mais tarde, em 2010, a Suprema Corte dos EUA julgou o caso Graham v. Florida5, concluindo pela impossibilidade de prisão perpétua sem liberdade condicional para crimes distintos do homicídio cometidos enquanto o agente era menor de 18 anos. Pela maioria (6 x 3), o Justice Anthony Kennedy entendia que as leis e práticas de outras nações na mesma matéria - e, bem assim, os precedentes estrangeiros - seriam interessantes à Suprema Corte como forma de demonstrar que o resultado alcançado no julgamento detinha um suporte argumentativo respeitável na comunidade internacional. Isso, via de consequência, legitimaria o uso de precedentes internacionais com um valor normativo distinto: não mais com um viés confirmatório, conforme exposto em Roper v. Simmons, mas, sim, como um mero suporte argumentativo. Em opinião minoritária, o Justice Clarence Thomas fez questão de apresentar, em nota de rodapé, seu repúdio formal à utilização de material estrangeiro pela Suprema Corte, eis que seriam irrelevantes à significação da Constituição americana ou ao discernimento sobre as tradições nacionais. Vê-se, assim, que nos Estados Unidos da América o debate sobre a utilização de precedentes estrangeiros na Suprema Corte foi revigorado a partir de 2003 (com Lawrence v. Texas) e vem sendo travado com base em discussões fortemente polarizadas em termos ideológicos e políticos (por exemplo, decisões sobre pena de morte e direitos relativos à sexualidade). Isso tudo tornou a questão explosiva (a favor e contra o uso de precedentes estrangeiros), inclusive com interessantes debates acadêmicos entre o Justice Antonin Scalia e o Justice Stephen Breyer em fóruns públicos e faculdades, o que é bastante raro no contexto americano. Por aqui, no Brasil (e no STF), inexiste até o momento um debate verdadeiro acerca da metodologia a ser empregada para a efetiva utilização de precedentes estrangeiros e, mais do que isso, para a delimitação dos valores normativos incidentes em tal utilização. De qualquer forma - e em termos metodológicos práticos -, é possível afirmar que o diálogo entre juízes constitucionais é viabilizado a partir de dois parâmetros distintos: 1) por intermédio de citações e invocações diretas de precedentes estrangeiros ou de sua ratio decidendi quando a matéria discutida é análoga (ex.: a invocação de um precedente estrangeiro sobre aborto em um julgamento nacional também sobre aborto), e; 2) com a utilização de ideias e estruturas racionais derivadas de precedentes estrangeiros que auxiliem a construção do argumento no direito nacional, ainda que o caso invocado não trate de matéria análoga à discutida na Corte que o invoca. Diante de tal perspectiva - e após a introdução sobre as discussões ocorridas na Suprema Corte dos EUA -, importa notar que o objetivo primordial da presente coluna ("STF vs. Supreme Court") é o de debater, a partir de casos concretos, a utilização de precedentes da Suprema Corte dos EUA pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil. Ainda que não se pretenda realizar uma análise eminentemente acadêmica do diálogo entre as duas Cortes Constitucionais, é fato que, vez por outra, algumas discussões de metodologia em estudos jurídicos comparativos poderão vir à tona. Ocasionalmente, é possível que em algum momento o foco da coluna seja direcionado para outros tribunais brasileiros que façam uso de decisões da Suprema Corte dos EUA. Isso não retira, no entanto, o escopo maior da empreitada ora iniciada: dissecar os casos e temas em que o STF faz uso de precedentes da Suprema Corte dos EUA. Até a próxima! __________ 1 Lawrence v. Texas, 539 U.S. 558 (2003). 2 Bowers v. Hardwick, 478 U.S. 186 (1986). 3 Dudgeon v. United Kingdom, Appl. No. 7525/76, Council of Europe: European Court of Human Rights, 22 October 1981. 4 Roper v. Simmons, 543 U.S. 551 (2005). 5 Graham v. Florida, 560 U.S. 48 (2010).