Transação tributária também é parcelamento para fins penais: A necessária observância à orientação 53/25, da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF
quarta-feira, 10 de dezembro de 2025
Atualizado em 9 de dezembro de 2025 08:44
Nos últimos tempos, tornou-se comum observar decisões judiciais que negam a suspensão de ações penais por delitos tributários sob o argumento de que a transação tributária não se equipararia ao parcelamento previsto no art. 83, §2º, da lei 9.430/96, mesmo após a edição da lei 12.382/11.
O STJ em diferentes ocasiões afirmou que "A Lei n. 13.988/2020, que regulamenta o instituto da transação tributária, não contempla previsão normativa para a suspensão da ação penal e, por conseguinte, do prazo prescricional da pretensão punitiva em razão da celebração desse negócio jurídico tributário."1
A justificativa repetida é simples: como a transação possui regime jurídico próprio, sobretudo o previsto na lei 13.988/20 e na portaria PGFN 6.757/22, ela não poderia produzir efeitos suspensivos na esfera penal.
Essa interpretação, entretanto, não encontra apoio na legislação, cumprindo observar que a transação é espécie de parcelamento tributário especial, que se diferencia do ordinário pela sua regulamentação e pelas condições mais benéficas ao contribuinte endividado, mas tem em comum, indiscutivelmente, o fato de estabelecer prazo para pagamento em parcelas da dívida tributária, sendo igualmente hipótese de extinção do crédito tributário, nos termos do art. 156, do CTN.
O resultado dessa interpretação distorcida revela um cenário de insegurança jurídica e de decisões que desconsideram o propósito da própria lei, que privilegia a regularização fiscal com a suspensão da pretensão punitiva quando o contribuinte demonstra a intenção inequívoca de reparar o dano, sem prejuízo da incidência do Direito Penal quando não reunidos os requisitos para a concessão dos benefícios.
O §2º do art. 83 da lei 9.430/96, com a redação dada pela lei 12.382/11 estabelece:
"É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal."
A redação é objetiva: qualquer parcelamento, independentemente da modalidade, é apto a produzir o efeito suspensivo, ou seja, não há diferenciação entre o parcelamento ordinário, parcelamentos especiais ou de transações tributárias individuais ou por adesão.
Do ponto de vista penal, o critério relevante é único, qual seja, a formalização do pedido antes do recebimento da denúncia, de modo que criar distinções não feitas pelo legislador e, mais do que isso, ignorar o instrumento legalmente concebido como mecanismo de composição e regularização fiscal, implica violação ao princípio da legalidade e do tratamento isonômico entre contribuintes que buscam justamente cumprir suas obrigações.
A transação tributária, tratada de modo mais abrangente pela lei 13.988/20, é mecanismo que permite ao contribuinte negociar condições especiais de pagamento, como o parcelamento com descontos, a concessão de prazos ampliados, o uso de créditos para abatimento da dívida, outras concessões recíprocas, dentre outras.2 Do ponto de vista material, trata-se de ajuste para pagamento parcelado de débitos, com atualização, condições e obrigações, exatamente como os parcelamentos especiais historicamente operados pela União, de tal sorte que não nos parece razoável sustentar que a transação não seria apta a produzir os efeitos penais previstos no art. 83.
O instituto cumpre a mesma função econômica, o mesmo propósito jurídico e a mesma racionalidade político-tributária, de maneira a atrair a mesma consequência, qual seja, a suspensão da ação penal em caso de parcelamento ou pedido de transação efetivado antes do recebimento da denúncia, e extinção da punibilidade quando da quitação do débito.
Em reforço ao quanto trazido, cumpre-nos destacar a orientação 53/25, da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, órgão responsável por uniformizar a atuação penal do Ministério Público Federal, em que o órgão afirma de forma expressa:
CONSIDERANDO que a Lei n° 10.522/02, que trata do parcelamento ordinário, também não prevê expressamente qualquer consequência penal para o deferimento do parcelamento ou para a quitação dos valores devidos dentro do parcelamento ordinário.
CONSIDERANDO, portanto, que até 2011 nenhum outro parcelamento especial previa a suspensão da pretensão punitiva, impedindo o ajuizamento das ações penais ou suspendendo as ações penais já em andamento.
CONSIDERANDO que com a edição da Lei n° 12.382/11, com a alteração realizada no art. 83, caput e §§, da Lei n° 9.430/96, passou-se a prever que qualquer parcelamento implicava efeitos no inquérito ou ação penal correspondente, mas desde que o parcelamento fosse formalizado ANTES do recebimento da denúncia:
CONSIDERANDO que as leis de parcelamento especiais já previam concessões mútuas.
CONSIDERANDO que a lei de Transação Tributária também prevê concessões mútuas.
CONSIDERANDO que a Lei de Transação Tributária é essencialmente uma lei de parcelamento em que o Legislativo concede discricionariedade ao Poder Executivo Federal para fixar ad hoc as condições de pagamentos da dívida.
CONSIDERANDO que para situações iguais deve-se aplicar o direito de forma igual.
(...) A 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, no exercício das atribuições que lhe são conferidas no art. 62, inciso I, da Lei Complementar nº 75/93, ORIENTA os membros com atuação na área criminal sob sua coordenação, respeitada a independência funcional, que:
(a) A transação tributária de débito (Lei n° 13.988/2020), cuja data da constituição definitiva tenha ocorrido após à edição da Lei n° 12.382/2011, só suspende a pretensão punitiva e impede o ajuizamento de ação penal pelos crimes previstos nos arts. 1° e 2° da Lei no 8.137/1990 e nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, se o pedido de transação for formalizado ANTES do recebimento da denúncia criminal, nos termos do §2° do art. 83 da Lei n° 9.430/1996.3
Ora, a mensagem institucional daquele que é o titular da ação penal não poderia ser mais clara no sentido de que, para fins penais, a transação deve receber o mesmo tratamento que qualquer outra forma de parcelamento.
E não poderia ser diferente. Afinal, se o objetivo da legislação é permitir a regularização fiscal e evitar a continuidade da persecução penal nas situações em que há inequívoca intenção de pagamento antes do recebimento da denúncia, não há sentido lógico em tratar de modo distinto contribuintes que aderem a instrumentos de regularização com nomes diferentes, mas com idêntica essência.
No âmbito constitucional, por ocasião do julgamento da ADIn 4.980, o plenário do STF confirmou a validade do art. 83 da lei 9.430/96, ressaltando que a persecução penal deve observar a conclusão do processo administrativo e os mecanismos legais de regularização fiscal, já que a legislação busca evitar a litigiosidade excessiva, harmonizar o Direito Penal com o sistema tributário, garantir a ampla defesa e o contraditório no âmbito administrativo, privilegiar a arrecadação do Estado em detrimento da punição desnecessária, ao mesmo tempo em que não prejudica a persecução penal ante a suspensão da prescrição da pretensão punitiva.
A razão de decidir é inequívoca!
Quando o contribuinte demonstra intenção de pagar, o Estado deve priorizar a efetiva recomposição patrimonial e não a repressão penal, de modo que a transação tributária se encaixa perfeitamente nessa lógica, desde que observado o prazo do art. 83, §2º, da lei 9.430/96.
A homologação da transação também não pode ser arguida para fins de indeferimento do pedido, já que a exigência não está prevista no artigo supracitado. O dispositivo condiciona o efeito penal apenas à formalização do pedido antes da denúncia, nada além. Se a suspensão da pretensão punitiva do Estado gera também a suspensão da prescrição, não há razão alguma para lastrear a suspensão da ação penal na homologação da transação tributária, já que, caso não se concretize a transação, tal qual seria em caso de inadimplemento do parcelamento ordinário do débito, poderá ser reiniciada a ação penal.
Desta forma, tem-se que a transação tributária é espécie de parcelamento para fins penais, já que compartilha o mesmo fundamento, o mesmo objeto, a mesma estrutura e o mesmo propósito dos parcelamentos tradicionais.
O art. 83, §2º, da lei 9.430/96 não faz qualquer distinção entre modalidades de parcelamento e não cabe ao Judiciário fazê-lo em prejuízo do contribuinte. Ressalte-se que o Ministério Público Federal, órgão constitucionalmente legitimado para conduzir a persecução penal, também consolidou orientação expressa nesse sentido.
Tratar a transação de modo restritivo significa criar discriminação infundada entre modalidades de regularização que têm o mesmo fim, em clara violação ao princípio da isonomia, ao princípio da legalidade estrita e à própria lógica teleológica da lei.
É hora de o Poder Judiciário alinhar sua interpretação ao texto legal, ao entendimento institucional do Ministério Público Federal e à lógica constitucional que rege a política criminal tributária.
Mais do que uma disputa conceitual, trata-se de assegurar coerência, segurança jurídica e respeito à própria finalidade do sistema, qual seja, a de permitir que o contribuinte regularize o débito e, ao final, tenha extinta a punibilidade sem que o aparato penal seja acionado desnecessariamente.
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1) STJ. AgRg no RHC 206505/RS, Sexta Turma, Min. Rel. Rogério Schietti Cruz, DJe 07/05/2025; STJ. AgRg no AREsp 2863910/SP, Quinta Turma, Min. Rel. Ribeiro Dantas, Dje17/06/2025
2) PROCURADORIA GERAL DA FAZENDA NACIONAL. Orientações de Serviços aos Contribuintes: transação tributária: negocie com benefícios. Disponível aqui. Acesso em 07. dez. 2025.
3) MPF. 2ª Câmara de Coordenação e Revisão. Orientação n° 53/2025. PGR-00055766/2025. 21/02/2025.
4) BESSA, Sergio. Por que impedir a suspensão da ação penal quando a transação for feita após a denúncia? São Paulo: Consultor Jurídico, 2025. Disponível aqui. Acesso em 01. dez. 2025.
5) GASPERIN, Carlos Makoul. SANT'ANNA, Henrique Celso de Castro, ARAUJO, Juliana Furtado Costa e CONRADO, Paulo Cesar. A suspensão da pretensão penal punitiva pela transação tributária federal. São Paulo: Jota, 2022. Disponível aqui. Acesso em 01. dez. 2025.

