Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios à Luz das Alterações Promovidas pela Instrução CVM 393
João Paulo F. A. Fagundes*
1. Notas Introdutórias
Em novembro de 2001, o Conselho Monetário Nacional, através do Banco Central do Brasil, publicou a Resolução 2.908, autorizando e disciplinando a constituição e o funcionamento de fundos de investimentos em direitos creditórios (FIDC). No mês seguinte, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM - publicou a Instrução 356, regulamentando os fundos de investimento em direitos creditórios. Apesar disso, pouquíssimos fundos de investimento em direitos creditórios foram criados no Brasil até o primeiro semestre de 2003.
Essa timidez na criação de fundos de investimentos em direitos creditórios em 2002 e no primeiro semestre de 2003 deveu-se, em grande parte, ao aperto econômico sentido nesse período1, mas, também, em menor escala, a algumas restrições contidas na regulamentação da CVM. No dia 22 de julho de 2003, a Comissão de Valores Mobiliários publicou a Instrução CVM2393, alterando a regulamentação dos fundos de investimentos em direitos creditórios (FIDC). Com a instrução CVM 393, busca-se adequar a regulamentação dos fundos de investimento em direitos creditórios às necessidades do mercado e à conjuntura brasileira.
2. Fundos de Investimento em Direitos Creditórios. Composição da Carteira dos FIDCs
O fundo de investimento em direito creditório é uma comunhão de recursos, organizada sob a forma de condomínio, que destina parcela preponderante de seu patrimônio à aplicação em direitos creditórios3. É dizer, diferentes investidores com o mesmo objetivo de investimento entregam seus recursos ao fundo, que a seu turno investirá parte preponderante desses recursos, em seu próprio nome, em direitos creditórios. Pelos recursos investidos, os investidores recebem cotas representativas de sua participação na carteira de ativos do fundo, tornando-se condôminos do fundo. O objetivo do fundo é a valorização das cotas através do investimento em direitos creditórios, adquiridos com desconto em relação ao valor de face, e, em última instância, a geração de ganhos para os cotistas-condôminos.
Os direitos creditórios em que os FDICs aplicam seus recursos são “os direitos e títulos representativos de crédito, originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços4”, além de outros títulos representativos de créditos aceitos pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM.
Os FIDCs devem manter pelo menos 50% do seu patrimônio líquido aplicados em direitos creditórios após noventa dias contados do início de suas atividades. A Instrução CVM 393 permite que a CVM prorrogue esse prazo, a seu bel talante, por igual período, contanto que o administrador do fundo apresente justificativas para tal prorrogação. O remanescente do patrimônio líquido dos FIDCs pode ser aplicado em “títulos de emissão do Tesouro Nacional, títulos de emissão do Banco Central do Brasil, créditos securitizados pelo Tesouro Nacional, títulos de emissão de estados e municípios, certificados e recibos de depósito bancário e demais títulos, valores mobiliários e ativos financeiros de renda fixa, exceto cotas do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) 5”.
É permitido, ainda, que os FIDCs realizem operações compromissadas e no mercado de derivativos6, estas últimas somente com o objetivo de proteger posições mantidas à vista.
As aplicações do fundo em warrants e em contratos mercantis de compra e venda de produtos, mercadorias e/ou serviços para entrega ou prestação futura, bem como em títulos ou certificados que representem esses contratos, devem ser garantidos por instituição financeira ou seguradora, observando-se, no último caso, a regulamentação da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP.
Ainda com relação à composição de suas carteiras, os FIDCs não podem alocar mais de 10% do seu patrimônio líquido em direitos creditórios de uma mesma pessoa jurídica, ou de empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico. Esse limite é de 20% para direitos creditórios de instituições financeiras e sociedades pertencentes ao seu grupo econômico. Esses limites, previstos na Instrução CVM 356, podem ser extrapolados, contanto que tal possibilidade seja estabelecida no regulamento do FIDC e, além disso, desde que ela conste, de forma destacada, do prospecto entregue ao cliente. De resto, há que se destacar que tais percentuais devem ser atendidos diariamente, tendo por base o patrimônio líquido do fundo no último dia útil.
3. Fundos abertos e fechados
Os FIDCs podem ser constituídos sob a forma de condomínio aberto ou fechado. A principal diferença é que os fundos abertos podem, a qualquer momento, emitir novas cotas e resgatar cotas anteriormente emitidas. Em outras palavras, pode-se entrar e sair de um fundo aberto a qualquer momento7. Nos fundos fechados, entretanto, os cotistas só podem resgatar as suas cotas ao término da existência do fundo, de sorte que a negociação de cotas de um fundo fechado se dá no âmbito do mercado secundário, isto é, em bolsa de valores ou mercado de balcão8 . Justamente por isso, as cotas dos fundos fechados podem ser comparadas com ações comuns emitidas por companhias de capital aberto9. Outra diferença é que as cotas dos fundos fechados não são oferecidas continuamente. Nos fundos fechados, há uma oferta inicial de cotas (IPO) e, eventualmente, mas não necessariamente, pode ocorrer nova colocação no futuro10 . Geralmente, a estrutura fechada é utilizada quando o objetivo é investir em ativos de menor liquidez, ou quando se procura maior retorno para os investimentos. De fato, como os fundos fechados não estão obrigados a resgatar suas cotas a qualquer momento, podem eles aplicar seus recursos em ativos de menor liquidez11.
Outra distinção que se pode fazer é que as cotas de FIDCs constituídos sob a forma de condomínio fechado podem ser amortizadas, mas as dos fundos abertos, não. Afigura-se oportuno, nesse passo, distinguir-se o resgate de cotas da amortização de cotas.
Resgate12 é o mecanismo conferido a titulares de cotas de fundos abertos ou fechados, pelo qual eles, titulares das cotas, mediante a apresentação das cotas ao emitente ou à pessoa designada pelo emitente, têm direito a receber sua parte proporcional da carteira líquida de ativos do fundo, ou o equivalente em dinheiro13. De se lembrar que, no caso dos fundos fechados, o resgate só tem lugar com o término do prazo de existência do fundo. O resgate é mecanismo aplicável tanto para as cotas de fundos constituídos sob a forma de condomínio aberto como para as cotas de fundos organizados em condomínio fechado14.
Amortização, a seu turno, “é o pagamento aos cotistas do fundo fechado de parcela do valor de suas cotas, sem redução de seu número”. (Instrução CVM 356, art. 2º, inciso XII). A amortização, entretanto, só é aplicável às cotas de fundos organizados em condomínio fechado.
4. Outros Aspectos dos Fundos de Investimento em Direito Creditório, à luz da recente Instrução CVM 393
Os fundos de investimento em direitos creditórios podem emitir dois tipos de cotas: as cotas de classe sênior - cotas seniores, e as cotas de classe subordinada - cotas subordinadas. Consoante definição da Instrução CVM 393, a cota de classe sênior é “ aquela que não se subordina às demais para efeito de amortização e resgate”. É dizer, a cota sênior é aquela que pode ser resgatada ou amortizada independentemente da prévia amortização e resgate de outras cotas. Também em conformidade com a Instrução CVM 393, cota de classe subordinada é “é aquela que se subordina às demais para efeito de amortização e resgate” 15. Trocando em miúdos, cota subordinada é aquela que, como regra geral, só pode ser amortizada ou resgatada depois de terem sido amortizadas ou resgatadas as cotas seniores ou, se assim previsto no regulamento, depois de terem sido amortizadas ou resgatadas cotas subordinadas de uma outra classe. Quadra observar que, nos termos do artigo 18-B, acrescentado à Instrução CVM 356 pela Instrução CVM 393, a amortização de cotas subordinadas, nos fundos fechados, só pode ocorrer nas hipóteses previstas no regulamento do fundo, obedecidos os critérios nele estabelecidos.
Na prática, as cotas subordinadas são subscritas pelo cedente dos direitos creditórios e servem para garantir a liquidez das cotas seniores no caso de inadimplemento dos direitos creditórios. Vale dizer, subscrevendo as cotas subordinadas, ou boa parte delas, o cedente só receberá seu investimento depois dos cotistas seniores. Daí dizer-se que as cotas subordinadas servem de colchão de liquidez para os cotistas seniores. Bem por isso, também, é que os cotistas seniores podem ser considerados como os verdadeiros investidores dos FIDCs16.
O regulamento do fundo deve estabelecer a proporção mínima entre o valor das cotas seniores e o patrimônio do fundo, assim como a periodicidade para aferição do cumprimento dessa proporção e da sua divulgação aos cotistas17.
De acordo com a antiga regulamentação, os fundos de investimento em direitos creditórios só podiam oferecer cotas seniores de uma única classe. Podiam, entretanto, oferecer mais de uma classe de cotas subordinadas (Instrução CVM 356, art. 12).
Agora, com a nova regulamentação, passa a ser possível que os fundos constituídos sob a forma de condomínio fechado ofereçam mais de uma série18 de cotas seniores, com prazos e valores diferentes para emissão, resgate e amortização19 .
Na prática, isso quer dizer que as administradoras de fundos de investimentos em direitos creditórios poderão atingir mais facilmente investidores com diferentes pretensões e possibilidades de investimento. Trata-se, certamente, de importante e acertada medida para estimular o crescimento da indústria de fundos de investimento em direitos creditórios.
De acordo com a nova redação dada pela Instrução CVM 393 ao artigo 6º da Instrução CVM 365, o regulamento do fundo deve estabelecer os prazos para resgate e amortização de cada série e classe de cotas. No entanto, as cotas seniores de uma mesma série, além de possuírem iguais características, devem conferir aos seus titulares os mesmos direitos e obrigações20.
A nova Instrução inovou também ao dispor que, nos fundos de investimentos em direitos creditórios constituídos sob a forma de condomínios abertos, o resgate das cotas subordinadas pode-se dar antes do resgate das cotas seniores21, desde que transcorrido prazo de 60 dias a contar do pedido de resgate e, naturalmente, observando-se sempre o regulamento do fundo. Solicitado o resgate de cotas subordinadas, o administrador do fundo deve comunicar tal fato, em até três dias úteis contados a partir da solicitação de resgate, aos titulares de cotas seniores em circulação. O valor e a data da realização do resgate pretendido pelos titulares de cotas subordinadas também devem ser comunicados pelo administrador, no mesmo prazo de três dias úteis. O objetivo dessa comunicação é permitir que os titulares de cotas seniores resgatem suas cotas antes de transcorrido o prazo de sessenta dias para resgate das cotas subordinadas, garantindo-se assim a preferência da cotas seniores em relação às subordinadas22.
Impende observar que a nova regulamentação veda a “afetação ou a vinculação, a qualquer título, de parcela do patrimônio do fundo a qualquer classe ou série de cotas23”. Todavia, “na hipótese de liquidação do fundo, os titulares de cotas seniores terão o direito de partilhar o patrimônio na proporção dos valores previstos para amortização ou resgate da respectiva série e no limite desses mesmos valores, na data da liquidação, sendo vedado qualquer tipo de preferência, prioridade ou subordinação entre titulares de cotas seniores. 24” Ou seja, caso o fundo venha a ser liquidado, os cotistas seniores poderão partilhar o patrimônio do fundo. Não todo o patrimônio. Somente até o limite dos valores previstos para amortização ou resgate de cada série. E a partilha há de se dar na exata proporção desses mesmos valores.
Nos termos da nova regulamentação os administradores dos fundos podem distribuir, simultaneamente, classes e séries de quotas diferentes, “em quantidades e condições previamente estabelecidas no anúncio de início de distribuição de cotas e no prospecto do fundo25.” Consoante exposto na minuta do Edital de Audiência Pública, a distribuição simultânea de cotas de diferentes classes e séries evita a “reincidência de custos de transação26”. Além disso, a possibilidade de distribuição de cotas de diferentes classes e séries, simultaneamente, permite a captação de recursos sob prazos e condições diversas, o que amplia o leque de investidores interessados em investir no fundo e possibilita maior diversificação na aplicação dos recursos.
De acordo com a antiga regulamentação, os fundos de investimento em direitos creditórios deveriam ser classificados ou ter “seus ativos classificados por agência classificadora de risco em funcionamento no país” (Instrução CVM 356, art. 3º). A Instrução CVM 393 estabelece que somente as classes e séries de cotas “destinadas à colocação pública27” devem ser classificadas por agência classificadora de riscos. Vale notar que o termo colocação pública, aqui, não é empregado em seu sentido técnico, como sinônimo de emissão ou distribuição pública28. Com efeito, o artigo 3º, inciso II, da Instrução CVM 393 é claro ao estabelecer que os fundos de investimento em direitos creditórios “somente poderão receber aplicações, bem como ter cotas negociadas no mercado secundário, quando o subscritor ou adquirente das cotas for investidor qualificado”.
Outra importante alteração para os investidores foi a modificação do artigo 14 da Instrução CVM 356. Segundo a antiga redação do artigo 14, as cotas do fundo deveriam “ter seu valor calculado pelo menos por ocasião das demonstrações financeiras mensais e anuais mediante a utilização de metodologia de apuração do valor de mercado dos direitos creditórios e dos demais ativos financeiros integrantes da respectiva carteira, de acordo com critérios consistentes e passíveis de verificação, amparada por informações externas e internas que levem em consideração aspectos relacionados ao devedor, aos seus garantidores e às características da correspondente operação.” Pela nova instrução, os ativos financeiros e os direitos creditórios devem ser necessariamente apurados de acordo com o valor de mercado, quando houver.
Outra alteração diz respeito à forma da cotas dos fundos de investimento de direitos creditórios. À luz da antiga regulamentação, as cotas dos fundos de recebíveis seriam nominativas. Com a nova regulamentação, porém, as cotas dos fundos de investimento em direitos creditórios devem necessariamente ser escriturais29.
Com a nova redação dada ao artigo 15 da Instrução CVM 356, o resgate de cotas seniores também pode-se dar em direitos creditórios, mas somente nos casos de liquidação antecipada do fundo. Antes, em nenhuma hipótese as cotas seniores podiam ser resgatadas em direitos creditórios. É importante notar que a nova regulamentação só autorizou o resgate de cotas seniores em direitos creditórios nos casos de liquidação antecipada. É dizer, a amortização de cotas seniores, em direitos creditórios, continua sendo vedada, mesmo nos casos de liquidação antecipada do fundo.
Outra modificação relevante concerne ao valor das cotas dos fundos de recebíveis no momento de sua emissão. Em sua antiga redação, o artigo 16 da Instrução CVM 356 estabelecia que “na emissão de cotas do fundo deve ser utilizado, conforme disposto pelo regulamento, o valor da cota em vigor no próprio dia ou no primeiro dia útil subseqüente ao da efetiva disponibilidade dos recursos confiados pelo investidor à instituição administradora (..). A instrução CVM 393 apartou os fundos abertos dos fundos fechados ao cuidar da estipulação do valor de suas cotas. No caso dos fundos abertos, a regra antiga continua valendo. Todavia, para os fundos fechados, “o preço de subscrição poderá contemplar ágio ou deságio sobre o valor previsto para amortização, desde que uniformemente aplicado para todos os subscritores e apurado através de procedimento de descoberta de preço em mercado organizado.”
O artigo 17 da Instrução CVM 356 também ganhou nova redação com a publicação da Instrução CVM 393. A redação atual, à primeira vista, pode causar alguma estranheza. É que o caput do artigo 17 parece permitir a colocação de cotas de fundos de investimento em direitos creditórios constituídos sob a forma de condomínio fechado ao público em geral, vale dizer, a investidores não qualificados, presumidamente desprovidos de informações necessários à avaliação do risco do investimento, in verbis: “nas emissões de cotas de fundo fechado colocadas junto ao público (...)”. O parágrafo único do tal artigo 17, entrementes, é esclarecedor, deixando claro que as cotas de fundos de investimento em direitos creditórios organizados em condomínio fechado só podem ser negociadas com investidores qualificados30. Ainda nos termos do supradito parágrafo único, as cotas dos fundos fechados devem ser registradas para negociação “em bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado”. Esse registro para negociação em bolsa ou mercado de balcão organizado é de responsabilidade da administradora do fundo (art. 57, inciso XI, da Instrução CVM 302) e da instituição que intermediar a operação (art. 7º da Instrução CVM 88).
5. Fundos de Investimento em Direitos Creditórios e Operações de Securitização de Recebíveis
Securitização é o processo pelo qual ativos financeiros ilíquidos, sem mercado secundário, são convertidos em valores mobiliários ativamente negociáveis no mercado secundário31 . Securitização de recebíveis, portanto, pode ser definida como o processo pelo qual direitos creditórios ilíquidos são transformados em valores mobiliários ativamente negociáveis no mercado secundário.
Em linhas bem gerais, uma operação de securitização de recebíveis – também conhecidas com structured financing - engloba as seguintes etapas: uma empresa, geralmente designada originadora, desejando receber direitos creditórios originados em sua atividade (duplicata decorrente de venda de mercadoria por exemplo), promove a constituição de uma outra sociedade, de propósito específico (SPC), denominada securitizadora. A securitizadora distribui valores mobiliários de sua própria emissão, geralmente debêntures, captando recursos junto ao público em geral. Esses recursos, então, são utilizados pela sociedade securitizadora para adquirir recebíveis (ou direitos creditórios, se se preferir) da empresa originadora. Com isso, a empresa originadora consegue receber antecipadamente os seus direitos creditórios. Naturalmente, o recebimento antecipado de direitos creditórios pela sociedade originadora se dá com um desconto em relação ao efetivo valor dos recebíveis, haja vista que estes têm vencimento futuro32.
Um dos principais conceitos que fundamentam a operação de securitização de recebíveis é o de separar o risco concernente aos direitos creditórios dos riscos atinentes à originadora. Com a cessão dos direitos creditórios da originadora para a securitizadora, os investidores que adquirem debêntures emitidas por esta última estarão expostos tão-somente ao risco de inadimplência dos recebíveis, que servem de lastro para a emissão dos valores mobiliários. É importante destacar que, exatamente pelos motivos expostos neste parágrafo, a sociedade securitizadora é constituída com o propósito único e específico de adquirir os direitos creditórios da originadora, através da colocação de debêntures de sua emissão junto a investidores. Dessa forma, a sociedade securitizadora não possui nenhum outro débito, nenhuma outra obrigação, senão a de pagar os investidores que adquiriram seus valores mobiliários33. A esse respeito, é de se notar que a classificação do risco da operação é promovida com base no risco da sociedade específica securitizadora, que, dessarte, logra obter melhor rating do que a empresa originadora obteria, circunstância essa que, em última instância, implica um custo inferior de captação34.
Como se pode notar, existem grandes semelhanças entre as operações de securitização de recebíveis e os fundos de investimento em direitos creditórios. A bem da verdade, as operações de securitização de recebíveis e aquelas envolvendo fundos de investimento em direitos creditórios são praticamente idênticas. Em ambos os casos, há uma sociedade que originou direitos creditórios em operações com seus clientes (venda de mercadorias, prestação de serviços etc), cedendo estes direitos para uma outra entidade, que irá colocar valores mobiliários por ela emitidos junto ao público, e pagar a originadora pelos direitos que adquiriu com os recursos captados no mercado. A diferença está em que, nas operações de securitização, é a sociedade de propósito específico, uma sociedade anônima, quem recebe os direitos e capta recursos, para pagá-los, no mercado, através da colocação de valores mobiliários de sua emissão. E, no casos dos fundos de investimento em direitos creditórios, o fundo, vale dizer, um condomínio, desempenha o papel da sociedade de propósito específico.
Colocando-se de outra forma, pode-se afirmar que os fundos de investimento em direitos creditórios são estruturas financeiras alternativas para as operações de securitização de recebíveis, consoante dá conta, aliás, Fernando Schwarz Gaggini, verbis: “frente às dificuldades de ordem tributária que as operações de securitização têm encontrado em nosso país, dificuldades que inviabilizam uma série de operações, buscou a administração pública, com a criação desses fundos, uma forma de contornar tais obstáculos e permitir o desenvolvimento do mercado de recebíveis” 35.
Cumpre alertar, todavia, que, do ponto de vista do investidor, existem algumas particularidades que podem fazer diferença na hora de se optar por investir em debêntures emitidas por uma sociedade de propósito específico securitizadora ou em cotas de emissão de fundos de investimento em direitos creditórios.
Uma delas é que investidores institucionais podem aplicar maior percentagem de sua carteira em debêntures emitidas por sociedades de propósito específico securitizadoras do que em cotas emitidas por fundos de investimento em direitos creditórios.
Outra particularidade é que as debêntures emitidas pela sociedades de propósito específico securitizadoras são valores mobiliários de vasta utilização no mercado brasileiro, enquanto as cotas de fundos de investimento em direitos creditórios ainda não o são.
A terceira e talvez mais relevante particularidade diz com a tributação da operação de securitização, significativamente mais onerosa do que a incidente sobre os fundos de investimento em direitos creditórios. Realmente, nas operações de securitização de recebíveis, a sociedade de propósito específico securitizadora está sujeita ao pagamento da contribuição destinada ao PIS, da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, do Imposto de Renda Pessoa Jurídica – IRPJ, e da Contribuição Social sobre o Lucro – CSL. Os FIDCs, no entanto, não estão sujeitos ao pagamento da contribuição destinada ao PIS, da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, do Imposto de Renda Pessoa Jurídica – IRPJ, e da Contribuição Social sobre o Lucro – CSL.
6. Notas Finais
Os fundos de investimento em direitos creditórios foram introduzidos em nossa legislação para dar mais liquidez ao mercado de crédito. Vieram à lume com a Resolução 2.908 do Conselho Monetário Nacional, e foram regulamentados pela Instrução 356 da Comissão de Valores Mobiliário, a qual foi modificada recentemente pela Instrução CVM 393.
Na prática os FIDCs são alternativas para as operações de securitização de recebíveis. Todavia, a adoção de uma ou de outra estrutura financenira dependerá das especificidades de cada caso concreto. Pode-se esperar, porém, um aumento no número de fundos de investimentos em direitos creditórios no futuro próximo, especialmente em decorrência das importantes alterações trazidas pela Instrução CVM 393.
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