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Opinião Pública e Direito do Trabalho: tentando transpor as barreiras da comunicação

Um dos principais males do Poder Judiciário, dizem, é o de se fechar em si mesma, não se aproximando da sociedade. É preciso "abrir a caixa preta" do Judiciário, reclamou, recentemente, nosso Presidente da República.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Atualizado em 10 de setembro de 2007 14:36


Opinião Pública e Direito do Trabalho: tentando transpor as barreiras da comunicação

Jorge Luiz Souto Maior*

Um dos principais males do Poder Judiciário, dizem, é o de se fechar em si mesma, não se aproximando da sociedade. É preciso "abrir a caixa preta" do Judiciário, reclamou, recentemente, nosso Presidente da República. Essa comunicação não se tem demonstrado muito simples, no entanto. Ao se manifestar, como cidadão, o juiz se expõe à crítica da opinião pública e para muitos juízes essa situação fragiliza sua autoridade. Equivocam-se, pois a sociedade tem todo o direito de questionar as decisões judiciais. Além disso, é uma forma de respeito aos cidadãos o juiz expor de forma clara e pública os seus modos de ser e de pensar.

O problema é que a linguagem do juiz, em muitos aspectos é a linguagem do direito, compreendida em noções jurídicas que não são de domínio público. Assim, muitas das idéias podem não ser integralmente entendidas. Além disso, para sair do campo restrito dos profissionais do direito e se dirigir à sociedade, é preciso valer-se da mídia de circulação nacional, mas nessa transposição de códigos da comunicação as falas são traduzidas, resumidas, editadas, e o resultado, muitas vezes, é a inexatidão quanto à mensagem que se pretendeu passar.

Quando o propósito, então, é o de tentar demonstrar para as pessoas (sobretudo empresários) que o respeito aos direitos dos trabalhadores é fundamental para o desenvolvimento de um sistema capitalista sólido e para a formação de uma sociedade menos injusta, esclarecendo, ainda, que a legislação trabalhista brasileira não é arcaica, rígida ou onerosa como se costuma dizer, as dificuldades naturais da comunicação aumentam e muito, pois o tema em questão remexe com questões de ordem cultural, que envolve conceitos pré-concebidos e muita convicção formada ao longo de anos de desinformação.

A possibilidade do diálogo muitas vezes se perde porque o mero fato de expor, de forma necessariamente resumida, as idéias acima já provoca reações de repúdio, que vão desde o ataque direto, por meio de agressões de ordem pessoal, até o ataque indireto por intermédio de campanhas de desmoralização. Muitas pessoas, aliás, aproveitam-se da situação de que o juiz desceu de seu pedestal para atacá-lo na qualidade de juiz, não se percebendo que no diálogo com a sociedade, fora da atividade jurisdicional, quem fala é o cidadão, não o juiz.

Para não sofrer esses abalos, melhor, então, seria recolher-se, voltar-se aos livros, ao mundo fechado dos enigmas jurídicos, mantendo-se protegido por tablados, cancelos, togas, perucas, solenidades e rituais. Do ponto de vista processual, manter-se intocável, inatingível, usando linguajar confuso, sobretudo expressões em latim, escrevendo muito e não dizendo nada, estando alheio às coisas do bem e do mal. Não ser claro, não expor idéias, não se preocupar com a justiça das suas decisões. Esconder-se atrás da letra fria da lei e proclamar-se apolítico, atuando como se fosse cego, surdo, mudo, acéfalo e inodoro. Socialmente, não freqüentar lugares públicos, como campos de futebol, bares, cinemas, shoppings, clubes, parques, favelas... Não se preocupar nem se envolver com os problemas sociais, acatando a idéia de que a desgraça de muitos é apenas um problema de "má de sorte" na vida.

O efeito de tudo isso, no entanto, é o da perpetuação do afastamento dos juízes da sociedade, que só serve para alimentar uma desconfiança desta quanto àqueles e uma incompreensão dos juízes quanto aos problemas da sociedade, não assumindo sua responsabilidade na correção da realidade.

Então, há de se continuar tentando. O propósito desse texto é esse: o de manter um contato direto com a sociedade brasileira, a fim de esclarecer, como sinal de respeito aos cidadãos sérios desse país, alguns aspectos relevantes sobre o tema, Direito do Trabalho, que possam ter sido desvirtuados pelas barreiras da comunicação.

Neste sentido, primeiramente, cumpre reparar um grave ponto de incoerência no ataque feito às decisões judiciais que buscam conferir eficácia às normas jurídicas trabalhistas. Com efeito, diz-se que o alto custo do Direito do Trabalho impõe a "informalidade". A informalidade, no entanto, nada mais é que a contratação de um emprego sem a formalização de sua contratação, sem a anotação de sua CTPS e sem o cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias decorrentes. A denominada informalidade trata-se, portanto, de uma ilegalidade, de um desrespeito ao que determina a lei. Justifica-se essa situação pelo custo, mas ela não deixa de ser uma ilegalidade. No entanto, tenta-se obscurecer esse dado tratando o fato como mera informalidade. Ao mesmo tempo, fala-se do império da lei para atacar uma decisão judicial que busca no contexto do ordenamento jurídico um sentido para a lei que respeite o sentido de justiça. Na lógica dos que atacam a legislação trabalhista, se a lei favorece os seus interesses, como se dá com a prescrição, deve-se respeito à lei, mas na parte em que esta não lhes é positiva, busca-se o argumento retórico, com apelo econômico, para não se respeitar a lei, embora não se diga isso abertamente, pois que se trata de mera "informalidade".

Além disso, no caso específico da negação da eficácia da norma constitucional que conduz os direitos trabalhistas ao ralo da prescrição, pelo argumento de que a eficácia da norma constitucional está subordinada à regulação do direito à proteção contra dispensa arbitrária, constitucionalmente previsto, diz-se que é um absurdo chegar-se a esta conclusão porque afinal a prescrição está prevista na norma jurídica, mas nada se diz quanto ao absurdo de não se ter, até hoje, regulamentado a norma constitucional que garante aos empregados a proteção contra a dispensa arbitrária. Entretanto, do ponto de vista estritamente jurídico não se pode negar, por uma leitura sistêmica do art. 7º., da Constituição Federal (clique aqui), que a prescrição qüinqüenal somente pode existir se os trabalhadores tiverem condições de exercerem seu direito de ação no curso da relação de emprego, sem porem em risco o próprio emprego. O fato inconteste de que 99% das reclamações trabalhistas são movidas depois de cessada a relação de emprego é prova insofismável disso.

Quanto à crítica às decisões judiciais que impõem indenizações aos empregadores que descumprem deliberada e reiteradamente a legislação trabalhista, usando de tal procedimento como tática de obter vantagem na concorrência (ou seja, para empregadores que não têm sequer em sua defesa o argumento da fragilidade econômica), ataca-se uma decisão judicial, que, baseada em previsões expressas da lei (art. 404, do Código Civil - clique aqui - e artigos 652, "d" e § 1º., do art. 832, da CLT -clique aqui ), tenta reconstituir o respeito ao direito, e vai-se em defesa do descumpridor da lei, como se, em termos trabalhistas, houvesse o "direito" de não cumprir a lei. Claro que esse modo de pensar apenas privilegia o agressor do ordenamento jurídico, prejudicando aqueles que o respeitam, tornando concreta a noção popular de que no Brasil quem cumpre a lei é otário.

O Direito do Trabalho, ademais, é a regulação do relacionamento entre o capital e o trabalho, favorecendo o desenvolvimento do modelo capitalista de produção. Ele organiza a sociedade e estabelece as regras do jogo da concorrência, estabelecendo limites essenciais à preservação de valores humanos. Para o capital um dos grandes méritos do Direito do Trabalho é precisamente a fixação da previsibilidade. A imprevisibilidade só existe quando se acredita que ignorar deliberadamente a eficácia da ordem jurídica social não gera nenhum efeito. Assumem-se riscos desnecessários muitas vezes baseados na criação de fórmulas jurídicas equivocadas. Muitos empregadores de boa-fé, aliás, iludidos por pessoas que não conhecem o Direito do Trabalho, têm sido conduzidos a acatar fórmulas de contratação que se apresentam como eficientes para afastar a incidência da legislação trabalhista, considerando até que estão agindo dentro da lei. É importante perceber, no entanto, que não pode haver essa possibilidade, pois se ela efetivamente existisse para uma pessoa existiria para todas, na medida em que normas do direito são preceitos de regra geral. Acreditar nessas saídas é um grande equívoco, que gera conseqüências econômicas desastrosas. Repare-se: pagar, por exemplo, dez horas extras por mês gera um custo, mas esse custo pode ser transferido para o produto. Não pagar essas horas extras por cinco anos, e depois ser condenado a pagar tudo de uma vez, gera um custo que pesa na contabilidade e o empregador muitas vezes não tem de onde tirar o dinheiro para pagar o que deve. E o que se imagina que o juiz deva dizer a este empregador: "Tudo bem, o direito do empregado não precisava mesmo ser respeitado ?".

Outro aspecto que requer esclarecimento diz respeito exatamente à questão do tão aclamado alto custo do Direito do Trabalho. Argumenta-se que o Direito do Trabalho brasileiro gera custo excessivo para as empresas, inviabilizando o sucesso econômico do país; que o alto custo provocado pelo Direito do Trabalho prejudica os próprios trabalhadores; e que a legislação trabalhista é anacrônica, antiga e ultrapassada.

Todos esses argumentos são, claramente, falsos, senão vejamos.

É importante destacar, inicialmente, que direitos não podem ser reduzidos a uma equação matemática, pois se assim fosse logo se diria que uma indenização por desrespeito aos direitos dos consumidores não poderia existir na medida em que tal condenação colocaria em risco a saúde econômica da empresa, prejudicando os trabalhadores e os próprios consumidores. Nesta linha de raciocínio o desrespeito a qualquer espécie de direito estaria justificado por uma razão econômica. O fato é que não se medem direitos pelo aspecto puramente econômico, até porque se levado às últimas conseqüências, no âmbito trabalhista, acabar-se-ia defendendo a escravidão como forma de garantir o crescimento do país.

De todo modo, para não fugir do debate, cumpre verificar o quão falaciosa é a visão de que o direito do trabalho brasileiro gera custo excessivo para as empresas. Neste aspecto muitas vezes confunde-se custo das normas trabalhistas com custos gerados por normas da seguridade social e de natureza tributária, que não são, propriamente, custos trabalhistas. Como explica Márcio Pochmann , tem se adicionado ao custo do trabalho parcelas que se integram ao conceito de encargo social. Com efeito, encargo social é o "ônus contributivo do empregador direcionado ao financiamento das políticas públicas" e dessa forma não podem integrar tal cálculo o percentual pago a título de custo salarial, como férias, feriados, décimo terceiro salário, FGTS e verbas rescisórias. Nestes termos, os encargos sociais, INSS, seguro-acidente, salário-educação, Incra, Sesi/Sesc, Senai/Senac e Sebrae representariam, na verdade, 20,07% do custo total do trabalho, já acrescido das parcelas anteriormente referidas . Percentual este que seria equivalente ao do que é aplicado nos países mais desenvolvidos, sem se considerar, é claro, que o custo salarial da mão-de-obra nestes países é muitas vezes superior ao do Brasil, conforme aludido acima. Além disso, mesmo integrando-se às normas trabalhistas as contribuições dos encargos sociais, o custo do trabalho no Brasil é muito baixo se comparado com outros países, principalmente os do chamado "primeiro mundo" .

Frise-se, ainda, que alguns dos encargos sociais só são custeados pelo empregador, aparentemente. As despesas com o vale-transporte e a alimentação, esta última quando efetuada nos termos do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), são dedutíveis do lucro tributável para fins do Imposto sobre a Renda dos empregadores pessoas jurídicas. Vide, respectivamente, as leis n°s. 7.418, de 16 de dezembro de 1985 (clique aqui) (art. 3°.) e 6.321, de 14 e abril de 1976 (art. 1°.) (clique aqui), sendo de se observar, ainda, que quanto às despesas com alimentação, autoriza-se a dedução do dobro do valor das despesas efetuadas.

O salário-família e o salário-maternidade são benefícios previdenciários. O empregador paga ao empregado tais parcelas, mas o valor correspondente é descontado das contribuições que deve ao INSS.

Auxílio-doença, nos primeiros 15 dias, licença-paternidade, as ausências justificadas (art. 473, da CLT) e mesmo o DSR e os feriados, não geram custos adicionais para o empregador.

O 13o. salário, as férias (com o adicional de 1/3) e o aviso prévio são direitos dos trabalhadores, que existem com regulamentação igual ou distinta, na maioria dos países do mundo.

Adicional de horas extras, adicional de insalubridade, adicional de periculosidade, adicional de transferência e adicional noturno são compensações pelo trabalho prestado em condições adversas à saúde do empregador. Não representam um custo do trabalho, mas uma forma de inibir que um trabalho em tais condições seja realizado.

A limitação do trabalho aos domingos é preceito de ordem pública, visando estabelecer um padrão de vida que respeite a possibilidade de um maior convívio familiar pelo menos em tal dia. Interessante perceber que nos países europeus, mesmo com alto nível da atividade turística, o trabalho aos domingos é extremante limitado.

O princípio da isonomia salarial, previsto inclusive na Declaração Universal dos Direitos do Homem (clique aqui), tem a função de não permitir que se instaure entre os empregados um clima de guerra na busca dos agrados do empregador, um clima que não interessa, por óbvio, ao próprio empregador. Nenhum empecilho há para que as diferenças salariais possam ser objetivamente fixadas a partir da produtividade e da perfeição técnica.

Restam, portanto, como custo do trabalho: a contribuição previdenciária, incluindo o seguro contra acidente do trabalho, o salário-educação e as contribuições para o INCRA, o SESI/SESC, o SENAI/SENAC e o SEBRAE.

O PIS, que também é um custo social - para as pessoas jurídicas -, não incide sobre a folha de pagamento, não tendo, por isso, relação com o custo do trabalho, embora sua destinação seja o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), para custeio do seguro-desemprego (Lei n°. 8.019/90) (clique aqui).

Convém, ainda, destacar, que as contribuições para o SESI/SESC, o SENAI/SENAC e o SEBRAE, "financiam atividades sociais de órgãos desenvolvidos e administrados por entidades patronais" .

No que se refere à contribuição para o INSS não se pode negar ser este um custo essencial para cobertura dos benefícios do seguro social. As contribuições adicionais, por risco de acidente do trabalho, destinam-se ao custeio dos benefícios por acidente do trabalho, que têm valor superior aos benefícios comuns. Neste sentido, é natural que as empresas que oferecem mais riscos de acidente tenham contribuição diferenciada.

Desviar os encargos sociais da relação de emprego pressupõe duas medidas necessárias: primeira, a de identificar quais regras referem-se, efetivamente, a custo social; e, segunda, a de implementar uma nova fonte de custeio para os benefícios da seguridade social, já que não podem ser simplesmente descartados, pois em razão de "uma possível redução dos encargos sociais, sem a definição automática e imediata de novas bases de financiamento da seguridade social, a precarização do mercado de trabalho e as desigualdades salarial e social tendem a crescer ainda mais" . Além do mais, conforme observa Adam Przeworski, "há alguns anos tornou-se consenso que o gasto social é investimento", acrescentando que é possível que "num país como o Brasil, um dos mais desiguais do planeta, alguém ache que esse tipo de gasto, cuja ausência é sentida e sofrida cotidianamente, possa ser encarado como desperdício". Segundo o mesmo autor, a única forma de compreender o desprezo pelos custos sociais é o fato de "que as pessoas tenham o receio de que esse dinheiro, uma vez posto na mão do governo, acabe sumindo antes de chegar ao seu destino. Mas aí é um problema de corrupção, e não de que o gasto, em si, não seja válido."

Assim, como explica Arnaldo Süssekind, "...o custo brasil, que realmente vem prejudicando o nosso comércio exterior, é formado por impostos e tarifas estranhos às relações de emprego." Além disso, segundo informa Márcio Pochmann, "os países que mais avançaram na flexibilidade dos contratos e na diminuição dos custos do trabalho não se tornaram exemplos de economias com menor desemprego e mais homogeneidade do mercado de trabalho" .

Desviando-se o enfoque do problema do desemprego, exclusivamente, para a questão dos encargos trabalhistas, o Brasil tem abandonado suas potencialidades de criação de emprego, ampliando as condições de exclusão , a saber: a) incentivo ao turismo ; b) reforma agrária séria e organizada; c) redistribuição da riqueza pela fixação de um salário mínimo mais condizente com a condição humana; d) incentivo à produção agro-pecuária; f) implemento de linha de crédito para as microempresas (as microempresas são as que mais empregam no Brasil e segundo visão de Herbert de Souza, são a única saída para o problema do desemprego ; g) melhoria da educação, com repercussão na formação de mão-de-obra qualificada como forma de incremento da produtividade. Quanto a este último aspecto cumpre reparar que 63% da mão-de-obra empregada no Brasil não chegou a completar o primeiro grau .

No que se refere ao FGTS, ainda que se o considere um custo do trabalho, embora tenha repercussões sociais relevantes, deve-se recordar que sua instituição se deu como forma de eliminar o instituto da estabilidade no emprego de nosso ordenamento jurídico. O FGTS é um instituto jurídico que não encontra similar no mundo, mas exatamente porque nos diversos países há uma maior resistência à possibilidade de dispensa arbitrária dos trabalhadores.

E os direitos trabalhistas, propriamente ditos, previstos em nossa legislação, são retrógrados o anacrônicos ? Uma análise atenta da legislação demonstra que não. Primeiro, nossa legislação não é mais a que existia há 60 (sessenta) anos atrás. Ele foi bastante alterada por leis posteriores e pelos motivos errados. Além disso, os direitos que restam são essenciais: salário mínimo; limitação da jornada (adicional de hora extra); adicional noturno; férias anuais (feriados); 13°. salário; regras de proteção ao salário; proteção contra alterações contratuais por ato exclusivo do empregador (art. 468, da CLT); descanso semanal remunerado; verbas indenizatórias para a dispensa injusta; aviso prévio; estabilidades provisórias no emprego, em casos excepcionais e socialmente justificáveis; Fundo de Garantia por Tempo de Serviço; proteção do trabalho da criança, do adolescente e da mulher; normas de segurança e higiene do trabalho; direito de greve e seguro social contra contingências sociais. Nenhum desses direitos pode ser considerado despropositado, não havendo razão alguma para que sejam excluídos. Ademais, nos diversos países do mundo, ainda que de formas diversas, com maior ou menor amplitude, esses direitos são reservados aos trabalhadores.

As normas trabalhistas existem para garantir um sentido humano à exploração do trabalho e não podem ser desprezadas nem mesmo diante de uma situação de sucesso econômico, pois ao crescimento econômico não corresponde, de forma inexorável e na mesma proporção, um desenvolvimento social. Com efeito, em 1996, os Bancos tiveram lucros exorbitantes, e mesmo assim mantiveram política de corte de pessoal. O Bradesco, por exemplo, no ano de 1996 obteve um lucro de R$824,4 milhões e seu número de empregados foi reduzido de 52.886 para 45.871 . Como já dizia Octavio Bueno Magano, não é privilegiando o desenvolvimento econômico que se trilha o caminho da justiça social .

Frise-se, ademais, que a legislação trabalhista nacional foi instituída, em sua quase totalidade, nas décadas de 40, 50 e 60 e não se constituiu óbice ao "boom" econômico vivenciado no Brasil até o início da década de 70 .

O Direito do Trabalho no Brasil, embora não se queira reconhecer isso, do ponto de vista legal, já é demasiadamente flexibilizado, o que já fora reconhecido pelo economista Edward J. Amadeo, antes de se tornar Ministro do Trabalho, em artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo, escrito em 1994: "A legislação que regula os processos de demissão sem justa causa e desligamentos voluntários no Brasil induz uma enorme rotatividade e flexibilidade do mercado de trabalho. Portanto, enganam-se redondamente ou não conhecem os dados os que crêem que o mercado de trabalho no Brasil não é flexível. Ao contrário, é flexível demais e pelas razões erradas. O importante não é eliminar a legislação, pretendendo com isto aumentar a flexibilidade. Mas alterá-la para reduzir a flexibilidade bastarda" . (grifou-se)

O caminho da flexibilização entre nós, ademais, foi iniciado há muito tempo, em 1967, com a troca da estabilidade pelo FGTS. Várias iniciativas se seguiram nesta linha: a) em 1974, após não se renovar a assinatura da Convenção 96 da OIT, admitiu-se o trabalho temporário; b) em 1977, os estagiários deixaram de ser considerados empregados, para serem afastados da proteção da legislação trabalhista; c) em 1983, regulamentou-se o trabalho de vigilância, para excluir os vigilantes do benefício da jornada reduzida de 6 horas destinada ao setor bancário; f) em 1993, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho foi radicalmente alterada para, mesmo sem uma autorização legal, considerar possível a elaboração de um contrato entre empresas para prestação de serviço no estabelecimento da empresa "tomadora" da mão de obra. De acordo com esta jurisprudência, seguida por quase todos os juizes, a empresa "tomadora" é responsável apenas de maneira secundária quanto aos créditos dos trabalhadores, considerados empregados apenas da empresa "prestadora" dos serviços. Na prática, a terceirização provocou maior ineficácia das normas do direito do trabalho, vez que as empresas de prestação de serviços não têm patrimônio suficiente para garantir o respeito dos direitos dos seus empregados e também um efeito discriminatório, pois os empregados "terceirizados" não são integrados ao contexto do local onde prestam serviços; d) em 1998, tentou-se alargar as possibilidades de concluir contratos com duração determinada. A lei criou um novo tipo de contrato, denominado "contrato provisório". De acordo com a lei, passou a ser possível a formação de um contrato por prazo determinado, sem vinculação a qualquer motivo específico, a não ser o fato de estar previsto em um instrumento coletivo e ser destinado ao aumento do número de empregados da empresa; e) em 1998, flexibilizaram-se ainda mais os limites da jornada de trabalho pela criação do chamado "de banco de horas". De acordo com este sistema, as horas suplementares podem ser compensadas dentro do período de um ano, sem nenhum pagamento adicional; f) em 1999, foi criado o contrato a tempo parcial, embora na realidade, seja pouco utilizado devido ao baixo nível do salário dos empregados a tempo completo.

Nesta linha de "flexibilização" situam-se também decisões judiciais que consideram possível a supressão de direitos previstos na lei por meio de acordos e convenções coletivas de trabalho.

Temos, por conseguinte, no Brasil, um direito do trabalho por demais flexível (desde 30 anos atrás). E, se a tudo isso acrescentarmos os montantes excessivamente baixos dos salários (o salário mínimo é de R$380,00 o salário médio é de R$600,00 à R$850,00) teremos a fórmula ideal para a economia dita "moderna". Um direito do trabalho bastante flexível, sem garantia genérica contra a dispensa imotivada, acrescido de valores salariais extremamente baixos.

Entretanto, apesar de tudo isso, em 2006, a economia do Brasil só não cresceu menos que a do Haiti.

E, para além do efeito econômico, importa chamar atenção para o fato de que essa fórmula da precarização provoca também um efeito cultural muito relevante: a crise do pacto social que, como se sabe, é essencial para o Estado Providência.

Com efeito, quando as pessoas não crêem mais no Estado procuram encontrar as soluções para resolver as suas dificuldades. O individualismo suplanta a liame social. Produz-se um pacto ao contrário: um pacto anti-social.

Comprova esta alegação a tendência verificada no Brasil quanto à disposição das pessoas em não pagar impostos.

Este fenômeno, de fuga da incidência das contribuições sociais e impostos, atinge, igualmente, a vontade dos próprios trabalhadores. Estes são transformados, formalmente, em pessoas jurídicas para executarem seus serviços a uma empresa e muitas vezes vislumbram uma vantagem nessa situação, sendo esta, exatamente, a de pagarem menos impostos.

Observa-se, ainda, uma acomodação do próprio Estado. Mesmo na Justiça do Trabalho é possível verificar juízes justificando a realização de acordos sem o reconhecimento da relação de emprego para fins de evitar o pagamento de impostos.

Os consumidores, por sua vez, contribuem com essa lógica, procurando bens mais baratos, os quais são produzidos precisamente pelos empregadores que não pagam impostos.

Temos, por conseguinte, uma situação social extremamente complicada. Há um grande número de desempregados (cerca de 9,3% da população economicamente ativa). Em contrapartida, os que têm um emprego trabalham muito (as horas suplementares são corrente), ganham salários muito baixos e não vêem os seus direitos respeitados.

Trata-se de um sistema que favorece também a concentração da renda nas mãos de um pequeno número de pessoas. Em 2005, "1% dos brasileiros mais ricos - 1,7 milhão de pessoas - detinham uma renda equivalente a da parcela formada pelos 50% mais pobres (86,5 milhões de pessoas)" .

Há poucas pessoas muito ricas e uma enorme quantidade de pessoas extremamente pobres (cerca de 35% da população). Enquanto o salário mínimo é de R$380,00, o salário dos agentes públicos, incluindo juízes, excede a quantia de R$15.000,00/R$20.000, 00, ou mais. Com relação a diretores de grandes empresas a diferença é ainda mais larga.

Temos ainda um mercado financeiro extremamente atrativo, no qual as pessoas que têm o dinheiro multiplicam seu patrimônio sem ter nada a fazer. No Brasil, um dos países mais pobres ao mundo, a marca Louis Vuitton apresenta vendas recordes.

A segurança social, representada pelo implemento de políticas públicas, é abandonada e a idéia do risco passa a habitar nosso cotidiano de forma mais intensa. Incerteza: eis aí a palavra que dita a nossa vida e as nossas relações sociais. Vivenciamos a sociedade do risco.

Esse contexto favorece, portanto, a implementação de uma concorrência darwinista entre os indivíduos, na qual, diz-se, sairão vencedores os competentes, os qualificados. Os perdedores, ou seja, aqueles que não se enquadram nos novos padrões exigidos pela produtividade, entrarão na faixa dos "inimpregáveis" (expressão já utilizada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso) e, pior que isso, em breve espaço de tempo serão considerados "excluídos" ("excluídos", segundo critério de pesquisa utilizado pelo "Datafolha" são "aqueles que têm renda familiar de até dez salários mínimos..." )

Resumindo o que se disse até aqui, o momento histórico em que vivemos, que se tem denominado de "modernidade", e que para alguns já se trata de "pós-modernidade", impõe-nos o seguinte modo de viver:

a) banalização cultural do cotidiano;

b) luta por sobrevivência, no sistema do "salve-se quem puder";

c) perda de noção básica do convívio social: a solidariedade;

d) busca incessante de qualificação, para atender aos padrões exigidos no novo processo produtivo;

e) fatalismo, que nos provoca uma certa noção de conformismo com as injustiças sociais, já que isto se apresenta como inevitável, principalmente em países ditos periféricos como o Brasil.

Sob o prisma político, os trabalhadores (ou as pessoas que estão à procura de trabalho) - pois não se pode esquecer que grande parte da população, no sistema capitalista, depende da venda de sua força de trabalho para sobreviver - acabam considerando que o trabalho que lhes é dado é uma esmola, perdendo plenamente a consciência de sua dignidade, deixando de se identificarem como cidadãos. Conseqüentemente, a classe trabalhadora se despolitiza, com nítidos efeitos perversos para a democracia (não há uma oposição política, com apoio popular, capaz de fazer resistência ao bloco dominante).

Há como mudar a regra desse jogo? Segundo Roberto Magabeira Unger , para desonerar as empresas e manter o valor social do trabalho, é preciso um conjunto de ações, tais como: transferir tributos do salário para outras fontes de renda; diminuir, corajosamente, os juros, para que o retorno dos negócios produtivos seja maior do que se ganha em investimentos financeiros ou comprando títulos da dívida pública, que estão atrelados à taxa cambial do dólar; acabar com a ilusão do aumento do superávit primário, que impõe redução dos gastos públicos com coisas essenciais à estabilidade social, tais como saúde e educação públicas de qualidade, acrescentando que é criando uma estratégia rebelde, mas imaginativa, que se conseguirá de forma duradoura manter a tranqüilidade do mercado e impulsionar o desenvolvimento.

Cumpre deixar claro que não se deve negligenciar, desconhecer, a realidade das pequenas e médias empresas brasileiras. Muitas empresas, as pequenas e médias, sobretudo, enfrentam dificuldades econômicas, que em grande medida constitui a causa do não cumprimento integral dos direitos trabalhistas. Entretanto, é muita inocência imaginar que se resolva tal problema com a redução dos direitos sociais, porque isto implica reduzir o valor do trabalho, diminuindo a distribuição da renda produzida e reduzindo, conseqüentemente, a fonte de custeio da rede de segurança social (a não ser, como dito, que se ponha em discussão a redefinição das fontes de custeio do sistema previdenciário). A conseqüência é óbvia: agravamento do problema social do qual todos são vítimas, e, pior, sem benefício algum para as pequenas e médias empresas. Afinal, estas dependem do mercado consumidor interno e este é formado, sobretudo, pelos próprios trabalhadores.

O fato é que as pequenas e médias empresas brasileiras (impulsionadas por bravos e respeitados brasileiros) estão sendo assoladas pelos arranjos globais capitalistas de cunho naturalmente monopolista e que se acentuam quando o Estado não intervém no mercado para a sua proteção (que não deve ser pensada na perspectiva da redução dos direitos trabalhistas, pois isto, como visto, é pura ilusão de ótica). As grandes empresas impõem contratos economicamente inviáveis às pequenas e médias empresas que, sem alternativa, são obrigadas a descontar em cima dos trabalhadores. Diante desse quadro propõe-se de forma até irresponsável que a solução do problema das pequenas e médias empresas é a redução do direito dos trabalhadores. Lá na ponta da perversidade do sistema o trabalhador "paga o pato" e ainda é acusado de culpado pela crise econômica que devasta o país.

Concretamente, nosso problema é de natureza econômica e se nada se fizer, seriamente, tende a piorar, pois a cada ano vários novos cidadãos precisam se integrar ao mercado de trabalho para obterem um meio de sobrevivência. Assim, é necessário que sejam discutidos, urgentemente: o sistema econômico; a realização da reforma agrária; a reforma tributária (que pode desonerar pequenas e médias empresas, sem sacrificar ainda mais os trabalhadores); a eliminação da corrupção; a eliminação do desvio de verbas da previdência social; a moralização no serviço público, sobretudo para cumprimento da Constituição quanto à efetivação de concurso público para acesso ao serviço público, com eliminação das malfadas terceirizações e restrito respeito às regras para preenchimento das funções de confiança e dos cargos em comissão; a tomada de consciência, por todos, quando à importância da efetivação do custeio da segurança social; os incentivos às atividades produtivas; a tributação especial da especulação financeira e das grandes fortunas; o incentivo ao turismo; a reestruturação da escola pública etc. etc. etc.

Se nada disso resultar algum efeito benéfico (no que não se acredita), não se pode conceber que seria a mera diminuição dos já parcos direitos dos trabalhadores que o faria, até porque, como visto acima, este caminho da redução do custo do trabalho já está sendo trilhado no Brasil há pelo menos 30 (trinta) anos e até agora só agravou nossos problemas.

Deixar de lado a discussão em torno do custo do trabalho é importante, ademais, para que se inicie, de uma vez, uma discussão séria em torno dos problemas acima apontados.

No contexto de uma discussão ampla dos problemas brasileiros até pode-se admitir um debate pontual acerca dos direitos dos trabalhadores, para eliminar dispositivos inócuos, mas também para avançar em certos aspectos para favorecimento de uma verdadeira política de pleno emprego, preservando a dignidade no trabalho: a) estender o conceito de relação de emprego; b) garantir o direito à limitação da jornada de trabalho a todo tipo de empregado, incluindo os denominados "altos empregados", tais como gerentes; c) reduzir o cômputo do trabalho semanal, para, pelo menos, 40 horas; d) coibir o trabalho em horas extras de forma habitual; e) aumentar o salário mínimo; f) regular a proteção contra dispensa arbitrária; g) proibir a terceirização, sobretudo no setor público; h) eliminar a prescrição de créditos trabalhistas; i) fixar responsabilidades nos sistemas de subcontratação i) respeitar as normas que se destinam a conferir ao trabalhador o poder de reagir diante de uma situação injusta: sindicalização e greve.

Mas, toda essa discussão, convenhamos, é muito complexa e envolve, por óbvio, a remoção de privilégios e mesmo o incremento de uma auditoria dos gastos públicos (o desvio do dinheiro público para o ralo sem fundo dos privilégios e da preservação de interesses particulares é um dos maiores males que assola o país). E como parece difícil ou quase impossível submeter-se a ela então continuamos falando simplesmente que o problema do Brasil é o custo gerado às empresas pelo Direito do Trabalho e como já quase não se tem custo efetivamente trabalhista que possa ser retirado, procura-se fazer crer que é o 13º. salário dos trabalhadores que constitui o entrave ao desenvolvimento econômico da nação.

Não é possível que as pessoas sérias desse país acreditem nisso.

É urgente que criemos um projeto de sociedade, que passa, necessariamente pelo respeito aos direitos sociais.

A somatória dos interesses pessoais não constitui um projeto de sociedade. Além disso, bem se sabe: o mercado sozinho não é capaz de produzir justiça social.

É por isso que não há sociedade socialmente equilibrada, com preservação de valores humanos, em regimes capitalistas que se desenvolvem sem os limites impostos pelo Direito Social. Não é possível efetivar um sistema de bem comum com a mera preservação jurídica dos interesses individuais e econômicos. As políticas públicas (de busca do pleno emprego, de educação, de saúde, de lazer, de proteção à infância e à maternidade, de segurança etc.) não são satisfeitas pelo exercício desregrado das liberdades individuais no contexto da concorrência. Exigem, pois, uma ordem jurídica social de cunho coercitivo.

A eficácia das normas de regulação entre o capital e o trabalho, criadas para construção da justiça social, é, portanto, essencial.

É preciso que nos apresentemos, publicamente, para a discussão dessas questões cujo resultado possa ser, finalmente, a formação de um pacto social. Devemos ter disposição para um debate franco, aberto, fundamentado, descomprometido e respeitoso. No que me diz respeito, mesmo com o sacrifício do conforto advindo de uma sólida condição econômica e de um pretenso "status" social, continuo à disposição.

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*Juiz do Trabalho, professor livre-docente de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP e membro da Associação Juízes para a Democracia.









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