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Direito e a Indústria da Defesa

O mundo jurídico tem acompanhado o aumento do setor de Defesa no país?

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Atualizado em 3 de abril de 2013 15:21

Uma das áreas mais afetadas pelos cortes orçamentários anunciados recentemente pelos Estados Unidos é a da Defesa, apesar de seu caráter estratégico para o país. Já o Brasil vem aumentando investimentos no setor, posicionando-se entre os dez maiores orçamentos de Defesa do planeta. As Forças Armadas brasileiras estão em franco movimento de modernização nos últimos anos. E como o mundo jurídico está acompanhando esse fenômeno? Os reflexos são fortes. O mais imediato foi a edição da lei 12.598/12, conhecida como lei da Defesa. Agora ganham espaço reflexões sobre quais conhecimentos devem ser somados para atender as demandas que estão por vir.

Defesa é, nos dias de hoje, essencialmente tecnologia de ponta, o que remete de início ao Direito de Propriedade Industrial. De fato, trata-se de especialidade a ser bastante requisitada pelas indústrias do segmento. Porém, o que se tem visto são profissionais com apego excessivo aos conceitos tradicionais da lei 9.279/96 e aos procedimentos quase kafkianos do Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI. Isso é inapropriado para o caso. Em Defesa, o sigilo é pedra de toque. Logo, dificilmente haverá envolvimento do INPI, órgão que confere publicidade aos inventos. Portanto, será necessária uma mudança de modelo mental dos advogados para se libertarem da dogmática microssistêmica a que estão habituados e enxergarem caminhos alternativos capazes de proteger as empresas sem recorrer aos mecanismos institucionais de uso comum.

Tal proteção requererá contratos mais bem formatados, o que conduz ao Direito Contratual. Nessa seara, serão explorados conhecimentos de contratos internacionais e de ferramentas de composição de conflitos que não requeiram, ao menos no primeiro momento, a configuração de litígios, nem mesmo arbitrais. A negociação das tecnologias sigilosas exigirá inteligência na construção de contratos autoexecutáveis, mais detalhados em regras de incentivo ao cumprimento de obrigações do que em punições pelo seu inadimplemento. Nesse ponto, a fragilidade dos profissionais do Direito está no apego às fórmulas prontas e às minutas preconcebidas, além do latente temor de inovar. Vale lembrar que, em Defesa, será preciso desvencilhar-se da aparente sustentação jurídica conferida pela retórica dos princípios contratuais para dar lugar a um apuramento técnico destinado a superar desafios estranhos ao cotidiano do contratualista tradicional.

O reforço da técnica contra o vazio principiológico também alcançará o Direito Administrativo, relevantíssimo em matéria de Defesa por disciplinar a atuação do grande cliente dessa indústria: o Estado. É importante dizer que em Defesa há exceções a princípios caros aos administrativistas, como a publicidade. O advogado terá de lidar com flexibilizações do regramento administrativo estrito, o que pressupõe noções aprofundadas da mecânica aplicável aos negócios da administração pública. A carência mais comum do profissional desse ramo é a dificuldade de fazer interconexões com outras áreas especializadas do Direito, como a citada Propriedade Industrial. Assim, terá de reciclar seu código linguístico para incorporar preceitos típicos de relações jurídicas privadas ao seu contexto.

Evidente que outras subdivisões do Direito terão lugar em Defesa, como o Internacional, o Tributário, o Societário etc. Seria enfadonho tentar listar todas. Melhor é perseguir um conceito sobre o que se deve esperar de um profissional do setor. Esse conceito parece ser o da especialização no segmento econômico. Ou seja, o advogado terá de conhecer todas as matérias que tangenciam a indústria da Defesa. Deverá ser um especialista com visão geral, capaz de dialogar com empresários e governo sobre as principais questões setoriais.

É verdade que diversos segmentos econômicos pedem especialização semelhante. Em Defesa, contudo, há particularidades. Primeiro, a forte carga de informações geradas fora do Brasil por países já bastante desenvolvidos na matéria, determinando o estudo do Direito Comparado. Segundo, a existência de interlocutores qualificados inclusive na esfera pública, aspecto que merece atenção porque nem sempre há no Estado servidores com a profundidade de entendimento como se encontra nas Forças Armadas. Terceiro, o posicionamento da assessoria jurídica ao lado da abordagem comercial como linha de frente do negócio, tornando o advogado peça chave na efetivação das operações. Esse quadro impõe dedicação diferenciada à compreensão das diversas faces do ambiente da Defesa.

Ainda soa demagógico falar de um Direito da Defesa autônomo. Com o amadurecimento das transações, porém, será natural um processo de especificação do conhecimento jurídico, com distinções conceituais próprias como a diferença entre Defesa e Segurança. Por enquanto, o momento é de preparação, estudo e humildade diante de algo pouco explorado. Mas uma coisa é fato: quem se especializou por ramo do Direito pode ficar para trás se não ampliar seus horizontes nesse novo campo de batalha.

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* Kleber Luiz Zanchim é sócio do escritório SABZ Advogados e diretor do Departamento da Indústria de Defesa da FIESP.

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