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O aborto e a manifestação do Conselho Federal de Medicina

O argumento do CFM bate de frente com o argumento pétreo da vida.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Atualizado em 3 de abril de 2013 15:43

O Conselho Federal de Medicina foi instado a se manifestar a respeito do anteprojeto da reforma do Código Penal no item em que faculta à mulher interromper a gravidez até a 12ª semana de gestação. A decisão favorável prevaleceu e contou com aprovação de cerca de 70% dos conselheiros Federais, que levaram em consideração unicamente a autonomia da vontade da mulher.

A Comissão encarregada da elaboração do anteprojeto de Código Penal, além de preservar os casos legais e o de feto anencéfalo, acrescentou outras hipóteses de liberação do aborto: a) se a gravidez resulta de violação da dignidade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; b) quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida extrauterina, devidamente atestado por dois médicos; c) por vontade da gestante até a 12ª semana da gestação, quando o médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade, como, por exemplo, o uso de entorpecentes.

Não é esta a primeira cunha que se mete em assunto tão tormentoso. Abortamento é a interrupção da gravidez até a 20ª ou 22ª semana de gestação, com o produto da concepção pesando menos que 500g. Aborto é o produto da concepção eliminado pelo abortamento. O abortamento é permitido pela lei brasileira em duas situações: gravidez decorrente de estupro e quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal estendeu a descriminalização para os casos de feto anencéfalo.

O tema é de fácil combustão argumentativa e vem frequentando com certa assiduidade as discussões travadas a seu respeito. Não traz uma conclusão e sim carrega muita polêmica, por ser incandescente e envolver posições inquebrantáveis, permitindo que várias vozes falem ao mesmo tempo, cada uma delas defendendo considerações relacionadas com a saúde, psicologia, sociologia, religião, direito, ética e outras tantas.

O item que foi colocado em discussão é o que permite a prática abortiva por vontade da gestante, até a 12ª semana de gestação, dependendo de uma constatação médica ou psicológica no sentido de que ela não reúne condições para arcar com a maternidade.

De um lado, há nítido interesse de proteção à mulher, não só com a intenção de orientá-la, como também de preveni-la com relação às despreparadas clínicas clandestinas que realizam cerca de um milhão de abortos induzidos por ano. O Ministério da Saúde vem realizando sistemáticas campanhas que colocam a mulher como destinatária de novos serviços e benefícios, principalmente as fundidas nos documentos "Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes" e "Norma técnica de atenção humanizada ao abortamento", além dos esclarecimentos aos profissionais da saúde responsáveis pelo procedimento do ato médico. Tais documentos tratam de abortamento em razão de estupro ou para salvar a vida da gestante.

Recentemente, este mesmo órgão público invadiu uma seara perigosa, um terreno movediço, sem ainda qualquer alteração legal a respeito. Trata-se de uma campanha pública de política de planejamento reprodutivo e combate à mortalidade materna para abrir um canal visando orientar as mulheres que pretendem fazer o abortamento clandestino e, ao mesmo tempo, apresentar as informações a respeito dos riscos à saúde e os métodos existentes. É uma tarefa árdua em razão do entrave legal.

O argumento do Conselho Federal de Medicina, que deve ser respeitada a autonomia da vontade da mulher, o mesmo que se encontra alojado no Código de Ética Médica, mesmo sem o laudo médico ou psicológico, bate de frente com o argumento pétreo da vida. O embrião humano, uma spes hominis, depositário do material genético de seus pais, detentor do direito à vida como qualquer outro, não merece uma condenação intrauterina, se não deu causa para tanto. A vida é um bem indisponível e, na realidade, não pertence a uma ou outra pessoa e sim à própria humanidade, que a administra de acordo com os preceitos da dignidade humana.

A sociedade brasileira não vê o aborto com as lentes da saúde pública, como o Uruguai, Cuba e Porto Rico, que aprovaram lei permissiva da interrupção da gravidez, em qualquer situação, desde que seja realizada até a 12ª semana de gestação. Apega-se, pelo contrário, à tradição e à religião como escudos inquebrantáveis. Tanto é que em pesquisa feita pelo Datafolha, após a escolha do papa Francisco, a maioria defendeu que o Vaticano se manifeste a favor do divórcio e da camisinha, mas contra o aborto e o casamento gay.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado e advogado; Pedro Bellentani Quintino de Oliveira é advogado.

 

 


 

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