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Desta vez, não

Roberto Carlos notificou historiadora que, em sua tese de mestrado, abordou a Jovem Guarda e utilizou uma caricatura do trio mais famoso desse movimento como capa. Dessa vez, o "rei" tem razão?

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Atualizado às 08:01

Quando Roberto Carlos Braga requereu judicialmente a retirada de circulação de sua biografia escrita por alguém que desconhecia, e sem o seu consentimento - no que foi atendido - escrevi, e o Migalhas publicou, artigo defendendo a legalidade do ato judicial que o favoreceu.

De fato, o Código Civil do terceiro milênio contempla em dez artigos os chamados direitos da personalidade, dentre os quais se encontram os direitos à integridade física, ao nome, à honra. E, por ser a vida privada da pessoa inviolável, qualquer ato contrário à norma pode ser cessado por decisão judicial, a requerimento do prejudicado (art. 21). O ponto fulcral, pois, fica à mercê do "violado" que é quem traça a linha que demarca o que é privado - contra os seus interesses, do que é privado - a favor deles. Difícil de captar? Nada, é só dar uma olhadinha nas redes sociais.

Ora, o mesmo "rei", segundo as últimas notícias houve por bem (por bem?) notificar uma historiadora que resolveu publicar sua dissertação ao mestrado intitulada "Jovem Guarda: moda, música e juventude", pelo fato de a publicação trazer impressa na capa a caricatura do trio que fez a história da música quase brega (a sofisticada era a bossa nova) do movimento conhecido por "Jovem Guarda", que aconteceu entre os anos 60 e 70 no Brasil. E não é que o "rei" se zangou? Não gostou da caricatura, e não gostou da menção.... a seu nome!

A importância histórica do movimento, uma espécie de divisor de águas, é inegável na história da música popular brasileira, goste-se ou não de seu conteúdo. Por isso a surpresa da atitude.

Não, desta vez o "rei" não tem razão. Pior, manchará sua imagem de sensível/justo pela atitude arbitrária e antissocial que tomou. Não a levou às últimas consequências, é verdade, talvez pela grande possibilidade ser o pleito recusado na Justiça, mas adquiriu uma notoriedade totalmente dispensável.

Por que o "rei" está errado? A uma, porque a caricatura representa uma das melhores expressões da liberdade de criação artística e do humor, garantida constitucional de que desenha e de quem publica; a duas, porque são também constitucionais as garantias à liberdade de expressão do pensamento da historiadora, e o direito de todos à informação e à memória desse grupo que já integra o nosso patrimônio cultural, queiram ou não os seus críticos ou mesmo os seus integrantes; a três, porque o uso do nome ou da "imagem da imagem", na expressão cunhada por Pontes de Miranda ao discorrer sobre caricatura, não se deu em violação à intimidade do cantor/compositor, e tampouco com intenção difamatória. Há, portanto, um evidente interesse público e social na publicação.

A despeito de o biógrafo do livro retirado de circulação achar que as situações são idênticas do ponto de vista legal e constitucional, estão longe de ser equiparadas, uma vez que a biografia teria tratado de assuntos afetos à privacidade e intimidade do artista, menos nessa qualidade do que na de um cidadão comum.

Moral da história: o alcance histórico e social da dissertação, que virou uma espécie de documentário, não se confunde com a trajetória pessoal do cidadão Roberto Carlos; e com as quais ou sem quais, o legado do artista permanece imutável e genial.

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* Eliane Y. Abrão é advogada do escritório Eliane Y. Abrão, Advogados Associados.

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