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Novembro azul

Começou o Novembro Azul. A campanha alerta os homens sobre a importância do diagnóstico preventivo do câncer de próstata.

domingo, 17 de novembro de 2013

Atualizado em 14 de novembro de 2013 15:56

Mal terminou Outubro Rosa e já começou o Novembro Azul.

O primeiro, embalado pela tradicional fita rosa, iniciado no Brasil em outubro de 2002, é uma campanha que visa chamar a atenção das mulheres para o diagnóstico precoce de câncer na mama e do colo de útero.

O segundo, a reboque do primeiro, enlaçado pela fita azul, com o tema "Um Toque, um Drible", alerta os homens sobre a importância do diagnóstico preventivo do câncer de próstata.

A campanha conseguiu maior adesão entre as mulheres mesmo porque, com certa regularidade, frequentam ginecologistas desde a adolescência, com a realização dos exames recomendados rotineiramente. Com relação aos homens a campanha encontrou resistência inicial, mas já conta com uma acentuada adesão. E, pode-se dizer, que tanto para os homens como para as mulheres, se a doença for descoberta no início, há uma confortável margem de cura. E, para a Organização Mundial da Saúde, o tratamento preventivo é o mais recomendado.

A biotecnologia proporciona a realização de exames sofisticados que perscrutam lado a lado os segredos das células que circulam nos nossos corpos, silenciosas e inatingíveis até mesmo pela mente, responsável geral pelo invejável latifúndio que carregamos. E transportam elas um roteiro genético imutável, uma missão a ser cumprida de acordo com a programação do DNA, que estabelece todo o histórico de vida da pessoa.

De acordo com a avaliação de Sanches "a genética, partindo da análise do ser humano como organismo, sentir-se-ia mais confortável em afirmar que cada membro da espécie Homo Sapiens - apesar de sua inconfundível busca consciente de um sentido para tudo o que faz - é biologicamente determinado, se inicia a partir da loteria genética, se constitui de um ácido (DNA) e tem seu fim na dissolução das moléculas com o processo de morte".1

Angelina Jolie, como é sabido, submeteu-se a uma mastectomia dupla (retirada dos seios) porque, segundo os médicos, carregava 87% de chances de desenvolver o mesmo câncer que vitimou sua mãe. É uma atitude inusitada e que causou repercussão mundial. A decisão foi tomada após a realização de um mapeamento genético capaz de detectar o crescimento das células defeituosas com o consequente viciamento do DNA. Sua iniciativa fez com que muitas mulheres investigassem seus históricos genéticos para avaliar a possibilidade de se submeterem a uma mastectomia preventiva.

Pode se imaginar, no mesmo caminho, a situação de um homem que carrega histórico familiar favorável ao desenvolvimento de câncer na próstata e se submeta a um mapeamento genético, conclusivo pela potencialidade da doença, unicamente pelas informações genéticas, sem apresentar, no presente, qualquer início da moléstia. A indagação que se faz é no sentido de que, mesmo sem a efetiva comprovação da doença, mas pela potencialidade genética, justifica-se a intervenção médica preventiva, com a confiança no provável desenvolvimento das células cancerosas? Quer dizer, a cirurgia será realizada em um paciente saudável, que não apresenta a doença e nem mesmo os sintomas, mas há possibilidade de desenvolvê-la, como no caso da filha dos atores Jon Voight e Marcheline Bertrand.

Não se pode afirmar que a fundamentação do exame seja duvidosa porque vem revestida de caráter científico embasada em anos de pesquisa e acompanhada por outras provas médicas conclusivas. Daí resta ao paciente tomar uma decisão a respeito de evitar preventivamente a doença. Para tanto, conta com o suporte da autonomia de sua vontade, que é a mola propulsora do Código de Ética Médica.

Na relação médico-paciente, após ter sido diagnosticada determinada moléstia, nasce o conflitante dilema que se estabelece entre o profissional da saúde, preparado tecnicamente para o exercício de seu mister, e o paciente que integra esta relação como parte interessada em definir os procedimentos diagnósticos e terapêuticos a serem adotados. É uma relação linear que procura, de um lado, reconhecer o direito do paciente em determinar-se de acordo com sua vontade no tocante à saúde e vida, assim como decidir, dentre as opções apresentadas, qual seja a melhor para si mesmo, de outro, o profissional da saúde em apontar os procedimentos médicos convenientes para o paciente, sem, no entanto, obrigá-lo a tanto.

O médico somente aceitará a escolha expressa pelo paciente, desde que adequada ao caso, cientificamente reconhecida e recomendada. Na tentativa de responder à questão levantada, parece que não há dúvida com relação à resposta afirmativa. A tecnologia revela novos contornos que trazem benefícios para o homem, no sentido de proporcionar-lhe uma vida com melhor qualidade, evitando doenças incuráveis e sofrimentos dolorosos, sem qualquer ofensa ao princípio da dignidade humana.

Trata-se de uma nova realidade que se avizinha e com ela extensas nuvens precisam ser dissipadas. O procedimento invasivo, se optado pelo paciente, será realizado ainda sem a manifestação da doença e, no caso de prostatectomia radical, além da aplicação da radioterapia, carregará o receio da impotência sexual e da incontinência urinária. É, realmente, uma decisão que irá marcar uma nova etapa na prevenção médica da humanidade, tendo como sustentáculo os princípios da autonomia da vontade do paciente e beneficência, ambos da Bioética.

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1- Sanches, Mário Antonio. Bioética ciência e transcendência. São Paulo: Edições Loyola, 2004, p. 58.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, com doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.

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