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A consagração legislativa do macarrão

Em meio a uma histórica crise política nacional, perde-se tempo com o macarrão. Trata-se da mais completa banalização do processo legislativo.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Atualizado em 19 de dezembro de 2014 10:49

A tradição oral diz que o estadista francês Charles de Gaulle (1890-1970) cunhou a frase: "O Brasil não é um país sério". Foi alvo de críticas e até hoje é considerado persona non grata pelos ufanistas nacionais.

A lembrança desse "diagnóstico", real ou suposto, vem à tona ao se verificar que, no último dia 8 de dezembro, foi publicada e entrou em vigor a lei 13.050/14, a qual institui o "Dia Nacional do Macarrão" no nosso país.

Segundo os historiadores, o macarrão foi criado na China e baseado na filosofia chinesa de comida natural, já que em sua composição existem apenas ovos frescos, farinha de trigo e água. Foi Marco Polo, no Século XIII, que trouxe o macarrão ao ocidente, em especial à Itália. Lá, difundiu-se e hoje é consumido no mundo todo. E, aqui, virou herói nacional, com lei e tudo.

Em tempos de "Lava Jato", Comissões da Verdade, debates éticos e busca pela politização do povo, trata-se, sem dúvida, de "relevante" alteração legislativa. Afinal, para que discutir crimes, história e ética se podemos comemorar o dia do macarrão?

Atualmente, nem tudo acaba em pizza. Pode acabar em macarrão. Miojo ou Grano Duro. Ao sugo ou quatro queijos.

Ironias à parte, causa surpresa deparar-se com uma legislação com essa finalidade. Em meio a uma histórica crise política nacional, perde-se tempo com o macarrão. Trata-se da mais completa banalização do processo legislativo. Apenas nesse ano, foram promulgadas leis de duvidosa necessidade, como a lei 13.044/14, que conferiu ao município de Itabaiana/SE o título de "Capital Nacional do Caminhão" e a lei 12.975/14, que declarou como de raça nacional o cavalo "Manga-Larga Marchador." Seriam necessárias leis para isso?

A justificação da "lei do macarrão" é razoável: trata-se de um alimento amplamente consumido no Brasil, de fácil cozimento e armazenamento e que foi incluído no rol de alimentos que devem compor a alimentação do trabalhador pelo decreto-lei 399/38. Não se está, portanto, questionando a importância ou não desse alimento - de notável tradição culinária - mas, sim, a necessidade de prestar-lhe especial homenagem parlamentar com o procedimento e a liturgia de uma lei, sobretudo em uma época tão conturbada da nossa República. E, como se não bastasse, textos de lei efetivamente relevantes, como os projetos do CPC e do CPP encontram-se nos escaninhos do Poder Legislativo.

O imortal Nelson Hungria (1891-1969), já há mais de 50 anos, advertia que "o prurido legiferante no Brasil é coceira de urticária. Muda-se de lei como se muda de camisas." Chama-se a isso de panlegiferação. Trata-se do aumento desenfreado e desnecessário de leis. Muitas delas não precisavam existir, e seus termos poderiam ser relegados a atos do Poder Executivo, por exemplo. As leis não podem ser banalizadas, sob pena de serem desacreditadas pela população e deveriam ser restritas para atos de especial interesse da nação. Nação esta que, conforme Tom Jobim (1927-1994), "não é para principiantes".

Aguardemos, pois, o dia nacional do feijão, da macaxeira, do arroz, do bife com batatas fritas, do frango à passarinho, do ovo...

A propósito: o dia nacional do macarrão é 25 de outubro. Favor não esquecer.

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*Alexandre Knopfholz é advogado do Escritório Professor René Dotti. Mestre em Direito e professor de Processo Penal do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA).

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