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A mulher e o direito de registrar o nascimento do filho

A mulher e o direito de registrar o nascimento do filho

Entrou em vigor a lei 13.112/15 que permite à mulher, em igualdade de condições, proceder ao registro de nascimento de seu filho.

domingo, 5 de abril de 2015

Atualizado em 2 de abril de 2015 16:58

Durante muito tempo imperou a lei, sedimentada pela tradição, que a legitimidade para registrar nascimento de filho era exclusiva do pai, enquanto a mãe se recuperava do parto e se dedicava ao recém-nascido. Fazia até parte das comemorações da chegada do filho a exibição da certidão registral.

No dia 30 de março do corrente ano caiu por terra a exclusividade paterna. Entrou em vigor a lei 13.112 que permite à mulher, em igualdade de condições, proceder ao registro de nascimento de seu filho. Sendo assim, este novo comando legal altera expressamente o artigo 52, da lei 6.015/73 (lei de registros públicos - LRP).

Inicialmente, pode-se afirmar que o legislador pátrio procurou atender a uma determinação basilar de nosso ordenamento: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (art. 5º, inciso I, de nossa CF).

Desta feita, levando-se em conta que referida previsão constitucional precisa ser respeitada em situações cuja isonomia jurídica entre homens e mulheres se faz presente, depara-se com um mandado explícito constitucional para que todas as legislações em vigor se amoldem à Carta Maior, com a eficácia jurídica e social.

Deste modo, considerando que a LRP apenas obrigava o pai a fazer a declaração de nascimento do filho (antiga redação do artigo 52, 1º, LRP), reputa-se flagrante a violação constitucional, tendo em vista a explícita igualdade de condições, cujo tratamento precisa ser igualitário - por força da CF.

Portanto, com a nova lei, acrescenta-se a obrigatoriedade de também a mãe, ainda que isoladamente, fazer a declaração de nascimento de seu filho.

Não se pode perder de vista, no entanto, que essa declaração deve corresponder a um indicativo correto da paternidade e não a uma escolha seletiva levando-se em consideração a conveniência materna. Isto é, não pode a mãe atribuir a paternidade a quem quer seja, sob pena de evidente abuso de direito, apesar do preceito paternitas incerta est, hoje já mitigado em razão das técnicas de reprodução assistida.

Isso porque a paternidade não decorre de ato imaginário e volitivo da mulher. E a esse respeito há a norma expressa do artigo 54, § 2º da LRP que, de certa forma, conflita com a nova mudança legislativa ao afirmar que o "nome do pai constante da Declaração de Nascido Vivo não constitui prova ou presunção da paternidade, somente podendo ser lançado no registro de nascimento quando verificado nos termos da legislação civil vigente" (Incluído pela lei 12.662, de 2012).

Aliás, cabe perfeito encarte neste tema, apontar que a procriação responsável já conta com o respaldo da lei 11.804/08, que regulamentou os alimentos impropriamente chamados de gravídicos, conferindo à mulher gestante não casada e que não viva em união estável, apontar o suposto pai em ação judicial e apresentar indícios de paternidade para configurar a obrigação alimentar.

Há situações em que referida paternidade é presumida, conforme artigo 1597, do CC brasileiro (presunção pater is est quem justae nuptiae demonstrat - é presumida a paternidade do marido quando filho gerado de mulher casada):

Art. 1597: Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Deste modo, verifica-se que pretende a lei conferir à mulher a possibilidade de registrar seu filho quando o pai assim não deseja ou, então, quando não está efetivamente presente (seja por desconhecimento da paternidade, falecimento, etc), sobretudo quando presente a presunção legal.

Por fim, referida novatio legis ainda atinge, em sua plenitude, o salutar comando do artigo 27, do Estatuto da Criança e do Adolescente:

O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.

Logo, se o recém-nascido possui o direito personalíssimo, indisponível e imprescritível de fazer com que seus pais o reconheçam como filho, nada mais eficaz do que permitir que os pais, isoladamente ou em conjunto, quando do registro de nascimento, possam e devam registrá-lo.

Verifica-se, desta forma, que o legislador apenas concretizou a sistematização de nosso ordenamento jurídico, a fim de adequar a legislação que entrou em vigor antes da Carta Magna (mas evidentemente com ela compatível) aos novos comandos jurídicos, que procuram conferir o máximo de dignidade a todos os brasileiros.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde, advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.

 

 



 



*Antonelli Antonio Moreira Secanho é advogado, Bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduado "Lato Sensu" em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/São Paulo.

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