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Os efeitos da cláusula compromissória em acordo de acionistas de companhia fechada

É indispensável a interveniência-anuência da companhia no acordo de acionistas ou, ao menos, prova escrita de sua concordância em se vincular à cláusula compromissória.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Atualizado em 17 de abril de 2015 13:59

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ) rejeitou exceção de arbitragem invocada pelo réu em ação de exclusão de sócio, proposta contra um acionista minoritário por todos os demais acionistas e pela própria companhia, uma sociedade anônima fechada. 1 2

No caso, os autores sustentaram que o demandado estaria irregularmente competindo com a companhia, o que configuraria falta grave, a autorizar sua exclusão. Em sua defesa, o acionista, além de negar tal acusação, apresentou exceção de arbitragem, com o objetivo de submeter o litígio ao juízo arbitral, em virtude da existência de cláusula compromissória no acordo de acionistas. O TJ/RJ rejeitou tal exceção, sob o fundamento de que a convenção de arbitragem sujeitaria ao juízo arbitral apenas disputas (A) entre sócios (e não entre sócios e a companhia) e (B) diretamente relacionadas à "interpretação" do próprio acordo de acionistas.

Em vista desse precedente, o problema da vinculação ou não da sociedade anônima fechada à cláusula compromissória constante de acordo de acionistas merece alguma reflexão3. E o assunto ganha feições diferentes conforme (1) se cuide de ações sociais ou individuais, (2) todos os acionistas ou apenas alguns deles sejam parte do acordo de acionistas e (3) a companhia tenha assinado ou não o acordo como interveniente-anuente.

Antes de mais nada, é oportuno um brevíssimo esclarecimento sobre o que são ações sociais e ações individuais. As ações sociais são aquelas que dizem respeito à estrutura ou funcionamento orgânico da companhia, interessando à coletividade dos acionistas, como a ação de anulação de assembleia. Já nas ações individuais veicula-se uma pretensão pessoal de um sócio ou grupo de sócios contra a companhia (ou o contrário), tal qual a ação de cobrança do reembolso devido pelo exercício de direito de retirada e a ação de execução da obrigação de realizar capital subscrito4.

Em se tratando de ação social, a companhia, ainda que tenha assinado como interveniente-anuente acordo de acionistas com cláusula compromissória, em princípio não fica sujeita à arbitragem (sobretudo se houver acionistas que não são parte do acordo). Isso porque as regras sobre estrutura e funcionamento orgânico da sociedade anônima (e sobre os mecanismos jurídicos para assegurar sua observância) devem estar refletidas no estatuto social ou ser extraídas da Lei (e não de pactos parassociais), vinculando igualmente todos os sócios. O regime jurídico da sociedade anônima não admite que se atribuam a acionistas da mesma classe e espécie direitos (ou obrigações) distintos em relação à estrutura ou ao funcionamento orgânico da companhia.

De fato, seria incompatível com esse regime jurídico que, por exemplo, uma mesma ação de anulação de assembleia, se ajuizada por signatário de acordo de acionistas com convenção de arbitragem, tivesse de ser submetida à arbitragem e, se ajuizada por sócio que não fosse parte em tal instrumento, tivesse de ser apreciada pelo juízo estatal. Aliás, eventual entendimento em contrário daria ensejo ao absurdo de se ter o processamento simultâneo de ações idênticas perante o juízo arbitral e estatal, com o risco de sentenças conflitantes. Portanto, o meio adequado para impor a arbitragem em ações sociais é a cláusula compromissória estatutária, que vincula indistintamente a coletividade de acionistas.

No entanto, se todos os acionistas da companhia forem parte do acordo de acionistas, como geralmente ocorre em joint ventures, a dificuldade do tratamento diferenciado, na prática, não existirá. Nessa hipótese, a depender dos fatos em concreto, seria possível argumentar que a exigência de cláusula compromissória estatutária para se impor à companhia o juízo arbitral também em relação a ações sociais seria um apreço excessivo ao formalismo, incompatível com a efetiva vontade dos acionistas.

Por outro lado, em se tratando de ação individual, a interveniência-anuência da companhia em acordo de acionistas com cláusula compromissória, ausentes circunstâncias de fato específicas a recomendar conclusão contrária, em princípio torna o recurso ao juízo arbitral impositivo (se, naturalmente, a matéria objeto da ação estiver contemplada no acordo de acionistas e coberta pela convenção de arbitragem).

Em qualquer caso, é indispensável a interveniência-anuência da companhia no acordo de acionistas ou, ao menos, prova escrita de sua concordância em se vincular à cláusula compromissória. Ausente esse requisito, não há sujeição ao juízo arbitral.

Para evitar controvérsia e atrasos no desenvolvimento de processos arbitrais ou judiciais, convém que se tenha especial cuidado na redação de convenção de arbitragem em acordos de acionistas, de modo a deixar inequívoca a sua extensão, bem como se recorra à cláusula compromissória estatutária quando haja a intenção de submeter também ações sociais ao juízo arbitral.

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1 Apelação Cível nº 0156576-96.2012.8.19.0001. Rel. Des. Jacqueline Montenegro, 15ª C.C., j. 12.08.2014.

2 O presente artigo não trata da controvérsia quando à possibilidade jurídica de pedido de exclusão de sócio de sociedade anônima, nem enfrenta a discussão sobre quem tem legitimidade para figurar no polo ativo de tal ação.

3 Embora, a rigor, a companhia não assuma obrigações em nome próprio em acordo de acionistas, estando apenas obrigada a observá-lo, se arquivado em sua sede (trata-se de contrato típico, que, por definição legal, regula apenas a compra e venda de ações entre sócios, a preferência para adquiri-las, o direito a voto, ou o poder de controle).

4 Por ser ação não prevista no microssistema do anonimato, mas importada do regime jurídico das sociedades ditas pessoais por construção jurisprudencial (bastante criticada na doutrina), a ação de exclusão de sócio não se enquadra perfeitamente em qualquer de tais categorias. O presente artigo não avançará no exame desse enquadramento.

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*Guilherme Leporace e Paulo Chor são advogados da banca Lobo & Ibeas Advogados.

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