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O impeachment. Viva preocupação

O projeto de poder do PT está a ocupar a preocupação única dos petistas.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Atualizado às 07:20

1. Na hora do almoço da segunda-feira, dia 9 de maio, foi oferecido um aperitivo amargo à Nação brasileira, qual seja o ato do Presidente interino da Câmara dos Deputados, anulando a deliberação do Plenário daquela Casa que, pelo quorum de 367 deputados, autorizou o Senado Federal a processar e julgar o impeachment da Presidente da República por crime de responsabilidade, oficiando-se ao Presidente do Senado para que devolvesse todo o processado, dando oportunidade à Câmara de recomeçar o impeachment da estaca zero. Para esse ato, o Presidente interino da Câmara não consultou nenhum dos membros da Mesa Diretora, muito menos a Assessoria Técnico-Legislativa da Câmara. Editou seu ato, de forma solitária, consultando, ao que parece, diante das notícias dos jornais, o correligionário Governador Flávio Dino e o Advogado Geral da União. Ninguém mais.

O despropósito do ato foi sentido de imediato. Vozes responsáveis se levantaram contra ele. Seu despropósito se evidencia, sem análise da indigência de seu conteúdo, pelo fato de ser editado, depois de findo o processo de impeachment na Câmara dos Deputados, cuja competência se exauriu depois da deliberação do seu Plenário e comunicação, por ofício, de sua autorização ao Presidente do Senado Federal. Logo, sua nulidade estava patente pelo vício de autoridade de quem o praticou. Arvorou-se ainda, em dar ordem ao Senado Federal para que devolvesse todo o processado à Câmara para seu reinício. Tratava-se, assim, de ato absolutamente nulo desde o seu nascedouro. Acredito que o senhor Governador Flávio Dino, ex-Juiz Federal não mancharia sua história como jurista, em aconselhar o Presidente da Câmara dos Deputados a editar tão absurdo ato administrativo, capaz de corar um monge de pedra.

Felizmente e como era de se esperar, o senhor Presidente do Senado Federal nenhuma atenção dedicou ao ofício, preferindo lançá-lo ao esquecimento, como ato inexistente. Já madrugada, no mesmo dia, o Presidente interino da Câmara dos Deputados resolveu revogar o seu estapafúrdio ato. Dos males, o menor.

Não satisfeito com o prosseguimento do processo de impeachment no Senado Federal, o Advogado-Geral da União resolveu impetrar Mandado de Segurança perante o Supremo Tribunal Federal. A decisão do eminente Ministro Teori Zavascki não poderia ser outra ao pontuar: o ato contestado na ação "representa a vontade conjugada de quase 370 parlamentares" e passou pelo crivo de diversas instâncias daquela Casa Legislativa e além do mais:

"Não há base constitucional para qualquer intervenção do Poder Judiciário que, direta ou indiretamente, importe juízo de mérito sobre a ocorrência ou não dos fatos ou sobre a procedência ou não da acusação. O juiz constitucional dessa matéria é o Senado Federal que, previamente autorizado pela Câmara dos Deputados, assume o papel de tribunal de instância definitiva, cuja decisão de mérito é insuscetível de exame mesmo pelo STF. Admitir-se a possibilidade de controle judicial de mérito da deliberação do Legislativo pelo Poder Judiciário significaria transformar em letra morta o Artigo 86 da Constituição Federal, que atribui, não ao Supremo, mas ao Senado Federal, autorizado pela Câmara dos Deputados, a competência para julgar o Presidente da República nos crimes de responsabilidade".

Magistral e perfeita decisão.

2. A conduta do Advogado-Geral da União, durante todo o processar do impeachment, com a devida vênia, no afã de patrocinar o interesse individual e subjetivo da Presidente da República, atropelou regras éticas e jurídicas, especialmente, quando disse e referendou, em diversas oportunidades que o impeachment é "Golpe". Como chamar de "golpe" um procedimento previsto na Constituição Federal e com rito fixado pelo Supremo Tribunal Federal? O absurdo da afirmativa não pode deixar de bater na consciência de um professor da Faculdade Católica de Direito de São Paulo, a não ser que o envolvimento emocional de Sua Excelência, como militante do PT e ardoroso defensor de um projeto de poder urdido no nefasto ideário do Foro de São Paulo sob a batuta de Fidel Castro e Lula, tenha empanado a sua liberdade de pensar e poupá-lo do ridículo de dizer o que disse. Qualquer aluno do segundo ano de uma Faculdade de Direito, mediano estudante do Direito Constitucional e da Ciência Política, sabe discernir o que seja Golpe de Estado e o exercício legítimo de um instituto previsto na Constituição e com todas as Instituições em pleno funcionamento. Golpe de Estado é ruptura completa das instituições, com desrespeito à Constituição, para a derrubada de um governo legitimamente constituído. Coisa perdidamente diferente, de um processo de impeachment previsto na Constituição, com todas as Instituições em pleno funcionamento; aceito pelo Supremo Tribunal Federal ao lhe fixar seu rito legal nas duas Casas do Congresso Nacional e, estritamente seguido, na senhoria do devido processo legal, garantidos o contraditório e a ampla defesa. É elementar, meu caro Advogado, parodiando Sherlock Holmes. A não ser que Vossa Excelência resolva lançar na vala comum do "golpe", como golpistas, onze Ministros do Supremo Tribunal Federal, 347 deputados e, já agora, 55 senadores e a comunidade jurídica responsável, além de rasgar o texto da Constituição e lançar às urtigas os arts. 85 e 86 da Carta Magna.

3. Na quinta-feira, dia 12 de maio, em sessão que varou a madrugada, o Senado Federal, por 55 votos a favor e 22 contra, aprovou o parecer do Relator e senador Antonio Anastasia, pela admissibilidade da denúncia por crime de responsabilidade contra a Presidente da República, instaurando o processo de instrução e julgamento e o consequente afastamento do cargo da Presidente da República.

O mantra do "golpe" foi repetido à exaustão pelos senadores contrários à admissibilidade do parecer do Relator da Comissão Especial do Senado Federal, chegando alguns a falar em "conspiração". E todos, sem exceção, fizeram a ameaça de que iriam se movimentar no Parlamento e nas ruas, sem dar um único momento de paz ao novo governo do Presidente em exercício. O projeto de poder do PT está a ocupar a preocupação única dos petistas. Não importa a Nação, o País. Vale mobilizar pessoas, em dias úteis, para prejudicá-las em suas atividades habituais, em busca do caos urbano, como sempre fizeram. O fim justifica todos os meios, quaisquer que sejam. A pior crise política, econômica, social e institucional vivida pelo Brasil não é culpa do desastroso governo do PT, mas sim dos outros e até mesmo da oposição...

Em seu melancólico discurso de despedida, a Presidente da República reiterou o "golpe", proclamou sua luta pessoal e das ruas para se opor a ele. Mais uma vez, soou altissonante o brado do "golpe". Deixou claro estar disposta a correr os rincões do país em defesa de seu mandato, lançando como argumento o absurdo "golpe", além de viajar para o exterior para que as nações estrangeiras saibam de seu afastamento mediante um processo "ilegítimo e golpista". Esqueceu-se Sua Excelência que o art. 85 da Carta Maior define como "crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal" e, em especial aqueles praticados contra "o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Ministério Público" (inciso II). Portanto, na reiteração de seu mantra de "golpe", a Presidente da República, apesar de afastada de seu cargo, atenta contra a Constituição que prevê o processo de impeachment; se posiciona contra o livre exercício do Poder Legislativo em processá-lo, bem como desrespeita decisão do Supremo Tribunal Federal que fixou o seu rito. Pratica, assim, crimes de responsabilidade continuados. Se porventura vier a propagá-lo no Exterior, reitera a prática de crime de responsabilidade, além de expor, conscientemente, o Estado brasileiro ao desprestígio internacional, com evidente falsidade e má-fé. É da tática do PT seguir a máxima cunhada pelo célebre propagandista do Nazismo - Goebbels - "uma mentira repetida várias vezes torna-se verdade"...

Acresça-se o fato do ex-Presidente Lula haver dito em reunião do Diretório Nacional do PT que "a elite era responsável pela retomada da luta de classes". Trata-se de preocupante ameaça, ainda mais diante do fato de que o PT, pela voz de sua militante de carteirinha professora Marilena Chauí, "odeia a classe média", sob os aplausos e sorriso do chefe Lula.

De outra parte, assistimos pela televisão diversos senadores falarem em "democracia", inclusive pelas vozes daqueles que abraçam o marxismo-leninismo. Dizem, também, que a Presidente Dilma, em sua juventude terrorista, estava a defender a "democracia". Os adeptos do marxismo-leninismo não defendem a Democracia, mas a ditadura do proletariado que, ao empolgar o Poder implanta um governo totalitário, como ocorreu na União Soviética. países satélites e ocorre em Cuba. Pura hipocrisia, para enganar os incautos e os ignorantes.

4. Por fim, desejo alertar os brasileiros para algo preocupante. Se o PT colocar sua tropa nas ruas, acompanhada do "exército do Stedelli" e sob o acirramento da luta de classes; se fizer imperar uma oposição irresponsável ao atual governo; se continuar a pregação do aberrante "golpe"; se orientar seus militantes para a baderna e para o confronto, estará a buscar confusão na atuação das Instituições do Estado Democrático de Direito.

Trata-se de uma preocupante situação que poderá, frente às circunstâncias, nos levar para o sombrio caminho da anomia, que antecede os regimes totalitários. Para DURKEIM, a anomia expressa "a crise, a perda da efetividade, o desmoronamento das normas e dos valores vigentes em uma sociedade", debilitando a sobrevivência da consciência coletiva, como poder regulador necessário de tais normas e valores. RALF DAHRENDORF, emérito professor de Ciências Sociais da Universidade de Constança na Alemanha, ex-parlamentar e Ministro de Estado, anota a sua preocupação com a anomia, "quando um número elevado e crescente de normas é violado e reconhecido, mas não é punido". Enfim, a anomia é "uma condição em que, tanto a eficácia social como a realidade cultural das normas tendem a zero. Tudo passa a ser permitido, já que nada é proibido". Lambarde o disse bem, a anomia "traz distúrbios, dúvidas e incertezas sobre tudo".

Para o ilustre mestre germânico, "todas as palavras cativantes do ideário modernista - democratização, individualização, comunitarismo e assim por diante - passaram a descrever uma atitude que ajuda a enfraquecer e, em última análise a corroer as instituições sociais, elas tendem para a liberdade sem sentido, uma liberdade de escolha, sem escolhas que façam sentido". E acrescenta "os falsos arautos da liberdade estão cheios de boas intenções, mas preparam o caminho que poderá nos levar, se não para o inferno, ao menos para o mais próximo dele na Terra, que é a anomia".

5. O processo de impeachment prossegue no Senado Federal, com a instrução e julgamento final pelo seu Plenário. De ora em diante, a Presidência do Senado passa a ser exercida pelo atual Presidente do Supremo Tribunal Federal Ministro Ricardo Lewandowski. Referida Presidência não pode deixar de trazer preocupação.

Em artigo anterior, ao tratar da judicialização do processo de impeachment descrevi alguns sacrilégios, na lição do saudoso e notável Ministro Paulo Brossard, praticados, especialmente, por dois Ministros da Suprema Corte. Quanto ao atual Presidente, mencionei o fato de que Sua Excelência informou ao país que a Presidente da República poderá recorrer ao Supremo Tribunal Federal, caso queira refutar a decisão do Senado Federal em destituí-la de seu cargo. Com efeito, no final de uma longa sessão do Supremo Tribunal Federal, que perdurou madrugada adentro, o Ministro Ricardo Lewandowski afirmou: "Não fechamos a porta para uma eventual contestação no que diz respeito à tipificação de atos imputados à senhora presidente no momento adequado". Enfim, para Sua Excelência, uma decisão soberana e política do Senado Federal que, eventualmente, venha a destituir a Presidente da República de seu cargo, poderá ser revista pela Suprema Corte em apreciação jurídica.

Os jornais do último dia 10 de maio noticiam que o Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, em encontro com um dos integrantes da Corte Interamericana de Direitos Humanos e de um representante da OEA, reiterou a possibilidade da prática daquele sacrilégio.

Esqueceu-se o Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal de que, conforme magistral decisão do eminente Ministro Teori Zavascki, o "juiz constitucional" do impeachment é o Senado Federal, "cuja decisão de mérito é insuscetível de exame mesmo pelo STF."

Todavia, se o Ministro Ricardo Lewandowski, assim não se posicionar, preferindo judicializar o processo constitucional e político do impeachment no Senado Federal, trará viva preocupação à Nação brasileira e o julgamento da História será implacável.

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*Ovídio Rocha Barros Sandoval, advogado do escritório Saulo Ramos Rocha Barros Sandoval Advogados, magistrado aposentado, autor de obras e artigos jurídicos, atualizador de obras clássicas do Direito brasileiro.

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