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Contra-reforma trabalhista

Impor a estabilidade imediata, como pretende o TRT do ES, é despropositado em situação de crise, quando as empresas são obrigadas a adaptar o número de trabalhadores à realidade do mercado.

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Atualizado em 30 de janeiro de 2017 15:17

A crise que paralisa a economia desempregou 21,2% dos trabalhadores. "A deterioração do mercado de trabalho no Brasil é muito mais profunda do que indicam pesquisas tradicionais", informa o "O Estado" na edição de 23 de janeiro (Caderno B1). A mesma matéria diz: "O Brasil está entre os recordistas globais do chamado desemprego ampliado", índice que abrange quem perdeu o emprego e tenta se reempregar, outros tantos que desistiram fazê-lo, e milhões que vivem de bico.

A decisão do Tribunal Regional do Trabalho do Estado do Espírito Santo, ao determinar que toda dispensa seja justificada pelo empregador, sob pena de ser obrigado a reintegrar o demitido, terá efeitos perversos e contrários aos desejados, pois ao invés de proteger empregos contribuirá para acelerar-lhes a destruição. Trata-se de Súmula editada com fundamento na Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada em junho de 1988, cuja vigência aguarda decisão do STF.

O Brasil pertence ao rol dos países onde o trabalho é vítima da síndrome do excesso de proteção. A velha, complicada e onerosa legislação trabalhista, cujo núcleo é a CLT, transformou-se em fator de desestímulo à contratação de empregados. Sempre que possível o empregador trata de substituí-lo por algum novo modelo de ferramenta automática, cuja expressão máxima é o robô.

A Convenção nº 158 resultou da Recomendação nº 119, de 1963, sobre o controle do Término da Relação de Trabalho. Foi assinada em 2 de junho de 1982, época anterior à globalização e ao advento da engenharia da informatização, quando se acreditava nos efeitos positivos da estabilidade. Não por acaso, o agravamento da crise do desemprego começa a ganhar corpo nesse momento, quando a China desperta após décadas de isolamento, e passa a ampliar espaços no mercado de trabalho mundial.

A melhor fórmula de proteção ao empregado consiste na gradativa redução de encargos e na flexibilização das normas protecionistas. Assim fazem os países industrializados da Europa, e essa é a política tradicional dos Estados Unidos da América. Em 1966, quando foi aprovada a Lei do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, pondo fim à estabilidade decenal e à indenização direta por tempo de serviço, a legislação trabalhista avançou e não retrocedeu como temiam os adversários do FGTS. Infelizmente a lição não foi assimilada. A Constituição de 1988 enrijeceu as relações individuais de trabalho, e acelerou o desemprego provocado pela globalização e pela automação. Tornamo-nos exportadores de trabalho para a China, Índia, Bangladesh, Colômbia, Paraguai.

A legislação trabalhista dispõe de numeroso elenco de medidas destinadas à proteção contra a dispensa, como o aviso prévio de no mínimo 30 e no máximo 90 dias, a pesada indenização calculada sobre o valor atualizado do Fundo de Garantia, a obrigatoriedade da assistência e a homologação do recibo de quitação no caso do empregado somar mais de um ano de serviço, o seguro-desemprego. Impor a estabilidade imediata, como pretende o Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo, mediante jurisprudência de duvidosa validade, é despropositado em situação de crise, quando as empresas são obrigadas a adaptar o número de trabalhadores à realidade do mercado.

As reações ao desemprego, responsável por mais de 300 milhões de vítimas no planeta, podem ser inteligentes ou não. O Brasil fez a segunda opção. Reage de forma néscia e obtusa, apertando o cerco ao empregador como se pretendesse matá-lo por asfixia. Os resultados estão à vista. Já não se encontra quem tenha disposição para investir e contratar empregados. A preferência recai sobre máquinas e robôs. Afinal, não cobram por horas extras, não fazem greves, trabalham dia e noite e não reclamam na Justiça do Trabalho. Ao cessarem as encomendas, basta apagar a luz e desligar.

O Judiciário Trabalhista algum dia preocupou-se em saber quanto custa gerar um único emprego, e o preço de mantê-lo, sobretudo em panorama de crise, quando as perspectivas de retomada do crescimento são remotas?

Apenas 34 dos 185 países filiados à OIT ratificaram a Convenção nº 158. Alguns irrelevantes como Papua-Nova Guiné, Santa Lúcia, Zambia, Lesoto, Etiópia, Macedônia, Camarões. Outros já se arrependeram, pois de nada adiantou fazê-lo como revelam os altos índices de desemprego registrados na Espanha e França.

Fosse possível instituir o regime do pleno emprego mediante lei ou jurisprudência, como imaginam alguns iluminados, todos já o teriam feito. Trata-se de problema complexo, para o qual a fértil imaginação de adeptos da utopia consegue apontar solução simples e rápida, mas errada.

Acelerada politização do Judiciário Trabalhista, manifestada em decisões como a do Tribunal do Regional do Trabalho do Espírito Santo que acabo de examinar, porão a perder os esforços do governo do presidente Michel Temer no sentido da retomada do crescimento, mediante investimentos geradores de empregos.

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*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do TST.

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