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A pornografia infantil e os grupos de WhatsApp, Eudes Quintino e Antonelli Secanho

A pornografia infantil e os grupos de WhatsApp

O avanço da sociedade implica, necessariamente, em uma transformação do ser humano, que se vê obrigado a enfrentar as novas formas de tecnologia (...) com uma agilidade ímpar, fazer propagar.

domingo, 9 de julho de 2017

Atualizado em 7 de julho de 2017 13:24

O avanço da sociedade implica, necessariamente, em uma transformação do ser humano, que se vê obrigado a enfrentar as novas formas de tecnologia, cada vez mais direcionadas à rápida comunicação interpessoal e à efetiva transmissão de notícias, fotografias, vídeos, ou quaisquer outros registros que se pretenda, com uma agilidade ímpar, fazer propagar.

Todavia, caberia ao indivíduo se valer de um filtro, com base em valores éticos, pessoais, familiares, para selecionar os dados que, de fato, merecem o compartilhamento e, por conseguinte, sua imersão no seio de outra família, de colegas do trabalho e assim sucessivamente.

Não obstante, como é notório, costumeiramente invoca-se a força coercitiva do Direito para regular estas questões, sobretudo quando direitos fundamentais começam a ser violados com espantosa rotina. Então, é a hora do Direito invocar seu valioso ramo, tido, como destaca o mestre Nelson Hungria, como um verdadeiro soldado de reserva: O Direito Penal.

E, nesse sentido, no ano de 2008, foi publicada a lei 11.892, que trouxe importantes mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tipificando e introduzindo em nosso ordenamento a conduta expressa no conceito popular de "crime de pedofilia na internet".

Sendo assim, é imperioso destacar que esta lei modificou os artigos 240 e 241 do ECA, bem como acrescentou os artigos 241-A a 241-E, artigos estes que tratam, especificamente, do compartilhamento ao armazenamento de vídeos, fotografias ou quaisquer outros registros que contenham cenas de sexo explícito, ou cenas pornográficas, envolvendo criança ou adolescente.

Ademais, o artigo 241-E esclarece o que: "Para efeito dos crimes previstos nesta lei, a expressão 'cena de sexo explícito ou pornográfica' compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais".

Nesse passo, recomenda-se a leitura dos artigos supra mencionados, já que a mera transcrição deles foge ao propósito do presente estudo, qual seja: o alerta de que se você receber um vídeo com conteúdo pornográfico, envolvendo criança e/ou adolescente, e repassá-lo, ou mesmo armazená-lo, incidirá, conforme o caso concreto, nas "novas" condutas tipificadas no ECA.

Não é demais ressaltar que estes tipos penais caracterizam-se como novatio legis incriminadora, sendo aplicáveis apenas aos crimes perpetrados após sua vigência (não retroagem, jamais) e, em regra, são instantâneos (consumam-se com a prática da conduta descrita no tipo penal), salvo a conduta de transmitir, que, por sua vez, se revela como evidente crime permanente, cuja consumação se prolonga enquanto durar a transmissão.

Destaca-se, também, que o parágrafo primeiro do artigo 241-A do ECA traz uma importante inovação: a responsabilização da pessoa natural que armazena fotos, vídeos, ou quaisquer outros registros, em sites na internet, bem como da pessoa natural responsável pelo site que as armazena. E, nestas duas hipóteses, o crime é de perigo, ou seja, basta o armazenamento e a disponibilização, não sendo necessário o efetivo acesso, por quem quer que seja.

Já o artigo 241-B trata, efetivamente, do armazenamento de fotos, vídeos e de outros registros, nos computadores, celulares, tablets, ou "por qualquer outro meio". E o legislador, aqui, trouxe duas situações curiosas:

a) Uma especial causa de diminuição de pena, de 1/3 a 2/3, se de pequena quantidade são os vídeos armazenados;

b) Causa excludente de tipicidade, caso o armazenamento se dê para o fim, único, de comunicação às autoridades competentes.

Outra atitude salutar de nosso legislador foi a de prever uma conduta criminosa para quem criar, por meio de montagens fotográficas, cenas de sexo envolvendo crianças e adolescentes, situação esta que não tinha previsão legal e que, a partir de 2008, vem tipificada no artigo 241-C.

Como se vê, procurou o legislador cercar, de todas as maneiras, o pedófilo que armazena, compartilha e procura pelo material ignóbil, tendo em vista a grande dificuldade de enfrentamento da questão, pois a vastidão e as características do mundo virtual revelam-se verdadeiras barreiras para, com base apenas no ordenamento anterior, buscar uma responsabilização penal.

É claro que o presente estudo não buscou esgotar os comentários que se pode fazer sobre o tema, mas apenas pinçar, ao debate, situações mais corriqueiras e que, certamente, fazem com que o intérprete se depare no cotidiano forense.

Mas, de qualquer modo, indaga-se: é possível reconhecer-se o erro de tipo? Ou seja, pode o agente alegar que acreditava tratar-se o adolescente, em verdade, de pessoa maior de dezoito anos?

A resposta parece ser positiva, mas é claro que depende da análise criteriosa do caso concreto. Todavia, diante das características físicas da vítima, pode-se imaginar que ela não demonstre possuir menos de dezoito anos, como é comum se verificar em nossa sociedade, o que poderia, no caso concreto, afastar a tipicidade da conduta do agente.

Portanto, em apertada síntese, o legislador traz uma clara mensagem: caso alguém receba um vídeo, uma fotografia ou similar, contendo cenas pornográficas e atos sexuais envolvendo crianças e/ou adolescentes, por meio da internet e, especialmente, pelo WhatsApp, não os armazene e muito menos os compartilhe, a não ser para informar às autoridades competentes sobre a existência do crime.

Caso contrário, a imputação como pedófilo é certa, e o indivíduo, muitas vezes sem se dar conta do alcance da prática do ilícito penal, estará contribuindo para o agravamento desta situação abjeta, que tanto nos assola nos dias atuais.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.







*Antonelli Antonio Moreira Secanho
é assistente jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduação "lato sensu" em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP.



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