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Publicação de intimações de processos eletrônicos: um direito do advogado e do cidadão

O CNJ, ao determinar expressamente que os Tribunais publiquem as intimações de processos eletrônicos no Diário, apenas regulamentou a legislação, adaptando-a à realidade e ao princípio da publicidade, positivado no inciso LX, do art. 5º da CF.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Atualizado às 14:16

1. A previsão legal de intimação apenas no meio eletrônico: nítida violação ao princípio da publicidade

A lei prevê, como regra, que a comunicação de atos processuais em processos virtuais (como a plataforma PJe, por exemplo) deve ser feita de forma eletrônica. A lei 11.419/06, que trata da informatização do processo judicial, determina expressamente, em seu artigo 5º, que a publicação em Diário é dispensável, in litteris:

Art. 5º As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico.

No mesmo sentido, o art. 270 do CPC/15, ao dispor sobre as intimações, prevê que "As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei".

Dessa forma, é indiscutível que a aplicação literal dos enunciados legais, de forma dissociada da realidade fática e sem qualquer base principiológica ou constitucional, leva à conclusão de que os Tribunais estão desobrigados a publicar qualquer ato processual, de processos eletrônicos, no Diário da Justiça.

No entanto, é nítida a violação ao inciso LX, do art. 5º da CF, segundo o qual "A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem".

A práxis do cotidiano da advocacia demonstra, cada vez mais, que a ausência de publicação em Diário, além de ferir o princípio da publicidade processual, acaba gerando uma série de prejuízos a advogados e constituintes.

Basta imaginar a situação do terceiro interessado, cujo advogado não está cadastrado em determinado processo eletrônico, que deixa de tomar conhecimento da existência de uma lide (e, consequentemente, de todos os atos praticados e decisões proferidas).

À título de exemplo, podemos citar a situação de um credor hipotecário que ignora a existência de uma Ação de Desapropriação do imóvel que havia sido oferecido em garantia pelo devedor. Nesse caso, se não houver publicação no Diário, o credor jamais terá a oportunidade de habilitar seu crédito no processo, de maneira que o seu prejuízo seria evidente.

Os escritórios de advocacia também ficam prejudicados pela ausência de publicação, tendo em vista que, dependendo do número de advogados da banca, pode tornar-se muito trabalhoso, ou até inviável, o cadastro de todos os advogados em cada processo acompanhado pelo escritório.

Dessa forma, verifica-se que a norma legal que dispensa a publicação de intimações no DJe é inviável do ponto de vista prático, por nítida violação ao princípio da publicidade e por causar um enorme prejuízo a advogados e cidadãos em geral.

2. A visão dos tribunais e do Conselho Nacional de Justiça

Para viabilizar a implantação do processo eletrônico no Brasil, diante do problema causado pelo famigerado art. 5º da lei 11.419/06, o CNJ criou uma norma administrativa que obriga os Tribunais a publicarem os atos processuais no DJe.

Trata-se do art. 14 da Resolução 234/16 do Conselho Nacional de Justiça (que institui o Diário de Justiça Eletrônico Nacional-DJEN), segundo o qual: "Até que seja implantado o DJEN, as intimações dos atos processuais serão realizadas via Diário de Justiça Eletrônico (DJe) do próprio Órgão". Combinada com o art. 6º, II, da mesma Resolução, a Resolução deixa claro que a regra se aplica, também, para processos eletrônicos, vejamos: "Art. 6º Serão objeto de publicação no DJEN: (...) II - as intimações destinadas aos advogados nos sistemas de processo judicial eletrônico, cuja ciência não exija vista ou intimação pessoal".

Diante da determinação do CNJ, diversos Tribunais criaram Atos Normativos determinando a publicação do inteiro teor dos atos processuais nos seus Diários, como o TJMA, TJBA, TJMT, etc.

Em sentido oposto, lamentavelmente, ainda existem Tribunais que insistem em descumprir o normativo do CNJ.

A Justiça do Trabalho também enfrentou o mesmo dilema. No entanto, a questão parece ter sido pacificada na seara trabalhista com a entrada em vigor da nova redação da Resolução 94/12 do CSJT, com as alterações introduzidas pela Resolução 128/13. Nesse ponto, vale destacar dois emblemáticos julgados de TRT's:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO. INTIMAÇÃO DA PARTE VIA SISTEMA, DEPOIS DA VIGÊNCIA DA NOVA REDAÇÃO DA RESOLUÇÃO CSJT-94/12. INVALIDADE. Reputa-se inválida a intimação da parte, via sistema, em 28.1.14, depois da vigência da nova redação da Resolução 94/12, com as alterações introduzidas pela Resolução 128/13, republicada em 4.10.13, porquanto era indispensável a publicação no DEJT. Agravo provido, afastando-se a intempestividade do recurso ordinário. (TRT-6. Processo: AIRO - 0010281-98.2013.5.06.0282, Redator: Gisane Barbosa de Araujo, Data de julgamento: 24/7/14, Quarta Turma, Data da assinatura: 24/7/14)

"A partir do momento que a Resolução Administrativa 1.589, de 4.2.13, do C. TST, instituiu o Diário Oficial Eletrônico e o seu artigo 18 determinou que as intimações no processo eletrônico deverão ser realizadas em meio eletrônico "sem prejuízo da publicação no Diário de Justiça Eletrônico", não vejo como prevalecer o entendimento do MM. Juízo de Origem, segundo o qual essa publicação seria facultativa. O princípio da segurança jurídica não permite o procedimento discricionário dos Juízes: uns publicando as intimações no DJE, outros não. Até porque, como é sabido, a forma de contagem de prazo é diferente nas hipóteses. Sem publicação no Diário o prazo "dispara" depois de certo tempo, mesmo sem consulta da parte; havendo publicação, o prazo se inicia a partir dela. In casu, as partes NÃO TIVERAM CIÊNCIA INEQUÍVOCA de que não existiria intimação via DJE, de forma que foi bastante razoável o entendimento da recorrente de que esta seria feita" (TRT da 2ª Região, 5ª Turma, Rel. Des. José Ruffolo, Processo 1000727-03.2014.5.02.0605, Decisão: 9/6/15).

Dessa forma, verifica-se que a publicação de atos processuais de processos eletrônico em Diário da Justiça é bem mais que uma simples faculdade, tendo em vista que o CNJ, ao regulamentar a legislação, adaptando-a à realidade e à Constituição Federal, transformou tal medida numa obrigação para os Tribunais.

3. Do início da contagem do prazo processual em caso de dupla intimação

Por outro lado, a dupla intimação de atos processuais (por meio eletrônico e através de publicação em Diário) quase sempre ocorre em dias distintos, de maneira que poderia surgir alguma dúvida com relação ao início da contagem do prazo processual.

No entanto, a Terceira Turma do STJ, em julgado proferido no dia 16/3/17, enfrentou a questão e solucionou o que aparentava ser um problema, vejamos:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CPC/15. INTIMAÇÃO ELETRÔNICA PRECEDIDA DE INTIMAÇÃO NO DJE. CONTAGEM DE PRAZO. PREVALÊNCIA DA INTIMAÇÃO ELETRÔNICA. EXEGESE DO ART. 5º DA LEI 11.419/06. TEMPESTIVIDADE DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

1. Controvérsia acerca da contagem de prazo recursal na hipótese de duplicidade de intimações, um via DJe e outra por meio de portal eletrônico.

2. "As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico " (art. 5º, 'caput', lei 11.419/06, sem grifos no original).

3. Prevalência da intimação eletrônica sobre a intimação via DJe, na hipótese de duplicidade de intimações. Entendimento em sintonia com o CPC/15.

4. Contagem do prazo recursal a partir da data em que se considera realizada a intimação eletrônica.

5. Tempestividade do recurso, na espécie.

6. AGRAVO INTERNO PROVIDO. (STJ. AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 903.091 - RJ (2016/0098167-9). Terceira Turma. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Julgado: 16/3/17)

Na jurisprudência supracitada, a Terceira Turma demonstra que chegou à conclusão mais acertada.

Ora, embora exista uma evidente inconstitucionalidade no trecho do caput do art. 5º da lei 11.419/06 que dispensa a publicação da intimação, não se pode deixar de reconhecer que a regra legal passou a ser a intimação por meio eletrônico. A publicação do ato processual deverá ocorrer em obediência ao disposto no ao inciso LX, do art. 5º da CF, mas terá caráter apenas informativo.

Assim, nos posicionamos no mesmo sentido do julgado do STJ, segundo o qual a fixação do termo inicial do prazo processual deve se basear na intimação eletrônica e não na publicação em Diário.

4. Conclusão

Por fim, conclui-se que o CNJ, ao determinar expressamente que os Tribunais publiquem as intimações de processos eletrônicos no Diário, apenas regulamentou a legislação, adaptando-a à realidade e ao princípio da publicidade, positivado no inciso LX, do art. 5º da CF.

Com relação à contagem de prazos processuais, a melhor solução é, de fato, aquela apontada pela Terceira Turma do STJ, segundo a qual a intimação eletrônica prevalece sobre a publicação no DJe, de maneira que esta, deverá ter apenas caráter informativo (em atenção ao princípio da publicidade).

A publicação de atos processuais, mais que uma obrigação constitucional, é uma questão de bom senso, e de respeito aos advogados e seus constituintes.

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*Alexandre Pacheco Lopes Filho é procurador Estatal, especialista em Controles na Administração Pública e advogado em Teresina-PI.

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