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As novas relações de trabalho: parcerias em atividades de beleza e estética (lei 13.352/16)

A intenção legislativa foi de conferir benefícios mútuos, de forma proporcional ao custo-benefício.

quinta-feira, 15 de março de 2018

Atualizado às 07:15

A lei federal 13.352/16, que vem sendo chamada de "Lei do Salão-Parceiro", dispõe sobre a possibilidade dos chamados "salões de beleza" estabelecerem relação civil de parceria com os profissionais do ramo da beleza e da estética, definidos na lei 12.592/12 como: cabeleireiros, barbeiros, esteticistas, manicures, pedicures, depiladores e maquiadores.

A intenção legislativa foi de conferir benefícios mútuos, de forma proporcional ao custo-benefício, o que fica demonstrado, por exemplo, quando uma parte entra com as instalações e materiais utilizados no local, paga as contas de aluguel do imóvel, água, luz, telefone, mobiliário, cartão de crédito, etc., e os profissionais entram com o serviço e instrumentos de trabalho, auferindo percentuais compatíveis com as responsabilidades que assumem.

A nova lei afasta-se do modelo de vínculo empregatício disciplinada pela denominada "Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)", e fez parte de uma espécie de minirreforma trabalhista, que juntamente com a lei 13.429/17, cujo objeto trata-se da possibilidade de terceirização das atividades-fim das empresas, culminou com a edição da lei 13.467/17 (conhecida como "Reforma Trabalhista"), responsável por alterações profundas nas relações de emprego disciplinadas pela CLT.

Tal arcabouço jurídico restou erguido em um período que o governo vem intensificando, progressivamente, a flexibilização das normas que regem as relações de trabalho, com o intuito de promover crescimento econômico diante da adequação da legislação a práticas mais modernas de prestação de serviços, influenciadas pela globalização e pelo uso de novas tecnologias, dentre outros fatores, em que as relações laborais se tornaram mais compartilhadas e dinâmicas.

Há décadas o modelo de atividade prevista no contrato de parceria, onde o proprietário coloca à disposição de cabeleireiros, massagistas, depiladoras e manicures, além do espaço físico, sua carteira de clientes e instalações, já vinha sendo amplamente utilizado entre salões e profissionais autônomos da atividade de beleza e estética em todo o país.

No caso do Distrito Federal, anteriormente à vigência da lei do salão-parceiro (e após dissídio coletivo ajuizado na Justiça Trabalhista), Convenções Coletivas de Trabalho, foram estabelecidas pelos sindicatos patronais e laborais, fazendo constar tal modalidade de contratação.

A jurisprudência dos tribunais trabalhistas do país inteiro, inclusive do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, que abrange a região do Distrito Federal, é bastante firme nesse sentido, conforme julgado abaixo:

"EMENTA. VÍNCULO DE EMPREGO. MANICURE. CARACTERIZAÇÃO. Consoante a maciça jurisprudência desta Corte, as relações de trabalho envolvendo as empresas prestadoras dos chamados "serviços de beleza" assemelham-se, em regra, à figura da parceria, em que um dos agentes se responsabiliza pelo local da prestação dos serviços e suas necessidades básicas (luz, água, móveis, etc.) e o outro pela prestação dos serviços propriamente dita. Não é comum se encontrar nestas relações as figuras da subordinação e dependência necessárias a configurar o vínculo de emprego, conforme os requisitos inscritos nos arts. 2º e 3º da CLT. Nesta modalidade de relação trabalhista, a "sociedade" é no interesse de ambos, cada qual auferindo seus ganhos, em geral, repartidos em percentuais compatíveis com a relação custo/benefício." (1ª Turma. Processo 00183- 2011-006-10-00-8 RO. Relator Juiz Convocado JOÃO LUIS ROCHA SAMPAIO. Publicado no DEJT de 15/07/2011)

Entretanto, ainda que os sindicatos e os tribunais trabalhistas tenham se mostrado favoráveis a essa relação de trabalho, não foram raros os casos em que houve questionamentos judiciais acerca de possível afastamento da condição de autônomo, visando-se configurar vínculo empregatício e consequente aplicação das regras previstas na CLT.

Diante disso, a possibilidade de formalização dessa nova forma de trabalho, certamente trouxe acréscimo na segurança jurídica para ambas as partes, tornando-se verdadeiro incentivo ao crescimento dessa importante atividade econômica.

A grande vantagem ao salão-parceiro é a desburocratização e a redução da elevada carga tributária incidente sobre as pessoas jurídicas brasileiras.

Já o profissional-parceiro, além de dispor de maior autonomia, diante dessa desoneração de custos, pode também usufruir de percentuais mais elevados em cima de sua própria produção.

As pessoas envolvidas no trabalho se fossem empregadas com Carteiras de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinadas, certamente não receberiam 40%, 45%, 50%, percentagens líquidas de sua própria produção.

Mesmo o percentual de 30% livres de despesas não é encontrado em uma relação de emprego, portanto, evidencia a parceria em todos os seus termos.

Deve ser considerado, ainda, que o salão-parceiro coloca à disposição do profissional um ponto estabelecido, com freguesia garantida, bem como o seu próprio nome e sua imagem comercial, o que também não deve ser esquecido no momento de valorar a situação.

E não se pode dizer que inexistem garantias previdenciárias ou contra afastamentos por motivo de doenças ou invalidez, vez que a nova lei não eliminou a exigência do recolhimento das contribuições sociais devidas. Ao contrário, além de prever o acompanhamento dos sindicatos (inclusão do art. 1º-A, §8º, inciso II, na lei 12.592/12), reforçou ao instituir a obrigação de retenção e recolhimento por parte do salão-parceiro (inclusão do art. 1º-A, §10, inciso II, na lei 12.592/12).

O Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região já decidiu que o estabelecimento de percentuais elevados, por si só, é capaz de inviabilizar o vínculo de emprego. Veja-se:

VÍNCULO EMPREGATÍCIO. INEXISTÊNCIA. MANICURE. COMISSÕES DE 50% SOBRE O VALOR DOS SERVIÇOS PRESTADOS. 1. Incontroverso o recebimento, a título de comissão, de 50% do valor dos serviços prestados por manicure, impossível o reconhecimento do vínculo empregatício. 2. Entendimento contrário inviabilizaria a atividade comercial de quem assume os riscos do negócio, revelando, por outro lado, um claro acordo tácito de sociedade mercantil no qual a empresa fornece o local, aparelhos, produtos e auxiliares utilizados no serviço, e o trabalhador, por seu turno, participa com sua força de trabalho. 3. Por outro lado, a fixação de horário para a prestação dos serviços, integrando a sistemática organizacional do salão, por si só, não tem o condão de evidenciar subordinação jurídica, uma vez que em todo contrato, inclusive o de parceria, as partes também vinculam-se por obrigações recíprocas. (TRT-10 - RO: 1750201200710000 DF 01750- 2012-007-10-00-0 RO, Relator: Desembargador Ricardo Alencar Machado, Data de Julgamento: 06/03/2013, 1ª Turma, Data de Publicação: 15/03/2013 no DEJT).

Nesse mesmo sentido de incompatibilidade entre o vínculo de emprego e o recebimento de altas percentagens de valores variáveis, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região já proveu recursos da seguinte forma:

"VÍNCULO DE EMPREGO - MANICURE - ARRENDAMENTO DE CADEIRA EM SALÃO DE BELEZA- INEXISTÊNCIA. Demonstrado que as partes firmaram contrato escrito de arrendamento de uma cadeira em salão de beleza, cujos resultados da exploração eram partilhados na proporção de 50% para cada, não se revelam presentes os requisitos inscritos nos arts. 2.º e 3.º da CLT, o que obsta o reconhecimento do almejado liame empregatício. Relações dessa natureza se apresentam marcadas pela autonomia do prestador de serviços, de modo que os direitos e obrigações delas decorrentes se situam na órbita civil. Recurso provido. (TRT-10.ª Região. Ac. 1.ª Turma. RO 01342-2007-101-10-00-1, Relator Juiz João Luís Rocha Sampaio, publicado em 17/10/2008) (grifou-se)."

A nova lei do salão-parceiro veio para sedimentar as jurisprudências colacionadas acima, estabelecendo maior tranquilidade para que o trabalho possa ser desenvolvido e nenhuma das partes seja surpreendida.

Nesse sentido, conforme previsto diante da inclusão do art. 1º-C à lei 12.592/12, somente restará configurado vínculo empregatício quando não existir contrato de parceria formalizado ou se o mesmo não estiver sendo cumprido.

Ocorrendo qualquer dessas duas hipóteses, o reconhecimento do vínculo de emprego (e consequente aplicação da CLT ao contrato de trabalho) estaria plenamente justificado, vez que a garantia de aplicação de regime diferenciado somente foi autorizada para casos em que há comprovada união de interesses, revelando nítida parceria.

Por essa razão não estará resguardada pelo manto da parceria os casos em que o profissional exerça funções diferentes das descritas no contrato de parceria, restrito às atividades que especifica, com infringência da vedação de realização de atividades relativas à gestão, administração e funcionamento da empresa contratante (art. 1º-A, §6º, incluído na lei 12.592/12).

Mas não se queira dizer que as relações contratuais não possam estar compostas por obrigações recíprocas e que elas também não possam estar previstas no contrato de parceria. É consabido que a relação contratual é bilateral e comutativa.

Mesmo que o profissional participe de reuniões na empresa, preste contas ou seja alertados acerca de procedimentos administrativos pactuados, ou inerentes à atividade do salão-parceiro, tais circunstâncias não configuram, por si só, relação jurídica de natureza empregatícia, ou seja, não são capazes de desnaturar a relação contratual de parceria que estiver em curso.

O motivo é que as obrigações estabelecidas em contrato de parceria, motivadas por interesses comuns quanto ao sucesso da atividade, sobretudo, visam acréscimo de valor aos serviços que passam a ser oferecidos, resultando em nítido benefício econômico que fica devidamente repartido entre os envolvidos.

Dessa forma, evidente que o rateio do retorno financeiro, em partes não excessivamente desproporcionais, desponta como indicativo de parceria implementada, não havendo motivos para se afastar a aplicação da nova lei, interferindo na vontade do legislador que veio abençoar antiga relação bilateral de cooperação e repartição de ganhos.

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*Thiago Boaventura é advogado, empreendedor, e presta consultoria para o Sindicato dos Salões, Institutos e Centros de Beleza, Estética e Profissionais Autônomos do Distrito Federal (SINCAAB-DF).


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