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O início, o tributo e o fim.

Nas situações em que há concessão de descontos em operações rotineiras, ou em renegociações com instituições financeiras ou fornecedores, por exemplo, a Receita Federal do Brasil já se manifestou no sentido de que as respectivas receitas, lançadas em contrapartida às reduções de dívida, são integralmente tributadas, ou seja, todo o valor concedido a título de desconto ao devedor fica sujeito à tributação do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Atualizado em 27 de setembro de 2019 17:39

Os princípios no universo jurídico são, efetivamente, alicerces que direcionam e sustentam toda uma construção de regras e normas que, apesar de não estarem expressos muitas vezes, são perceptíveis de acordo com os reais objetivos da norma. Nas relações humanas e sociais, os princípios levam a padrões de comportamento e criação de valores. No Brasil, a exemplo, nossa bandeira nacional adotou o lema "Ordem e Progresso", inspirado na frase de Auguste Comte, filósofo positivista francês, que tinha como norte do seu movimento a frase "O amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim". O "Amor" não veio explícito na bandeira nacional por ser princípio e, assim o sendo, já deve guiar as relações individuais e coletivas entre os cidadãos, para que se chegue à ordem e ao progresso.

Assim, quando adveio a nova Lei de Recuperação Judicial no ano de 2005, observou-se a preocupação do legislador em trazer, de forma expressa, uma série de princípios, para possibilitar o objetivo maior de viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, sustentado na sua função social, proteção de empregos e renda, preservação da empresa como fonte produtora de bens e serviços, e na satisfação dos interesses dos credores. Sob o aspecto tributário, da mesma forma, é de relevante interesse a observância desses objetivos e princípios, até porque, com a manutenção da fonte produtora e dos empregos, a arrecadação também se mantém.

É sabido que os tributos não se sujeitam ao processo de recuperação judicial, porém, de fato, não se deve avaliar somente o passivo tributário criado durante a crise da empresa, mas, de grande importância, a correta percepção da carga tributária a partir da aprovação do plano de recuperação judicial.

Como principais medidas adotadas para superação da crise econômico-financeira, estão a concessão de prazos de carência para início dos pagamentos e a aplicação de deságio sobre o montante devido. Aprovadas tais medidas pelos credores, ocorre a novação de todo o passivo habilitado, que passa a sujeitar-se às regras do plano de recuperação judicial. Essa novação de todo o passivo habilitado no processo de recuperação judicial é bastante peculiar, já que fica condicionada ao cumprimento do plano proposto, sob pena de convolação da recuperação judicial em falência. E, então, surge a dúvida: como trazer essa nova realidade do passivo com deságio e dos débitos novados para os cenários contábil e tributário da empresa recuperada?

Nas situações em que há concessão de descontos em operações rotineiras, ou em renegociações com instituições financeiras ou fornecedores, por exemplo, a Receita Federal do Brasil já se manifestou no sentido de que as respectivas receitas, lançadas em contrapartida às reduções de dívida, são integralmente tributadas, ou seja, todo o valor concedido a título de desconto ao devedor fica sujeito à tributação do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. Esse tratamento não parece ser o mais adequado às empresas em processo de recuperação judicial que, com esforço conjunto entre empresa e credores, são "agraciadas" com descontos, minorando seu passivo, para viabilizar a sua superação de crise econômico-financeira, sendo plenamente desajustado que as receitas decorrentes da redução do passivo sejam expostas à tributação nesses casos.

É nesse ponto, justamente, que se deve aplicar, além dos princípios previstos na Lei de Recuperação Judicial, o princípio da isonomia, tratando-se os desiguais de forma desigual, vez que os descontos concedidos pelos credores às empresas em crise, quando aprovam um plano econômico para efetiva recuperação da empresa, não guardam semelhança com os descontos comuns concedidos corriqueiramente e, com isso, não devem sujeitar-se aos mencionados tributos.

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*Edison Carlos Fernandes é sócio diretor do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.

 

*Richard Abecassis é advogado do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.

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