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A prova dos lucros cessantes nos processos empresariais

Se por um lado não existe um método universal para a comprovação dos lucros cessantes, por outro há premissas que costumam trazer bons resultados em qualquer demanda e que não devem falhar com os lucros cessantes, quais sejam, a racionalidade, a razoabilidade, a prudência e a boa técnica.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Atualizado às 11:58

A necessidade de tomar decisões no presente com base na expectativa do que acontecerá no futuro é inerente à vida humana e ao âmbito empresarial. No âmbito jurídico, o assunto que mais dialoga com essa problemática talvez sejam os lucros cessantes.

Essa modalidade de indenização material é prevista em nossa legislação pelo artigo 402 do CC, que assegura ao lesado, além da reparação daquilo que efetivamente perdeu, o ressarcimento do que deixou de lucrar.

Na prática forense, o desafio que se coloca para aquele que busca o ressarcimento pelos lucros que deixou de auferir - especialmente nos processos empresariais em que não se permite a presunção do prejuízo - é comprovar o contrafactual, ou seja, um fato que não aconteceu, mas que aconteceria. Em outras palavras, deve-se provar o quanto a empresa teria auferido se determinada conduta de um terceiro não houvesse ocorrido.

Aqui os homens se separam dos meninos.t

A experiência demonstra que o iter reconstrutivo para a apuração do lucro cessante esbarra, principalmente, no necessário racionalismo que deve ponderar os critérios de repartição do ônus da prova, especialmente quando o histórico da vítima não demonstra a existência anterior de lucros semelhantes aos que alega ter deixado de auferir.

Em outras palavras, o lucro que se alega ter deixado de auferir deve ser compatível com os lucros anteriores ao evento danoso. Não há espaço para fantasias.

Nesse campo espinhoso que a prova de lucros cessantes representa, o advogado busca se calçar de modelos econométricos e ou análise quantitativas para demonstrar o direito de seu cliente, mas isso não resolve completamente o problema.

Sabe-se que tais análises e modelos possuem diferentes correntes, cada uma baseada em premissas diferentes, que podem levar a distintas conclusões sobre os mesmos dados. Desse modo, permanece a incerteza e, mesmo obtendo decisões favoráveis em fase de conhecimento, o titular do direito costuma enfrentar penosa fase pericial em liquidação de sentença até se chegar, quem sabe, à homologação de um valor que possa ser atribuído ao seu dano.

É certo, portanto, que não existe um método universal aplicável a todos os casos para comprovar a ocorrência dos lucros cessantes. Especialmente hoje, com milhares de modalidades de negócios, o advogado deve conhecer profundamente o campo de atuação de seu cliente para definir qual é o método mais apropriado para quantificar o dano alegado e atingir o grau de confiabilidade necessário

É relevante o número de decisões judiciais que negam a reparação dos lucros cessantes mesmo quando esta faceta do dano patrimonial é claramente devida, simplesmente porque o julgador não é apresentado a um parâmetro seguro que possa servir de base para quantificar o prejuízo no caso concreto.

Recentemente, o Tribunal do Mato Grosso, ao decidir o recurso de apelação 0018273-58.2011.811.002, negou os lucros cessantes pretendidos pela apelante, rejeitando o método empregado para a comprovação, no caso, o método comparativo baseado no valor médio do faturamento.

Entre outros fundamentos, a 1ª Câmara de Direito Privado daquela corte dispôs que não poderia concluir genericamente e com certeza que o valor médio do faturamento e dos lucros continuaria na mesma proporção, o que inviabilizou a fixação dos lucros cessantes com fundamento em mera declaração.

A turma Julgadora prosseguiu argumentando que o lucro cessante não é presumido nem imaginário, que a perda reparável é aquela que razoavelmente se deixou de ganhar e que a demonstração do dano efetivo é pressuposto de sua indenização.

O julgado em comento é um exemplo prático de pretensões que terminam desacolhidas, não exatamente porque não existisse direito à reparação, mas provavelmente porque o método empregado para a comprovação do dano não atendeu aos fins a que se destinava.

A conclusão que se extrai dessas constatações, e que nos livra de um pessimismo, é a de que, se por um lado não existe um método universal para a comprovação dos lucros cessantes, por outro há premissas que costumam trazer bons resultados em qualquer demanda e que não devem falhar com os lucros cessantes, quais sejam, a racionalidade, a razoabilidade, a prudência e a boa técnica.

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*Elisa Junqueira Figueiredo é sócia do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.

*Renan Freitas Lopes é advogado do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.

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