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O promotor pode expedir alvará de soltura?

A libertação, por sua vez, deve ocorrer de forma automática, não dependendo da expedição de qualquer alvará, seja ele do juiz, do delegado ou do promotor.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Atualizado em 4 de fevereiro de 2020 09:23

A expedição de um alvará de soltura é uma atividade comum no judiciário, sendo tema que normalmente não causa comoção alguma no mundo jurídico. No dia 1º de novembro, entretanto, a notícia sobre a expedição desse instrumento por um promotor de justiça alardeou o mundo jurídico.

O referido alvará foi expedido na comarca de Navegantes/SC1, e tinha como autoridade signatária o promotor do caso que determinou a soltura imediata de um réu que estava preso temporariamente.

Como diria o ex-ministro do STF Nelson Jobim: "O Direito é dialética, ponto e contraponto". Nesse sentido, este breve arrazoado pretender responder a seguinte dúvida: a conduta do promotor é legítima ou não?t

Tratando-se, portanto, de um preso temporário, devemos considerar as especificidades trazidas pela lei 7.960, de 21 de dezembro de 1989, que apesar de entendermos ser inconstitucional (mas isso fica para outro debate), é a legislação vigente que regula tal modalidade de prisão.

O art. 2º da lei 7.960/89, determina ser de competência exclusiva do juiz a decretação da prisão temporária, contudo não faz qualquer menção sobre quem seria o responsável por determinar a soltura do preso, que, conforme a literalidade da lei, deverá "ser posto imediatamente em liberdade, salvo se já tiver sido decretada sua prisão preventiva"

A corrente doutrinaria que defende a viabilidade de ser o Ministério Publico o órgão competente para determinar a soltura de presos temporários se encontra "legitimada" no parágrafo 7º do referido artigo, cuja redação dispõe:

Art. 2° A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

§ 7° Decorrido o prazo de cinco dias de detenção, o preso deverá ser posto imediatamente em liberdade, salvo se já tiver sido decretada sua prisão preventiva.

Outra ancoragem dessa corrente está na decisão prolatada pelo do STF, em 2015, no julgamento do RE 593.727/MG, em que se determinou que o Ministério Público tem competência constitucional para a promoção de investigações criminais, tornando-o responsável também pela fase inquisitiva das apurações criminais. Hoje em dia, o Direito Criminal já se acostumou a conviver com os PICS (Procedimentos de Investigação Criminal2) conduzidos exclusivamente pelo parquet.

Havendo requisição do Ministério Público para que o juízo decrete eventual prisão temporária, seria, para tal corrente, também uma prerrogativa desse órgão - constitucionalmente equiparado ao delegado de polícia - expedir imediatamente o devido alvará de soltura quando entender desnecessária a manutenção da prisão.

É necessário ressaltar que somente nessa modalidade de prisão, quando inicialmente requisitada pelo Ministério Público, no exercício de seu poder de titular da investigação criminal, seria possível que a soltura ocorresse nos termos explicados.  

Portanto, a combinação da ausência de menção sobre em quais termos se daria a liberação do preso temporário contida no art. 2º, §7º, da lei 7.960/89, e o precedente firmado pelo STF, tornariam, à princípio, legítima a ação do promotor que expede alvará de soltura.

Entretanto, e aqui está o contraponto, uma segunda corrente afirma ser inviável a expedição de alvará de soltura por qualquer ator processual que não o magistrado.

Nesse sentido, compreende que o mesmo art. 2º, §7º, da lei 7.960/89, não permite ao Ministério Público expedir qualquer instrumento contendo ordem de execução, já que cabe a esse órgão, como parte da triangulação processual, somente postular em juízo, como faz a defesa.

A não obrigatoriedade de decisão judicial para a soltura imediata de preso temporário não concederia uma inventiva prerrogativa para que o promotor passe a atuar como juiz.

O que ocorre de fato é a desnecessidade de qualquer alvará para a soltura do preso, que pela literalidade do artigo determinaria apenas que a liberação ocorresse imediatamente, não concedendo ao órgão ministerial tal prerrogativa.

Isso porque, apesar da equiparação do Ministério Público ao Delegado de Polícia na condução da investigação criminal, é importante ressaltar que o segundo também não expede alvará, mas somente certifica o decurso de prazo e procede automaticamente a soltura.

O cumprimento das atribuições processuais de cada órgão, seja ele policial, ministerial ou judicial devem ser sempre respeitados, não contendo em qualquer dispositivo da lei 7.960/89, autorização para que o promotor tome decisões impositivas no curso do processo penal, mesmo que se trate de situação excepcional que é a de prisão temporária - até mesmo porque, o processo penal brasileiro é acusatório e não adversarial.

É sempre necessário que se respeite a titularidade dos atos processuais para não ferir a lógica do processo penal. A libertação, por sua vez, deve ocorrer de forma automática, não dependendo da expedição de qualquer alvará, seja ele do juiz, do delegado ou do promotor.

A dialética, como podemos observar não é das mais fáceis, mas, diante das duas correntes atuais, acreditamos que segunda faça mais sentido.

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1 - Promotor de Justiça expede alvará de soltura de preso temporário. Promotor de Justiça expede alvará de soltura de preso temporário

2 - Portaria 001/2017 do CNMP.

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t*Bernardo Fenelon é sócio da Fenelon | Costódio Advocacia.







t*Mariana Zopelar
é associada da Fenelon | Costódio Advocacia.

 

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