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Da legitimidade ativa das pessoas jurídicas nos crimes contra a honra

A honra subjetiva é fato intrínseco do ser humano, pois esta tem por objeto o que o indivíduo acha de si próprio. Já a honra objetiva reputa àquilo que a sociedade pensa a respeito de uma pessoa.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Atualizado às 10:10

Do instituto da honra

Primeiramente, vale ressaltar que a honra é um gênero que se divide em duas espécies: a) Objetiva; b) Subjetiva.

Assim, há de se realçar que a honra subjetiva é fato intrínseco do ser humano, pois esta tem por objeto o que o indivíduo acha de si próprio. Já a honra objetiva reputa àquilo que a sociedade pensa a respeito de uma pessoa.

Nesse sentido, se manifesta o preclaro doutrinador Damásio de Jesus:

Honra objetiva é a reputação, aquilo que os outros pensam a respeito do cidadão no tocante a seus atributos físicos, intelectuais, morais, etc [...] Já a honra subjetiva é o sentimento de cada um a respeito de seus atributos físicos, intelectuais, morais e demais dotes da pessoa humana. É aquilo que cada um pensa a respeito de si mesmo em relação a tais atributos.

(JESUS, 1992).

Dessa maneira, nosso Estatuto Penalista, visando resguardar tal bem jurídico, elencou condutas delituosas em desfavor da honra: os crimes de injuria, calúnia e difamação

Senão vejamos:

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime

[...]

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação

[...]

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro

Feita, tal análise, partimos para o estudo específico de cada delito e qual sujeito pode ser vítima respectivamente:

Da calúnia

Ante os princípios oriundos dos arts. 225, §3° e 173, §5°, ambos da Constituição Federal de 1988, nosso entendimento jurídico passou a prever a responsabilidade penal nos crimes contra a ordem econômica e financeira, a economia popular e o meio ambiente.

Entretanto, em nosso atual ordenamento jurídico, apenas a lei 9.605/98 (lei de Crimes Ambientais), enuncia expressamente, em seu art. 3°, a possibilidade de responsabilidade penal das pessoas jurídicas, conforme se pode perceber, in verbis:

Art. 3° As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

(grifo nosso)

Nesse posicionamento, o STJ já ratificou tal entendimento, mas desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício (teoria da dupla imputação).1

Neste diapasão, menciona Luiz Flávio Gomes:

forte doutrina entende que a lei ambiental contempla verdadeira situação de responsabilidade "penal". Nesse caso, então, pelo menos se deve acolher a teoria da dupla imputação, isto é, o delito jamais pode ser imputado exclusivamente à pessoa jurídica. Deve ser imputado à pessoa física responsável pelo delito e à pessoa jurídica. E quando não se descobre a pessoa física? Impõe-se investigar o fato com maior profundidade. Verdadeiro surrealismo consiste em imputar um delito exclusivamente à pessoa jurídica, deixando o criminoso (o único e verdadeiro criminoso) totalmente impune.

Desta feita, conclui que a única possibilidade de uma pessoa jurídica ser sujeito passível de crime de calúnia é quando alguém imputar a esta fato definido como crime previsto da lei ambiental 9.605/98; tendo em vista que, para se configurar a conduta caluniosa, o ato, nos moldes do artigo 138 do CP, tem que ser definido como crime e, em face de uma personalidade jurídica, tal apenas se incidirá quando se relacionar ao meio ambiente (Exemplo: A empresa X devastou a reserva ambiental para construir um departamento Y). 

Portanto, pela possibilidade da atribuição da autoria delituosa nos crimes ambientais às pessoas jurídicas, estas tornam-se aptas a serem caluniadas no que se refere ao tipo penal supramencionado, reconhecendo a possibilidade de figurarem como sujeito ativo em eventual queixa quanto ao crime de calúnia, desde que o fato, falsamente imputado e definido como crime, adeque-se a uma das previsões da lei 9.605/98.

Da difamação

 A difamação tem como bem jurídico tutelado a honra objetiva, ou seja, esta ocorrerá quando determinado ato atingir a reputação da pessoa ofendida (a opinião social em relação a ela).

Assim, tendo em vista que a única honra da pessoa jurídica é a objetiva (vez que - como já explanado - a subjetiva é fator intrínseco ao ser humano), esta poderá ser sujeito ativo em queixa por crime de difamação, não se podendo, neste caso, desconsiderar os abalos sociais que esta pessoa pode sofrer frente sua imagem perante à sociedade, em especial àqueles que com quem mantém relação direta.

Dessa forma, conclui que - ao crime de difamação (tendo em vista que o bem jurídico tutelado é a honra objetiva) qualquer pessoa, física ou jurídica, pode ser sujeito passivo desse delito.

Nessa toada, são as palavras de Rogério Greco:

qualquer pessoa pode ser considerada sujeito passivo do delito em estudo, não importando se pessoa física ou jurídica (GRECO, 2011, p.344) 

Da injúria

Já a injúria, do contrário da difamação, tem como bem jurídico tutelado apenas a honra subjetiva da pessoa, ou seja, a ofensa que atinge a  autoestima da pessoa, aquilo que ela pensa de si mesma.

Assim, tendo em vista que uma pessoa jurídica não possui autoestima, vez que isso é atributo de algo detentor de sentimentos, a personalidade jurídica não pode figurar no polo passivo do delito em comento.

Nesse sentido já se posicionou a doutrina:

é regra geral que qualquer pessoa física possa ser considerada como sujeito passivo da mencionada infração penal, sendo de todo impossível que a pessoa jurídica ocupe também essa posição, haja vista que a pessoa moral não possui honra subjetiva a ser protegida, mas tão somente honra objetiva (GRECO, 2011, p.349)

Bem como já entendeu nosso Poder Judiciário:

A pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo do crime de injúria, por lhe faltar a honra subjetiva, patrimônio exclusivo da pessoa humana (TJSP, Processo 328708/7, Rel. Rulli Júnior, j. 24/9/98).

Da conclusão

Ante ao estudo em abordagem, resta a conclusão de que a pessoa jurídica só pode ser sujeito ativo nos crimes contra a honra quando, em qualquer hipótese, lhe for difamada por alguém ou, nos casos de calúnia, apenas se a for imputada conduta inverídica oriunda de delito ambiental.

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1 (STJ: REsp 889528/SC Rel. Min. Felix Fischer. 5ª Turma. DJ 17/04/2007. STJ; REsp 865864/PR, julgado em 10/09/09.1)

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*Phelipp Batista Soares é advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto brasiliense de Direito Público (IDP).

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