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We shall never surrender

O "Covid-19" foi algo inesperado, mas não foi impressentido. De fato, desde as pragas do Egito, conforme nos revela o Velho Testamento, a humanidade viu-se cercada por catástrofes e epidemias.

quarta-feira, 18 de março de 2020

Atualizado em 19 de março de 2020 11:37

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Temos de sair da caixa das obviedades e buscarmos soluções agressivas e consistentes para essa situação catastrófica

As medidas emergenciais que têm sido tomadas pelas autoridades de quase todos os países, sobretudo os mais organizados, são louváveis e obedecem a critérios que parecem ser, por ora, consistentes do ponto de vista sanitário e logístico. Do lado da população, sobretudo daqueles que são capazes de discernir sobre a realidade vivida, há aceitação e empenho na realização daquilo que os líderes do momento propugnam. Para os mais pobres e sofridos, resta a esperança de sempre ou o desespero, contido ou visível.

Pois bem: este artigo é uma provocação diante do atual momento. Por certo, o que aqui construo é apenas uma lógica diante do que nos desvenda os fatos, a economia, os direitos dos homens e as informações sanitárias.

O "Covid-19" foi algo inesperado, mas não foi impressentido. De fato, desde as pragas do Egito, conforme nos revela o Velho Testamento, a humanidade viu-se cercada por catástrofes e epidemias. A morte sempre foi a companheira indesejada do homem, mesmo que não deva ser aquela que nos guia.

Num mundo de 7 bilhões de pessoas os colapsos e tragédias se tornaram ainda mais gritantes. Em tempos de comunicação digital, das fake às news a disseminação da informação se tornou fenomenal: por vezes ajuda, por tantas desinforma e mal guia.

O impacto econômico e social do Covid-19 será gigantesco, observado o cenário atual. A economia perde a dinâmica e o sistema capitalista que vige no mundo, naturalmente não-cooperativo, ajustará todo o processo da forma mais usual: desemprego, redução do valor dos bens, salários mais baixos e assim vai. A mitigação do Welfare State (Estado do Bem-Estar Social), onde ele tenha existido à plenitude (provavelmente na Europa e outros poucos países), bem como, a fragilização das relações capital - trabalho, fará com que esse ajuste seja ainda mais rápido e feroz do que possamos imaginar. Vale dizer que, já nessa semana, a ação débil dos bancos centrais e da política fiscal nos países centrais do capitalismo já é evidência de que muito mais será necessário fazer para que se possa minimizar o impacto desse maldito vírus.

Mas, há mais: medidas de contenção sanitárias que incluam a redução da alocação de horas trabalhadas, se levadas à cabo pelo tempo necessário a "cura" da doença que se espalha, implicará na percepção piorada sobre o que será o futuro. Há também os problemas reais de logística. A título de ilustração: se os caminhoneiros tomarem o rumo de casa, como grande parte das famílias mais ricas das grandes cidades, não haverá bens disponíveis para a população. Simples assim. Aqui relembro uma experiência pessoal: eu estava na mesa do Conselho de Administração da Petrobrás quando foi lançada a greve dos caminhoneiros. Era conselheiro da empresa naquele momento. Lembro-me que quase todos os conselheiros se entrincheiraram na defesa da política de preços da empresa. Naquela reunião, não faltaram valentes dispostos a defender que nenhuma concessão aos caminhoneiros deveria ser feita. Eram nove da manhã. As 18h00 do mesmo dia, a empresa reduzia os preços na tentativa de evitar o pior (o que não pôde ser evitado). A "ética da responsabilidade" não estava presente no início da reunião. Foi definitiva ao seu final. Princípios são fundamentos de nossa existência pessoal e política (no sentido helênico da palavra). Todavia, sem a responsabilidade em relação às consequências da adoção destes fundamentos, não se pode alcançar nenhum objetivo.

Pois bem: parece-me que chegará a hora na qual teremos de enfrentar o "Covid-19" de frente. Tal qual na guerra, teremos perdas humanas e materiais. Todavia, o desemprego, a queda rápida e trágica da economia e os possíveis problemas logísticos que hão de surgir nos levarão a refletir sobre o que é o pior: ficarmos em casa em rota de fuga contra esse maldito ou retornarmos à luta diária. Obviamente, é certo que se tenta, por ora, conter o impacto do vírus sobre o sistema de saúde. Uma "normalização" da espiral de doentes que devem surgir, do dia para a noite. Estamos cientes disso e devemos apoiar essas medidas. O que aqui levanto é que, de um modo ou de outro, teremos de ponderar entre dois cenários: o primeiro o espalhamento contido da doença por meio de medidas de contenção sanitária. De outro, a rápida e profunda recessão. De modo geral, é disso que se trata e creio não ser o caso de tergiversarmos sobre essa realidade. Ela é frontal e cruel.

Na guerra, as sociedades aceitam as suas perdas, choram os seus mortos e pranteiam diante do sofrimento de seus cidadãos e estes de si mesmos. Alguns tombam nos campos de batalha, outros na fome das cidades e campos. Outros, ainda, aprendem a conviver com a incerteza e, não raro, com o desespero.

Não creio que o "Covid-19" seja pior do que a guerra. Não minimizo esse pérfido vírus. Não o subestimo. Todavia, não quero sucumbir nesse momento à fatalidade de sua existência.

As "rotas de fuga" parecem congestionadas enquanto as ruas das grandes cidades do mundo estão vazias. Há sinais inquietantes de desabastecimento e início de programas de demissão em massa. Empresas estão com planos de contingência cujos riscos são muito difíceis de minimizar. O que vamos fazer? Eis a pergunta que proponho.

Creio que é a hora de abandonarmos os "véus de certo liberalismo infantil" que tomou conta do mundo e avançarmos para soluções que valorizem a manutenção de um status econômico que não seja devastador para as pessoas e as empresas (nessa ordem). Temos de sair da caixa das obviedades e buscarmos soluções agressivas e consistentes para essa situação catastrófica. Temos de correr riscos, os menores possíveis, mas que são os mais prováveis: lidar com os problemas de saúde com coragem e com os problemas econômicos e sociais com ferocidade.

A hora é de arrojo corajoso, não de valentia irresponsável. (O valente é o corajoso desprovido de razão). Governos deveriam se ocupar em adotar planos que, no curto e médio prazo, sejam consistentes com a manutenção da atividade econômica em níveis suportáveis para a população. Ter renda e acesso aos bens é necessidade imperiosa para as pessoas. Caso contrário, teremos o desemprego e a desesperança que tomarão conta de nosso espírito. Quiçá do futuro visível.

Finalmente, quero relembrar as palavras de Winston Churchill quando estava se recuperando de grave atropelamento: "Sem dúvida sofri todo tipo de dor, mental e física, que um acidente na rua, ou suponho, o ferimento provocado pela explosão de uma granada pode causar. Não há tempo nem força para a autopiedade. Não há espaço para remorso ou medo. Se, em algum momento ao longo desta série de contratempos, um véu cinzento trazendo a escuridão tivesse descido sobre o sautuário, eu nada teria sentido ou temido a mais. A natureza é misericordiosa e não atormenta seus filhos, homens e animais, além do que possam suportar. Apenas quando a crueldade do homem entra em cena é que aparece o tormento infernal. Fora isso, o melhor é viver perigosamente, aceitando as coisas tal como acontecem. Nada temer, tudo correrá bem".

Churchill ganhou 600 libras pelos direitos desse artigo em todo o mundo. Se tivermos coragem para enfrentar a realidade desse manhoso vírus que está a nos atormentar, talvez evitemos uma recessão sem precedentes desde a II Grande Guerra. É o que penso. 

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Francisco Petros*Francisco Petros, é advogado, sócio responsável pela área societária, compliance e de governança corporativa do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados. Economista e pós-graduado em finanças. Trabalhou por mais de 25 anos no mercado de capital, em instituições financeiras brasileiras e estrangeiras. Foi presidente da APIMEC - Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais (2000-2002).

 

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