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Covid-19 e os impactos econômicos na esfera empresarial

O cenário de crise ultrapassará a pandemia, visto que seus impactos levarão tempo para serem absorvidos.

quinta-feira, 26 de março de 2020

Atualizado às 12:33

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O ano de 2020 iniciou para significativa parte dos empresários brasileiros com um bom grau de otimismo em termos de investimento. Após anos seguidos de crise econômica, tivemos no ano de 2019 notícias positivas do ponto vista de expectativa de mercado, com a reforma da previdência aprovada, inflação controlada, Selic com mais baixo índice histórico em atuais 3,75% ao ano e publicação da Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/19). O revés iniciou-se durante o mês de janeiro quando vieram as primeiras notícias do COVID-19 (Coronavírus) vindas da China e que logo se alastrou para a Europa e desembarcou de vez no cenário brasileiro com o primeiro caso constatado em 26/2/20, em São Paulo.

Medidas enérgicas estão sendo tomadas pela Administração Pública em todas as esferas para a contenção da pandemia, seguindo práticas semelhantes às aplicadas em outros países a partir de orientações da OMS. Atos e Decretos determinaram o fechamento de fronteiras, escolas, universidades, shopping centers, academias, bares, além de restrições a transportes públicos, dentre outros. A orientação geral é de que as pessoas não saiam às ruas, exceto em situação extremamente necessária, sendo amplamente disseminado o Home Office. O governo de São Paulo determinou o fechamento de todo o comércio e serviço não essencial por 15 dias a partir de 21/3/20. A exemplo do que ocorre na Europa, as medidas de restrição tendem a aumentar. O Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, declarou que "devemos entrar em abril no início da subida rápida, que vai durar até o mês de junho, quando ela vai começar a ter uma desaceleração de subida. No mês de julho, deve começar o platô. Em agosto, esse platô vai começar a mostrar tendência de queda e, em setembro, essa queda é mais profunda, como foi a de março na China"1.

A crise global se reflete nos mais diversos setores da economia brasileira. A Bolsa de Valores (BOVESPA), seguindo o padrão das principais bolsas do mundo, sofreu vertiginosa queda, com o acionamento do circuit breaker por sucessivas vezes. Conforme a FGV, a expectativa do PIB em 2020 é de redução em 4,4%2. Observe-se a paralisação das importações de produtos da China, maior parceiro comercial do Brasil3, inviabiliza a atividade desenvolvida por diversos setores, principalmente os que dependem da importação de tecnologias e aparelhos eletrônicos, de motores à indústria têxtil, etc. Isso significa paralisar um universo imenso de indústrias e comércios por todo Brasil. A suspensão do comércio impede o consumo, o que acarreta consequências similares. Afora a questão de saúde, que afastará trabalhadores de suas funções, e a queda do consumo frente ao cenário de mais absoluta insegurança sobre o tempo e a extensão da crise, além de haver menos dinheiro circulando. Até o e-commerce foi seriamente afetado.

Algumas medidas importantes para dirimir o impacto da crise estão sendo adotadas pelo Governo Federal, que anunciou a prorrogação do pagamento do Simples Nacional por 6 meses, através da resolução 152 do CGSN, e editou a MP 927/20 que dispõe sobre "alternativas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública", para fins de preservação do emprego, através do teletrabalho, antecipação de férias individuais e concessão de férias coletivas. O BNDES anunciou a injeção de 55 bilhões de reais a fim de ajudar a conter a crise4 e o BACEN anuncia medidas com impacto de 1,2 trilhões de reais, o que equivale a 16,7% do PIB e mais de dez vezes maior que o pacote anunciado na crise de 2008. As instituições estão trabalhando para mitigar parte dos graves efeitos econômicos e das maiores instabilidades jurídicas que se aproximam.

Os empresários serão grandes protagonistas no enfrentamento da crise, percepção do mercado e na tomada de decisões. Será necessário que se faça um criterioso balanço da atividade, buscando de forma instantânea a renegociação de contratos, a fim de adequar as empresas à realidade da crise. Somente com ações imediatas se poderá dirimir os graves efeitos vividos para a busca da plena retomada em momento posterior. Observe-se que mesmo após o controle da pandemia, os reflexos da crise se manterão por certo tempo até que o mercado se adeque.

O Judiciário também deverá exercer um papel relevante nesse processo de retomada da economia.  Certamente haverá descumprimentos de obrigações e contratos em larga escala. Eventualmente essas obrigações e contratos poderão ser objeto de ação individual de revisão, rescisão ou indenizatória. Evidentemente, deverá ser observado a cada caso a incidência ou não de multa contratual ou seu eventual afastamento, bem como danos gerados, sob a ótica do caso fortuito ou força maior5, conforme art. 393 do Código Civil6.

Certamente haverá um ingresso significativo de pedidos de recuperação judicial, como meio de estancar de forma imediata bloqueios de valores em contas, com a preservação do caixa da empresa, evitar a apreensão de bens, assim como viabilizar a possibilidade de readequação do passivo dentro de um plano de recuperação que englobe a universalidade dos credores e autorize a superação da crise, nos termos da lei 11.101/05:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

O cenário de crise ultrapassará a pandemia, visto que seus impactos levarão tempo para serem absorvidos. Para algumas empresas o problema será meramente transitório, enquanto para outras perdurará mais. Alguns players sólidos enfrentarão a sua primeira dificuldade. O futuro é incerto, mas a superação da conjuntura dependerá da participação da classe política, empresarial, judiciário, bem como da sociedade civil como um todo.

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1 Disponível em: clique aqui.

3 Disponível em: clique aqui.

4 Disponível em: clique aqui.

5 O controle judicial do Impeachment - As lições que vêm do Norte.

6 CC, Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

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t*Diego Fernandes Estevez é mestre em Direito pela PUCRS. Sócio do escritório Estevez Advogados





t*Caroline Pastro Klóss é mestranda em Direito pela Universidade de Lisboa. Sócia do escritório Estevez Advogados

 

 

 

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