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Aumento de impostos por causa da crise? Há regras e elas devem ser respeitadas

Ana Luiza Mancini de Oliveira e Andrey Biagini Brazão Bartkevicius

É compreensível e legítimo que as autoridades busquem o aumento imediato de arrecadação como forma de minimizar os efeitos negativos decorrentes de crises socioeconômicas. Para tanto, a própria Constituição Federal traz exceções ao princípio constitucional da anterioridade.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Atualizado às 14:34

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Em momentos de crise, é comum que as autoridades busquem aumentar tributos ou reduzir benefícios fiscais (forma indireta de aumento de tributos) como estratégia para compensar perdas de arrecadação pública.

No entanto, chama a atenção a jurisprudência que vem se firmando no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) e Supremo Tribunal Federal (STF) e que traz segurança jurídica aos contribuintes ao garantir a aplicação do princípio constitucional da anterioridade mesmo em momentos extraordinários - como o que vivenciamos com o agravamento da pandemia do novo coronavírus.

A Constituição Federal garante que, salvo exceções previstas no próprio texto constitucional - como é o caso do Imposto de Importação (II), do Imposto de Exportação (IE), do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e do Empréstimo Compulsório -, o aumento de carga tributária mediante a majoração de impostos e contribuições deve observar um prazo mínimo de 90 dias de transição (princípio da anterioridade nonagesimal, aplicável, por exemplo, às contribuições sociais), podendo chegar a 1 ano de transição (princípio da anterioridade anual, aplicável, por exemplo, aos impostos sobre a renda de pessoas jurídicas e físicas).

Alguns exemplos práticos podem ajudar na compreensão de como atua o princípio da anterioridade nonagesimal e anual:

- se determinada regra vier a aumentar a alíquota da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) no dia 1º.6.2020, esse aumento de carga tributária só poderá surtir efeitos a partir de 30.8.2020 (90 dias após a publicação da norma que vier a aumentar a alíquota da COFINS), considerando que contribuições sociais em geral devem respeitar o princípio da anterioridade nonagesimal; e

- se determinada regra, por sua vez, vier a instituir a imediata tributação de dividendos pagos por pessoas jurídicas a pessoas físicas, o aumento de carga tributária só poderá surtir efeitos a partir de 1º.1.2021 (primeiro dia do exercício seguinte ao da publicação da norma que tributar dividendos), considerando que impostos sobre a renda devem respeitar o princípio da anterioridade anual.

Embora as regras constitucionais sejam suficientemente claras para impedir arbitrariedades, ao longo das últimas crises socioeconômicas houve diversas tentativas de aumento indireto de tributos por meio da revogação ou redução de benefícios fiscais concedidos a determinados contribuintes. 

Um exemplo recente foi o que ocorreu em maio de 2018, quando o Governo Federal, no contexto da greve dos caminhoneiros, buscou subsidiar a comercialização do óleo diesel. Para tanto, editou um decreto que reduziu imediatamente de 2% para 0,1% a alíquota prevista para apuração de crédito do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (REINTEGRA), programa criado para estimular exportações (decreto 9.393, de 30.5.2018).

Diversos contribuintes, sob o argumento de que a redução imediata da alíquota desse incentivo fiscal (em relação a exportações ocorridas a partir de 1º.6.2018) era, na verdade, um aumento indireto de carga tributária para os exportadores, buscaram o Judiciário para pedir a manutenção da alíquota de 2% ao menos em relação a exportações promovidas no período compreendido entre junho e agosto de 2018. A base para esse pedido foi a aplicação do princípio da anterioridade nonagesimal.

Outro exemplo foi a atitude do Governo do Estado de São Paulo que, assim como outros estados da Federação, editou um decreto revogando imediatamente o direito à apropriação de créditos de Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em operações com insumos agropecuários beneficiados com isenção (decreto 64.213, de 30.4.2019). Da mesma forma, diversos contribuintes ajuizaram ações para fazer valer o princípio da anterioridade anual.

A boa notícia é que o Poder Judiciário vem consolidando jurisprudência favorável aos contribuintes e garantindo a aplicabilidade do princípio da anterioridade mesmo na hipótese de revogação ou redução de benefícios fiscais. O argumento central é que essas medidas são equiparáveis a um aumento repentino de tributos, causando indesejado elemento surpresa.

Como exemplo, há precedentes do TJ-SP [processo 1007457-74.2019.8.26.0269, decisão da 13ª Câmara de Direito Público, de 11.3.2020], do TRF-3 [5018430-93.2018.4.03.6100, decisão da 3ª Turma, de 19.3.2020] e do STF [processo 1214919, decisão da Primeira Turma, de 25.10.2019], inclusive em processos que questionaram as medidas acima destacadas - redução da alíquota do REINTEGRA pelo Governo Federal e revogação do direito ao crédito de ICMS pelo Governo paulista.

É compreensível e legítimo que as autoridades busquem o aumento imediato de arrecadação como forma de minimizar os efeitos negativos decorrentes de crises socioeconômicas. Para tanto, a própria Constituição Federal traz exceções ao princípio constitucional da anterioridade. No entanto, nada justifica a edição de atos inconstitucionais que porventura revoguem ou reduzam benefícios fiscais de forma repentina. 

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*Ana Luiza Mancini de Oliveira e Andrey Biagini Brazão Bartkevicius são advogados de Lobo de Rizzo Advogados.

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