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Decisões do STF na ADIn 6363, a Imposição de Entraves à Aplicação da MP 936/2020 como Medida Emergencial de Garantia ao Emprego e a Potencialização do Caos

Os tempos já estão difíceis, a vida econômica dos empregadores e dos empregados está em jogo, a ponto de sofrer hecatombe, e as decisões criticadas só colocaram mais lenha numa fogueira que arde e espraia fogo para todas as direções, dia após dia.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Atualizado às 09:45

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O COVID-19 vem afetando diretamente o ser humano, sob as mais diversas matizes, mundo afora. São restrições de todas as naturezas e não está fácil conseguir levar a vida com certa naturalidade, com os hábitos e rotinas de costume, convivendo diariamente com notícias de milhares de mortes nos noticiários e de tantas outras perdas que atingem à vida em sociedade. Até aí nenhuma novidade!

No Brasil não é diferente e o Poder Público vem envidando esforços, essencialmente o Executivo e o Legislativo, seja em âmbito federal, estadual e/ou municipal, para tentar amenizar todo o impacto negativo que o coronavírus vem desencadeando ao povo brasileiro. Entre erros e acertos, não é justo alegar uma inércia por completo do Estado. As instituições públicas, dentro de suas já conhecidas deficiências, estão funcionando, algumas sob ajuda de aparelhos, mas em atividade.

Inobstante a saúde e a própria vida sejam a prioridade neste momento de pandemia, a economia também está na UTI. As medidas sanitárias e de isolamento social, necessárias que são, atingiram em cheio a economia nacional, tornando o ambiente de negócios quase inóspito e colocando em xeque empresas e empregos, sem mencionar a gama de trabalhadores autônomos, informais que, mesmo com o número elevado de desemprego até então experimentado, ainda conseguiam se manter, com pouco ou sem nenhum auxílio estatal. Não adianta dizer que existem setores da economia não prejudicados com a pandemia, eis estar essa tão interligada no atual mundo 4.0 que não permite o isolamento, tal como faz a sociedade, em atenção as medidas governamentais de restrição e circulação de bens, serviços e pessoas.

No afã de tentar reanimar a economia, o Governo Federal está lançando mão de diversas Medidas Provisórias, tentando contemplar, na medida do possível, os mais diversos setores econômicos, desonerando e/ou postergando o pagamento de tributos, regulando categorias específicas com medidas emergenciais, socorrendo os autônomos e a população de baixa renda com o auxílio emergencial de R$ 600,00 (seiscentos reais), com custeio integral da conta de energia elétrica para determinados grupos familiares extremamente carentes, dentre tantas outras ações que se harmonizam com o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo 06/2020. Ruins ou boas, certas ou não tão certas, insista-se, o Poder Público está agindo, afirmação desprovida de qualquer coloração partidária e baseada em fatos. São 30 (trinta) Medidas Provisórias editadas para tentar fornecer ferramentas de se enfrentar o COVID-19.

Em meio a produção legislativa do Poder Executivo Federal, eis que concebida foi a Medida Provisória 936/2020 cujo objetivo único consistiu em instituir o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, dispondo sobre medidas trabalhistas complementares àquelas já criadas através da Medida Provisória 927/2020, tudo para o enfrentamento do estado de calamidade pública e seus consequentes efeitos nas relações de emprego.

Em ato contínuo, ainda houve a promulgação da Lei 13.982/2020 que estabeleceu o benefício emergencial retro mencionado e outras medidas excepcionais de proteção social enquanto durar o surto do novo coronavírus, bem como a edição da Medida Provisória 944/2020 que instituiu o Programa Emergencial de Suporte a Empregos, destinado à realização de operações de crédito com empresários, sociedades empresárias e sociedades cooperativas, excetuadas as sociedades de crédito, cuja essência é garantir o pagamento de folha salarial de seus empregados.

As referidas legislações, de urgências e ordinárias, de iniciativa dos Poderes Executivo, sobretudo, e Legislativo, em um panorama geral, restaram bem recepcionadas pela sociedade em geral, face a assunção do Governo Federal à responsabilidade que lhe é nata, enquanto responsável principal pela economia nacional e pela manutenção do equilíbrio das relações sociais. Empresas e empregos estavam à deriva, sem perspectiva nenhuma de futuro, sem saber como o capital e o trabalho iriam coexistir.

Em especial, a Medida Provisória 936/2020, considerando o ineditismo do momento social, explanou em seu art. 2º a razão pela qual as medidas normativas ali dispostas estavam sendo criadas, ou seja, preservar o emprego e a renda, garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais e reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública. E mais, estabeleceu em seu art. 3º, três medidas emergenciais, quais sejam: i) o pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda; ii) a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários; e iii) a suspensão temporária do contrato de trabalho.  

Ora, empregados e empresários, em sua grande massa, inobstante hajam distorções no uso da legislação, consequência intrínseca a qualquer norma jurídica que busca regular situações fáticas diversas e antagônicas nas suas especificidades, recepcionaram com louvor as medidas governamentais, tendo em vista que, sobretudo, trouxe esperança e o mínimo de segurança jurídica, aliado a uma fórmula de fácil e rápida exequibilidade. Cada hora a mais de empregadores sem produção ou com atividade mínima expunha os empregados a uma vulnerabilidade sem igual. As demissões coletivas e individuais abrolham País afora, alcançando a classe obreira, seja qual for a categoria profissional e o patamar salarial.

Apenas para se ter uma noção dos efeitos do COVID-19 nas empresas e nos empregos, pelo menos 600 (seiscentos) mil micro e pequenas empresas fecharam as portas e 9 (nove) milhões de funcionários foram demitidos em razão dos efeitos econômicos da pandemia do novo coronavírus. Outrossim, 10,1 (dez virgula um) milhões de empresas pararam de funcionar durante a pandemia, sendo 2,1 (dois vírgula um) milhões por decisão da empresa, enquanto a paralisação de 8 (oito) milhões de companhias foi determinada pelo governo. É o que mostra levantamento feito pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às micro e pequenas empresas) e obtido com exclusividade pela CNN1.

Pois bem, não passou sequer mais de um dia de sua promulgação, e o partido REDE SUSTENTABILIDADE ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 6363, com pedido cautelar, questionando os dispositivos da Medida Provisória 936/2020 que permitem a negociação individual entre empregado e empregador, em caso de redução da jornada e salário ou de suspensão do contrato de trabalho.

Isso porque o art. 11, §4º, da dita medida provisória impõe a necessidade de informação ao sindicato profissional, por parte do empregador, no prazo de 10 dias, quando da celebração dos acordos individualmente firmados entre as partes, tanto na hipótese de suspensão do contrato ou redução da jornada com consequente ajuste salarial. Com efeito, na ótica de parte da comunidade jurídica, o referido dispositivo legal afronta diretamente o disposto no art. 7º, VI, da Constituição Federal que exige negociação coletiva para a hipótese de redução de salário, tão somente, frise-se.

O fato é que o Ministro Ricardo Lewandowiski, sorteado que foi no Excelso Pretório para relatar a ADIn, entendeu por bem acolher o pedido cautelar nela formulado e, ad referendum do Plenário promoveu interpretação conforme à Constituição Federal ao § 4º do art. 11 da Medida Provisória 936/2020, de maneira a assentar que os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho devem ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até 10 (dez) dias corridos, contados da data de sua celebração, a fim de que o ente, caso entenda pertinente, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o negociado pelas partes.

Para completar, depois do tumulto causado pela decisão citada, a Advocacia Geral da União opôs embargos de declaração, os quais foram conhecidos e "rejeitados". As aspas no resultado do apelo se justificam porque Vossa Excelência, no intuito de afastar quaisquer dúvidas e advertindo que não havia modificação na decisão, decidiu que "são válidos e legítimos os acordos individuais celebrados na forma da MP 936/2020, os quais produzem efeitos imediatos, valendo não só no prazo de 10 dias previsto para a comunicação ao sindicato, como também nos prazos estabelecidos no Título VI da Consolidação das Leis do Trabalho, agora reduzidos pela metade pelo art. 17, III, daquele ato presidencial", ressalvando, ainda, "a possibilidade de adesão, por parte do empregado, à convenção ou acordo coletivo posteriormente firmados, os quais prevalecerão sobre os acordos individuais, naquilo que com eles conflitarem, observando-se o princípio da norma mais favorável. Na inércia do sindicato, subsistirão integralmente os acordos individuais tal como pactuados originalmente pelas partes".

Diante dessas decisões, a despeito de opiniões em contrário no sentido de que Sua Excelência "salvou" a medida provisória, retirando-lhe a eiva de inconstitucionalidade, num levante de tese de liminar in pejus em favor da agremiação partidária requerente ou mesmo que voltou atrás no que já tinha decidido, impossível se vislumbrar, data maxima venia, tal consequência, seja no plano teórico e dogmático, seja no plano prático. E, como se não fosse suficiente, renovando as devidas vênias a entendimentos em contrário e as decisões objurgadas, também não se afigura afronta a Carta Magna nesse ponto em específico da medida provisória, tampouco se verifica na primeira decisão singular de urgência a melhor técnica jurídica para suplantar a sua prolação e consequente manutenção.

A ousadia dessas assertivas, as quais se revestem de todo o respeito aos defensores da inconstitucionalidade do dispositivo posto em xeque, mas que se traduzem no exercício democrático do direito de opinião, da pluralidade de ideias e na magia interpretativa afeta ao direito, discordante por essência enquanto ciência não exata, fincam-se, em primeiro lugar, na análise sociológica que a pandemia do COVID-19 impõe à população economicamente ativa do País.

A ratio da medida provisória, como apontado alhures, veio no início dela exposta e, juntamente, com as demais legislações correlatas, recentemente postas em vigência, visam unicamente a preservação/manutenção do emprego, das empresas e de uma renda mínima a classe trabalhadora.

Ao tentar dar validade a previsão constitucional de negociação coletiva quando da aplicação de redução salarial nos contratos de emprego, e aqui não se trata de uma cruzada contra o sistema sindical e de sua participação bem pensada e idealizada pelo Constituinte Originário, a infeliz decisão singular, remendada posteriormente, parece que se abstraiu do contexto fático social atual, perfazendo uma análise fria e isolada do inciso VI do art. 7º. 

Certamente, a melhor forma de interpretação normativa da citada medida provisória, e não apenas no dispositivo atacado, mas sim dela em sua integralidade, é lançando mão de métodos complementares, especialmente do teleológico, o qual busca-se identificar os fins sociais da norma, para que ela foi criada, do método sistemático, afinal a sua análise deve se dar em conjunto com as demais normas constitucionais, sem desprestigiar o método lógico, pois deve-se levar em conta o cenário social no qual se deu sua criação.

Antes de se sedimentar, no importante e valoroso art. 7º, a negociação sindical para fins de preservação da garantia à irredutibilidade salarial, a Constituição Federal, em seu art. 1º, inciso III, elege a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil e no art. 3º, II e IV, aponta como objetivos fundamentais desta a garantia do desenvolvimento nacional e a promoção do bem de todos, sem qualquer discriminação.

Ora, nesse sentido, o plexo de normas trazidas na medida provisória, dentre elas a negociação individual para adoção das medidas emergenciais nela previstas, se harmoniza com ditos fundamentos e objetivos fundamentais do País, insertos na Carta Magna e que são o ponto de partida de todos os direitos e garantias insertos ao longo do texto constitucional.

A participação sindical no equilíbrio dos direitos sociais é inegável, e prova disso é que o dispositivo atingido pelas decisões vergastadas, determinam a comunicação ao sindicato profissional, o qual, por obvio, verificando vícios no instrumento escrito, poderá lançar mão das medidas judiciais e extrajudiciais que entender pertinentes. E mais, a negociação sindical restou prestigiada no próprio art. 11 da medida provisória que permite o estabelecimento de percentuais de redução de jornada de trabalho e de salário diversos dos previstos no inciso III do caput do art. 7º.

Em contrapartida, a medida provisória, considerando a urgência e relevância do estado de calamidade econômica, ainda procurou salvaguardar direitos mínimos dos trabalhadores, garantindo manutenção do valor do salário hora do empregado (art. 7º, I), penalidades para o empregador que burlar a medida escolhida, que vão desde o pagamento imediato da remuneração e dos encargos sociais referentes a todo o período, a aplicação das penalidades previstas na legislação em vigor e das sanções previstas em convenção ou em acordo coletivo. (art. 8º, §4º c/c art. 14), além de permissão para o empregador conceder ajuda compensatória, com natureza totalmente indenizatória, livre de tributos, a fim de fomentar o mínimo de perda salarial (art. 9º) e garantia provisória do emprego (art. 10).

Logo, analisando a norma por inteiro, conjugando-a com a contrapartida estatal para financiamento da folha de pagamento, não se verifica uma intentio legis prejudicial ao empregado, tal como muitos sustentaram que acometeu o Constituinte Derivado na edição da Lei 13.467/17, mas sim medidas emergenciais necessárias a poupar a economia de mais danos, garantindo sobrevida as empresas e aos empregos.

Há um momento de exceção e a norma deve ser interpretada sob esse prisma. Segundo Dante, todo direito é limite e proporção e, nesse choque de direitos fundamentais, a então participação sindical, como órgão chancelador de medidas emergenciais de preservação de empregos, o que impõe uma dificuldade operacional ímpar de concretização das referidas soluções legais, não pode se sobrepor a garantia da dignidade da pessoa humana, do desenvolvimento nacional e da promoção do bem de todos.

Quantos milhões de ofícios de comunicação serão enviados as mais diversas entidades sindicais do País? Quantas "negociações coletivas" de acordos individuais os sindicatos irão conseguir levar adiante, em tempo hábil, sem aniquilar uma empresa de ter acesso ao apoio da verba federal, garantindo o prazo de pagamento da primeira parcela, descrito no art. 5º, §2º, inciso II, da medida provisória? E, em relação ao direito a dignidade da pessoa humana, não há dúvidas, até pela própria posição jurisprudencial sedimentada pelo C. STF, que este valor supremo se consubstancia em princípio norteador da aplicação e restrição de todos os direitos fundamentais contidos na CF/88.

Será que entregar a concretização da salvaguarda do emprego de um trabalhador, até mesmo não sindicalizado, a uma entidade sindical que, em sua grande maioria, encontra-se deficitária, sob o prisma financeiro e operacional, por força da extinção da obrigatoriedade de recolhimento da contribuição sindical, é dar exequibilidade ao postulado máximo em cotejo? Certeza que a resposta é não! Por ser instituto norteador em caso de colisão de direitos fundamentais, se afigura o mais correto aplicar a norma que mais se aproxime e promova a dignidade da pessoa humana, afinal, indubitavelmente, é o instrumento do jurista na solução desse leading case.

Notadamente, pela posição ocupada na mais alta Corte Judiciária do País, esperava-se do Ministro Lewandowiski maior responsabilidade, temperança, equilíbrio, razoabilidade, seguido de uma aferição criteriosa de qual o interesse social maior nesse momento de pandemia, o que não ocorreu e o atesto disso está na ratio decidendi da decisão proferida em sede de embargos declaratórios na ADIn 6363.

De fato, o que se percebe na vida real, distante da frieza e tecnicidade de uma ADIn, é mais insegurança jurídica, a qual desponta em todos os Estados da Federação, fruto de uma inquietação da classe empresarial quanto a assertividade no uso das medidas emergenciais que podem não ser aceitas pelo ente sindical, bem como uma sede de alguns sindicatos profissionais em se valer de um excessivo poder de barganha, de formalismos inexistentes, de imposição de formas de comunicação contrárias até as medidas de isolamento social, tudo à revelia, em grande parte, da vontade dos trabalhadores contemplados com as medidas emergenciais que só pensam em como irão sobreviver neste momento e num futuro próximo. 

Outros tantos direitos fundamentais estão mitigados e de importância muito maior que a negociação sindical para redução salarial, a exemplo do direito de ir e vir, tudo em nome do bem de todos, da garantia do direito à saúde, porque não mitigar, excepcionalmente, a atividade sindical prévia, porém, garantindo a sua comunicação a posteriori e eventual possibilidade de atuação para correção de possíveis digressões?

Mas não foi só!

A decisão cautelar ainda mistura, numa só análise, e nisso os embargos de declaração não atacaram pela via estreita que é, institutos jurídicos trabalhistas distintos, pois a suspensão do contrato de trabalho está prevista na CLT há tempos e nunca necessitou ser precedida, em regra, de negociação coletiva, salvos exceções como o lay off. Todavia, mesmo o Governo Federal garantindo o pagamento integral dos salários, isso para os empregadores que tiverem auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), pois, para quem faturou além desse teto, remanesce a obrigatoriedade de contrapartida de 30% do salário, e a medida provisória garantindo todos os benefícios concedidos, pelo empregador, aos empregados no período de suspensão (art. 8º, §2º, I), as entidades sindicais foram investidas de um poder chancelador, mitigado na decisão integrativa, por força do decidido pelo  Supremo, que nem a Constituição Federal exige.

Há bem da verdade, mister destacar, para a grande maioria dos empregados brasileiros, que ganham salário compatível com o maior valor pago como teto do seguro-desemprego, ou seja, R$ 1.813,00 (mil, oitocentos e treze reais) não serão acometidos de efetiva redução salarial. Aliás, não se defende a ocorrência de redução salarial em si, mas de modulação do contrato de trabalho para garantir-lhe a preservação, isso em período específico e pré-determinado. Não se pode afirmar que a introdução de mecanismo para manutenção do pacto de emprego signifique alteração contratual lesiva, a luz do que manda o art. 468 da CLT. Antes do salário, importante se resguardar a renda do trabalhador!

O grande nó górdio reside nos salários que superam dito patamar, mas cuja redução salarial deve ser interpretada de acordo o momento social excepcional vivido. Há de existir um esforço coletivo de todos na sociedade. De toda sorte, ainda que não seja constitucional esses obreiros contemplados com faixa salarial diferenciadas ceifarem seu salário sem negociação sindical, a anômala conjuntura social permite que haja eventual atuação sindical mediante provocação da classe trabalhadora que representa.

Ora, ao contrário do que muitos pensam, a Justiça do Trabalho permanece viva para tutelar eventuais desrespeitos a direitos trabalhistas, ex-vi o disposto no inciso XXXV do art. 5º da CF/88, visto que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Ditos obreiros, inclusive, pelo patamar salarial, possuem capacidade de decisão e compreensão mais acurada, geralmente gozam de maior formação educacional e, tanto quanto os outros de salários inferiores, possuem ciência dos diversos órgãos e canais de denúncia de abusos trabalhistas, a exemplo dos próprios entes sindicais, as Delegacias Regionais de Trabalho e Emprego, o Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública, as ouvidorias dos Tribunais Regionais, a advocacia privada com mais de um milhão de profissionais, e até as redes sociais que, na maioria das vezes, possui alcance comunicador de maior efetividade e com o condão de causar maiores danos à imagem do empregador.    

Diante disso, o que se depreende, ao final, é que não há inconstitucionalidade alguma na Medida Provisória 936/2020, sobretudo nos instrumentos por ela criados e na forma do seu processamento, com dia e hora certa para acabar, com uso mitigado, e que a primeira decisão, inobstante tenha sido inconveniente e até um pouco esvaziada, posto que não impede a celebração dos acordos individuais na prática, até porque não anulou os mecanismos emergenciais criados, acabou sendo objeto de "ajustes" em sede de embargos de declaração. Além do que, tanto a decisão principal, quanto a integrativa, se esquiva de atacar qualquer outro dispositivo da lei de urgência, tampouco condicionou o pagamento da contrapartida estatal há prévia anuência sindical aos termos do acordo individual permitido. Ou seja, aval do sindicato não é requisito formal de validade do acordo individual de redução de jornada e/ou suspensão.

Além disso, defende-se, por conta dessas razões, que os sindicatos profissionais não podem se opor à modalidade emergencial escolhida, afinal é a vontade do empregado, titular efetivo do direito, ali cristalizada e nesse estado de exceção, a sua autonomia privada de vontade, se manifestada sem vícios, deve prevalecer, cabendo ao sindicato, no máximo, discutir às questões acessórias do ajuste, como eventual manutenção de benefício, possível contrapartida para compensação de perda de remuneração variável, condições sanitárias em caso de redução parcial de jornada,  nunca a medida eleita em si. Uma pena que não seja possível aplicar as medidas emergenciais com maior segurança jurídica e com o dinamismo que exige o momento, ainda que com as correções derivadas da recente decisão proferida em sede de embargos de declaração, afinal haverá discussão sobre o tema no Plenário do C. STF agora em 16 de Abril de 2020!

Destarte, os tempos já estão difíceis, a vida econômica dos empregadores e dos empregados está em jogo, a ponto de sofrer hecatombe, e as decisões criticadas só colocaram mais lenha numa fogueira que arde e espraia fogo para todas as direções, dia após dia. Espera-se que cesse-se, ao menos nesse período insólito de pandemia, essa contínua e irrefreável judicialização de absolutamente tudo nesse País, a qual se arrasta há anos, em que tudo deságua no oceano de poder que se tornou o Supremo Tribunal Federal, que muitas vezes legisla sem investidura de poder constitucional para tanto, e que acaba fomentando um efetivo ativismo judicial, com distorcido e impróprio protagonismo da Corte, de modo que possa o Poder Judiciário deixar os Poderes Executivo e Legislativo cumprirem sua missão constitucional, garantindo o futuro de milhões de brasileiros que das empresas e dos empregos dependem, senão estar-se-á a potencializar o estado de caos, tal como fez a respeitosa, mas sorumbática e inoportuna decisão cautelar, complementada pelos esclarecimentos prestados na via integrativa.

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1 Matéria disponível em: clique aqui. Acesso em 10/04/2020

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*Daniel Sebadelhe Aranha é sócio do escritório Sebadelhe Aranha & Vasconcelos Advocacia.

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