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O novo limbo jurídico previdenciário trabalhista na conjuntura normativa atual

Antes de trazer algumas das possibilidades de minimização de contendas, cumpre deixar claro que, se houver a previsão, em norma coletiva, quanto à obrigatoriedade, pelo empregador, quanto à complementação do valor recebido pelo empregado, a título de benefício previdenciário, para o efetivo valor do salário recebido, não há dúvidas de que o empregador deve proceder ao pagamento de tal diferença, à luz, inclusive, do parágrafo único do art. 63 da lei 8.213/91.

terça-feira, 2 de junho de 2020

Atualizado em 8 de julho de 2020 10:05

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Desde 19 de março de 2020, com a edição da portaria SEPRT/INSS 8.024, as perícias médicas realizadas pela autarquia previdenciária estão suspensas. Diante disto, a lei 13.982/20, de 2 de abril de 2020, previu a possibilidade de concessão de adiantamento do auxílio-doença, sendo posteriormente regulada pela portaria conjunta SEPRT/INSS 9.381/20, de 6 de abril de 2020, enquanto não se viabiliza uma conexão entre perito e periciado.

Curiosamente, apesar da natureza previdenciária de ambos, o auxílio-doença difere do seu adiantamento quanto aos critério formal e renda mensal, sendo o último antecipação em valor regular de um salário mínimo, cujo pagamento das diferenças é condicionado à posterior comprovação de incapacidade. Não havendo constatação do quadro incapacitante, situação ainda lacônica, a natureza discutida pode ter caráter previdenciário transitório ao ser convertida em prestação indevida, de modo que sua devolução deverá ser condicionada à comprovação de fraude advinda do segurado.

Quanto aos critérios, diz-se que são distintos uma vez que nos requerimentos de antecipação do auxílio-doença, o atestado médico a ser anexado no portal "meuinss" deve conter, cumulativamente, assinatura do profissional emitente e carimbo de identificação, com registro do conselho de classe, CID, data de emissão, prazo estimado de afastamento necessário e estar legível, revelando um requisito formal inovador.

Nesse contexto, o ato médico da análise da conformidade da documentação médica apresentada, nos termos da Portaria supracitada, não constitui perícia médica e, por esta razão, a incapacidade não tem seu mérito apreciado. Tal requisito deve ser observado rigorosamente não só por parte do empregado, mas também pelo empregador, devendo o seu setor responsável estar preparado tecnicamente para realizar encaminhamentos desta natureza, sob pena de suportar o ônus do indeferimento administrativo por "ausência de conformidade", que expressa a massiva justificativa da negativa prestacional.

Outro dado importante que justifica a distinção dos dois institutos é que as doenças ocupacionais equiparadas a acidentes do trabalho que legalmente possuem dispensa de cumprimento de carência, por exemplo, sequer são objetos de análise no cenário atual. Alie-se isto a inviabilidade de concessão de benefício acidentário enquanto durar a situação descrita, em face da impossibilidade de realização de perícia em qualquer de suas modalidades.

À título exemplificativo, na conjuntura atual, se o empregado sofre acidente do trabalho ou é acometido por doença ocupacional em seu primeiro emprego, no qual trabalhava há 5 (cinco) meses, ou seja, sem cumprimento do requisito de carência mínima, haverá indeferimento da modalidade do adiantamento até que seja possível a realização de perícia médica.

Neste ambiente de copiosos indeferimentos administrativos, como medida previdenciária a ser adotada, além da necessidade de conhecimento técnico para gestão das questões colocadas, é facultado ao empregador a discussão da matéria administrativa ou judicialmente em face do INSS.

O entrave judicial também encontrará obstáculos do ponto de vista da viabilidade da realização de perícia médica, visto que o parecer conjunto 3/20, de 23.04.20, do Conselho Federal de Medicina, vedou o profissional médico de "assinar laudos periciais, auditoriais ou de verificação médico-legal caso não tenha realizado pessoalmente o exame", sob pena de incorrer em falta disciplinar, não obstante a vigência da Lei de Telemedicina 13.989/20 (16.04.20) e a resolução 317/20, do CNJ, que autorizou sua realização em ações judiciais em que se discutem benefícios previdenciários por incapacidade ou assistenciais.

A precariedade dos serviços prestados pela autarquia previdenciária - que antecedem o estado de calamidade - agora são agravados pela má redação da legislação emergencial, em fenômeno descrito pelo professor Marcos Serau como "portarização" do direito previdenciário, que expressa a "tentativa de normatização e regulamentação de inúmeros temas previdenciários a partir de normas infralegais", de modo que o presente escrito tem intenção de traduzir o embaraço normativo posto.

O esforço desta tradução também visa suprir as omissões contidas na legislação citada, e suas repercussões juslaborativas obscuras no que tange, por exemplo, à responsabilização pelo pagamento da diferença entre remuneração e adiantamento de benefício do auxílio-doença, uma vez que esse independe da remuneração auferida pelo empregado, de modo que será pago invariavelmente no valor de um salário mínimo mensal. A indagação segue quanto à posição dos Tribunais Regionais do Trabalho ao terem de julgar demandas trabalhistas, com cobrança desses valores e, por que não, de indenizações por danos morais e/ou materiais, especialmente se a doença que gerou o afastamento do empregado puder ser, posteriormente, tida como "ocupacional".

Levando-se em consideração a natureza distinta do adiantamento em análise, a proposição de não estar o empregado auferindo a integralidade da remuneração nem o efetivo auxílio-doença, poderia haver interpretação por analogia à situação mais conhecida do "limbo trabalhista-previdenciário", em que não só os TRT's como também o Tribunal Superior do Trabalho entendem ser do empregador a responsabilidade pelo pagamento dos salários dos empregados quando esses não estão a receber salário do empregador, nem benefício previdenciário pelo INSS.

Analisando-se os fundamentos para adoção desse posicionamento jurisprudencial, tem-se pela interpretação conforme art. 2º da CLT, pelo qual ao empregador incumbem todos os riscos da atividade econômica, inclusive aqueles decorrentes do adoecimento dos seus empregados. Dessa forma, ao discordar da decisão da autarquia previdenciária, é dever do empregador dela recorrer, mantendo, até o restabelecimento do benefício previdenciário, hígida a obrigação de pagar salários ao obreiro, ainda que sem a respectiva contraprestação dos serviços.

Um outro fundamento comumente verificado é amparado na alegação de cessação da suspensão contratual, iniciada com a percepção do auxílio-doença pelo empregado, quando ocorre a alta do trabalhador pelo INSS.

E nesse sentido, analisando, com rigor, a redação do art. 476 da CLT, que reza "Em caso de seguro-doença ou auxílio-enfermidade, o empregado é considerado em licença não remunerada, durante o prazo desse benefício", poder-se-ia divagar sobre a existência ou não da figura da suspensão contratual no período de recebimento de adiantamento de auxílio-doença e, consequentemente, necessidade da complementação, pelo empregador, da renda paga pelo INSS.

Diante da análise dos entendimentos dos órgãos jurisdicionais, quando concluem pela responsabilização do empregador pelo pagamento dos salários dos empregados nos casos de limbo jurídico, por ser o que melhor concretiza o valor da dignidade humana do trabalhador e o princípio da valorização social do trabalho, e por haver, usualmente, a expressa menção pelos tribunais quanto à necessidade de insurgência empresarial contra o ato do INSS do qual discorda, seja administrativa, seja judicialmente, faz-se prudente que as empresas adotem medidas, ainda mais rigorosas, de diminuição de riscos.

Antes de trazer algumas das possibilidades de minimização de contendas, cumpre deixar claro que, se houver a previsão, em norma coletiva, quanto à obrigatoriedade, pelo empregador, quanto à complementação do valor recebido pelo empregado, a título de benefício previdenciário, para o efetivo valor do salário recebido, não há dúvidas de que o empregador deve proceder ao pagamento de tal diferença, à luz, inclusive, do parágrafo único do art. 63 da lei 8.213/91.

Dito isto, arcar com as diferenças de valores entre o montante pago pelo INSS a título de adiantamento de auxílio-doença, e o valor do salário contratual ou até o valor integral, nos casos de indeferimento pelas razões expostas, bem como recorrer administrativamente e ajuizar ação previdenciária contra a Autarquia, para ter reembolsados os valores dispendidos, se demonstram as providências mais cautelosas de prevenção de litígios trabalhistas, posto que, se chegarem a ser judicializados, podem traduzir-se em montantes muito superiores à complementação da renda dos empregados.

Nada obsta, inclusive, que seja formalizado um termo particular, entre empregador e empregado, em que esse se obrigue a devolver os valores dispendidos pelo empregador, no caso do benefício vir a se confirmar, quando da realização da perícia médica presencial, e lhe for concedido o benefício previdenciário retroativo ao início gozo do adiamento do auxílio-doença.

O novo limbo jurídico previdenciário-trabalhista, de caráter transitório, poderia ter seus efeitos controversos sanados ou reduzidos se, à luz do decreto 10.282/20, que constituiu perícia relacionada à seguridade social como serviço essencial, passassem as perícias médicas à serem realizadas nos âmbitos administrativo e judicial, nos consultórios médicos e com as devidas observâncias sanitárias de atendimento, sob pena de, em tempos de necessária proteção social e preservação das atividades empresariais, comprometê-las significativamente.

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*Marília Lira de Farias é advogada, especialista em direito previdenciário, sócia do escritório Farias e Coelho Advogados.

*Gabriela Japiassú de Medeiros é advogada, especialista em direito do trabalho e processual do trabalho, sócia do escritório de advocacia Martorelli Advogados e professora universitária do Centro Universitário Brasileiro - Unibra.

    

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